quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Quarto 19

(Se não leu o Quarto 1, o Quarto 2, o Quarto 3, o Quarto 4, o Quarto 5, o Quarto 6, o Quarto7, o Quarto 8, o Quarto 9, o Quarto 10, o Quarto 11, o Quarto 12, o Quarto 13, o Quarto 14, o Quarto 15, o Quarto 16, o Quarto 17, o Quarto 18, este quarto não faz sentido)

Tânia bateu à porta do meu quarto, entrou receosa, com aquela sua beleza muda entre o anjo e estátua grega, como se entrar naquele quarto não tivesse sido um hábito costumeiro. Sentou-se na cama que não era minha e eu, que estudava na minha, virei-me para ela retirando a atenção dos apontamentos. Ensopou os olhos e eu pressenti que viera para me dar a novidade que eu já sabia. Puxou a camisola para cima e exibiu a barriga. Fingi surpresa.
- Este filho podia ser teu Cabitche! Eu queria que este filho fosse teu Cabitche! Deus castigou-me por eu te castigar Cabitche! Eu amo-te Cabitche! Tanto que eu gostava que esta criança nascesse com o teu nariz Cabitche!...
De cabitche em cabitche, a minha Tânia continuou debitando chorilhos desta ordem enquanto ia intensificando o ar choroso até que o meu lado paternal me deu o tom para falar como pai dela:
- Tânia! Esse ser que aí tens é o teu futuro! Esse vai nascer com uma sorte do caraças! Vai ter uma mãe como tu e vai ter um pai que é uma jóia de pessoa, o Carlitos!
- Mas eu sempre me imaginei tua, dum homem como tu, não do Carlitos! O Carlitos é um puto!
- Então e eu? Eu sou um autêntico bebé! São os filhos que nos fazem homens e mulheres!
- Queres dizer então que já não me desejas?
- Tânia meu amor, o nosso amor existe ainda mas vai acabar por desaparecer! Todas as coisas vivas da natureza são assim! Não existem amores de pedra porque, se o fossem, então não o seriam!...
Demos um verdadeiro e prolongado beijo que terminou em estalido. Tânia saiu determinada e eu fiquei a pensar. A pensar nela, em mim, na sua gravidez, no Carlitos. Tinha escolhido a solução mais fácil e mais racional, mais de acordo com os costumes. Razões do coração, essas, estariam sempre a tempo de ser remediadas.

Ao fim da tarde fui sozinho até à esplanada da cervejaria onde trabalhava Dona Graça. Antes que eu pedisse, já estava o empregado de mesa, Carlitos, com uma imperial e uns tremoços na minha mesa.
- Esta paga a casa. Despego às sete. Entretém-te aí que já me sento aqui a beber uma contigo Cabitche!
Carlos, já desfardado, sentou-se na minha mesa com mais duas e uns camarões. O tempo, um golo, uma transferência de jogador, levaram-no até me dar a novidade que já me era velha.
- Estou fodido! A minha mãe é mulher de sacristia! Nunca vai aceitar! Vai acabar por partir com um mual todos os santos da igreja de Girabolhos que têm mais de quinhentos anos!
Ela está convencida que os santos falam e que não os ouve porque é meia surda! Já viste a minha situação João? Chego lá a casa e “mãe, vou ser pai!” E ela, “o teu pai está no lagar!”
“Não mãe, vou ter um filho!”
“ Sim Carlitos, tu és o meu filho!”
“Mãe, vou casar com uma preta!”
“Não sei se ainda há alguma preta, vai ao frigorífico e vê!”
- Estou fodido João! Parece que já estou a ver a minha mãe a entrar no número sete para conhecer a futura nora e a dar-lhe um chilique!
- Oh Carlitos, não estejas com essas fezes rapaz, fizeste um filho, és um homem! A tua mãe sabe que não és um santo, vai gostar de saber-te homem. És um tipo cheio de sorte! A Tânia!?... Uma mulher de meter inveja! De se trazer pela rua mas com muito cuidado! A Tânia!?... Fosse ela da minha idade e não te tinha calhado a ti!
(Na próxima quarta talvez ainda haja Quarto)

28 comentários:

Abrenúncio disse...

Queres ver que a pretinha é bigâmica e fica com os dois e tu ainda te tornas também padrinho da criança...
Saudações do Marreta.

Anónimo disse...

Que ganda pintarola com que te safaste do embrulho da Tânia!

O carlitos tá feito. Também quem é que o mandou meter o "nariz" onde não devia...

Eita que ele ainda é mais surdo do que a mãe, que até eu a ouvia aqui: "protege-te meu filho, protege-te!"

antonio ganhão disse...

Estou impressionado! Rapaz, anima-nos lá quanto à situação económica, e quanto às vantagens de termos o Sócrates no governo, etc... é que eu sinto-me um pouco como o Carlitos! E ninguém como tu para nos subir a moral...

SILÊNCIO CULPADO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra
Um texto lindo, cheio de emoção e que retrata bem pessoas e sentimentos em contextos de dificuldades ( e de facilidades mas essas eram outras).

Abraço apertado

Anónimo disse...

Cabitche, que sorte seres pai de um rapaz. Podes deixá-lo à vontade que não aparece, em casa, grávido como aconteceu à Tânia.
No fim de toda esta história parece-me que o pai da criança és tu e não o Carlitos
Cabitche, assume-te!!!

Compadre Alentejano disse...

Quando mete gravidez, a coisa pia mais fino. Mas lá te safastes...
Estou desejando que venha a próxima quarta...
Um abraço
Compadre Alentejano

Zé Povinho disse...

Essa do discurso paternal tem graça sim senhor. Vamos lá ver se o Carlitos lá consegue afirmar-se como um homenzinho e toma conta da situação em que se meteu de cabeça.
Abraço do Zé

Tiago R Cardoso disse...

gostei da saída airosa "Fosse ela da minha idade e não te tinha calhado a ti!"

em frente que isto está muito bom.

aDesenhar disse...

Se este quarto não faz sentido para quem não leu, é o meu caso, vou dar uma volta de patins em linha pela mansão, para ver os quartos todos.

abraço

j. manuel cordeiro disse...

então mas que é isso do talvez :-) arranjaste o novelo, agora "tens" que o desenrolar :-)

MARIA disse...

Bravo Majestade, o meu aplauso, a minha vénia pela excelência do texto. Na parte do contar à mãe do Carlitos, a roçar o génio. Fantástico.
De resto Majestade, se há momentos que definem o carácter e a personalidade de um homem , o de uma inesperada gravidez é claramente um dos mais elucidativos.
Gostei do Carlitos.
Não é herói quem não sente medo, mas quem o enfrenta ...
Certamente a Tânia quando serenar dos efeitos do encantamento relativamente a si, saberá compreender e valorizar o que o Carlitos foi capaz de lhe entregar...
Mas olhe gostei que não lhe voltasse costas sem um beijo de estalo...
:-)

Um bjinho, sem estalo, mas muito amigo.

Maria

Camolas disse...

Grande bandido me saíste. Então fazes um moço e "foges com o rabo à seringa"?

joshua disse...

Este Quarto é um filho da Tânia, da Graça e de quem mais o agarrar.

João, o Carlitos, esse frango que com uma mãe mouca e beata, podia ter dado em paneleiro é perfeitamente o Deus ex machina que te desenrasca de uma paternidade precoce. Foi ele. Poderias ter sido tu e se ela toda se te abria e se abriu para ele, espiritualmente o filho é teu porque era contigo que imaginava a moça que o fazia.

Se assim fora, queria ver se ias ter lábia para esta narrativa gratuita, a mais radiofonizável da bloga!

Abraço contra as ténias, vermes platelmintos, da literatura, pelas Tânias, corpos gizados a cinzel para nos perderem de gozos.

Anónimo disse...

alta capacidade de fugir com o cu à seringa... chama-se a isto cavalgar bem em toda a sela...

abraço e um beijo na Tânia

José Lopes disse...

A moça vacilou, o Carlitos arcou com as culpas e ainda vai ter que enfrentar uma mãe "dura de ouvido", para o que lhe convém.
As despedidas já começaram...
Cumps

Anónimo disse...

Amigo, desculpa a interrupção mas ... há mais dois plágios do teu soberbo (literalmente pelos vistos) poema ...
espreita http://sinistraministra.blogspot.com/2008/10/pata-negra-mais-dois-plgios.html

E abraço da Moriae

Pata Negra disse...

Marreta,
tu querias era que a história caminhasse para aí! Bigâmico, quando muito eu, ela não. Eu não abdico da minha latinidade.

Salvo-conduto
Não te admito que chames embrulho à Tânia - nem que seja de natal! A Tânia é uma obra do criador e, como tal, não embrulhável.

António
Sócrates? Não me metas esse tipo dentro do meu quarto que eu...

Silêncio
Tudo boa gente, tudo gente pobre.

Lili
Que percebes tu de maternidade ou paternidade? Seria incapaz de não assumir um filho meu. Nem que tivessem nascido no mesmo dia um da mãe e outro da filha, seriam ambos meus.

Pata Negra disse...

Compadre
Pois o meu problema é mesmo a próxima quarta. A minha inexperiência colocou-me no beco sem saída - não sei como hei-de contar o resto da história.


Muitos anos passados, quando regressava à cidade, parava no snack onde trabalhava o Carlitos e comia uma sandes de Leitão. Foi através do Carlitos que continuei, até há pouco tempo, a acompanhar a febre do quarto.

Tiago
Por acaso não me saí muito bem com essa, devia ter dito... (bem é melhor estar calado)

aDesenhar
Mas não fiques em nenhum, mudo de meias muito raramente.

Fliscorno
O novelo está todo enrolado, nem para manta de retalhos dá!

Pata Negra disse...

Maria
o meu comentário preferido, aguardava-o, único que reconhece a magestade do rei, o único que lê o lado de trás das palavras.
Havia uma senhora da vizinhança, a única que simpatizava connosco e nos dizia bom dia, boa tarde, boa noite com especial simpatia. Eras tu?
Um beijo como o bom dia, boa tarde, boa noite dessa senhora

Pata Negra disse...

Camolas
Primeiro, não sou bandido, sou mafioso. Segundo, não faço moços, faço amor. Terceiro, não tenho rabo, tenho cu. Quarto (Quarto?), não fujo, corro para outro lado. Quinto, não me drogo. Sexto - tu conheces-me?!!!...

Joshua
O teu nome (que espraia comentários que são autênticas postas escondidas nestas caixinhas onde nos escondemos a conversar), vai ser recomendado a D.Graça como hóspede sucessor quando eu sair. E o melhor é fazê-lo já porque, pelo andar da carruagem, posso muito bem não sair de lá vivo.

Polidor
Lê a resposta que dei ao Camolas e substitui rabo por cu. Cavalgar? Infelizmente, por ser porco, Deus não me deu esse direito.

Guardião
Pois, não me restam muitas alternativas. Tinha previsto quarto para um ano mas já vi que nem aos Santos chego.

Pata Negra disse...

Moriae
Muito obrigado pela atenção e pelo destaque que dás a esses gesto de pouca classe. Não vale a pena chatiar-nos com isso! Nem eles serão poetas com o plágio nem eu serei poeta pelo escrever - que o leiam e o divulguem. Qualquer dia ainda acabarão por dizer que foi retirado do Cancioneiro Popular.
Um abraço em tempo de luta

MARIA disse...

Este blog, mesmo nos meus piores momentos blogosféricos, por impedimentos vários, é sempre para mim espaço obrigatório de visita.
Além da sua consciência cívica e social, evidencia uma personalidade singular com qualidades várias de excepção e conjuga tudo isso com um sentido de humor sagaz e sarcástico, capaz de elaborar uma caricatura social de uma certa comunidade, de traçar as mais subtis críticas ao comportamento social, de forma tão inteligente que chega a fazer parecer suas as condutas que pretende caricaturar ou criticar, aproveitando para isso de um dom para a escrita extraordinário.
Por isso sempre lhe reconhecerei Majestade.
Creio que Vª Majestade não se sentirá à vontade entre a sua deusa negra e o Carlitos e por certo procura outro quarto para viver.
Quantos quartos , pobres estudantes longe de casa, não são obrigados a conhecer, não é ?
Porém aproveitando a deixa, deixe-me apenas esclarecer Vª Majestade : definitivamente eu não sou a outra senhora do quarto ao lado.
Sabe porquê ? Se fosse eu não lhe dizia só bom dia... naaaa...
sou muito conversadora, daria até para Vª Majestade escrever outra história
:-)


Bjsss

Maria

Anónimo disse...

Coitado do Carlitos! Amigos vcs acham que naquele tempo de junventude do Rei dos Leittões em que fazia amor com D. Graça e Tânia durante tanto tempo, sem camisinha,pois nem sequer se ouvia falar em tal... que se livrou de pelo menos engravidar a Tânia? O Carlitos é padrasto...coitado num instante acarretou com as responsabilidades. Por tal se chama pata negra, recordou-se do seu filho/a mulatinho/a. Um abraço sem racismo.
Luis

Anónimo disse...

Pata Negra,

vale a pena para mim. A Sinistra Ministra tem os tais direitos de autor porque publicaste lá em primeira mão. Fiz mal em achar que te incomodarias.

Reparei que no teu perfil não colocas esse blogue. Por mim, estás à vontade ...

do Zambujal disse...

João, João, que gajo me saíste tu, saído da pena desta "pata negra! És personagem de romance, libertaste-te do autor, que parecia auto-biógrafo mas não é porque tu te tornaste indepentente.
Capitche, Cabitche?
Se tiveres oportunidade, diz aí ao "pata", ou "rei", ou porco pequenino com dois tês, que o gajo está a passar das marcas. Por cima, o que é raro.
Abraços para para os dois, e beijos miscigenados.
E a Tânia que comece a ter juizo, e que te deixe estudar um bocadinho em vez de te querer pôr a fazer de padrinho à moda antiga e latifundiária.

Fernando Samuel disse...

Cabitche, Cabitche, isso não se faz ao Carlitos que tão bom rapaz é...

Um abraço.

José Lopes disse...

Girabolhos vai ganhar uma nova cidadã...
Cumps