Pedra de Ouro é uma urbanização cogumelo, nascida no furor de finais de 70,
por união de vontades duns novos-ricos de Leiria que queriam uma casa junto ao
mar, onde não se vissem nem se ouvissem os pobres e os labregos. Dois
restaurantes, três cafés, duas esplanadas, um minimercado que vende o necessário,
ruas quase desertas, lotes em venda, casas quase novas, portas robustas, boas
fechaduras, calma, paz e calma, brisa, azul e verde.
Toda a gente sabe identificar ao longe um agente imobiliário, uma mão
segura o telemóvel ao ouvido, a outra segura um molho de chaves, de modo que
nos cumprimentam sempre com um aceno e uma única palavra, para não
interromperem o telefonema, ao mesmo tempo que nos esticam dois dedos para não
deixar cair as chaves.
- Lá está ele! É aquele bem vestido que anda ali dum lado para o outro!
Estacionaram o papa-reformas junto ao portão, o vendedor caminhou na sua
direção, cumprimentou-os nos modos já descritos, após alguns intantes desligou
a chamada e pediu desculpa como era seu dever. Entraram os três, apontaram-se
pormenores, experimentaram-se botões, testaram-se fechaduras, uma hora de
aprendizagens e lições, a casa é vossa, qualquer coisa é só ligarem, a
escritura está marcada para
Quando se viram os dois a sós, o papa estacionado na garagem, já era hora de almoço.
- Aquele ao fundo da rua vende para fora, trazemos duas doses, duas
garrafas e vamos experimentar a casa.
Duas pessoas estreiam uma casa grande, almoçam bem, de vez em quando correm
a casa ou o jardim em reconhecimento, de quando em vez espreitam a rua ou mar
numa janela, às vezes voltam à mesa para mais um gole ou um amendoim.
Uma casa junto ao mar. Não precisar de trabalhar. Um sonho?
- Ao menos aqui ninguém nos chateia!
- E o que vamos fazer amor?
- E o que vamos fazer, amor?
- Nada!
- Ainda não está tempo para a piscina!
Depois dum longo dia, dum longo serão e duma longa noite, seguiram-se
longos dias, longos serões e longas noites. O tédio consumia-os, poucos
afazeres, poucas conversas, nenhum beijo.
Uma casa junto ao mar. Não precisar de trabalhar. E depois?
- Passamos a vida a chatear-nos um ao outro!
Ninguém anda aqui para se deleitar com o relato duma vida comum a tantos
casais sós: não faziam ponta dum chavelho, não tinham falta de dinheiro, tinham
saúde para comer o que lhes desse na gana, estavam pelo pescoço um do outro,
amor pouco, sexo nenhum, projetos zero.
Do seu interesse quotidiano, quase só, tudo o que estiver relacionado com a
experiência de lhes ter saído o euromilhões: imprevistos, cuidados e
pensamentos.
Pensamentos nunca faltam a quem leva uma vida monótona.
Francisca
esperava pelo telefonema de Natal da filha para lhe contar que a podia ajudar.
A este anseio, Jacinto somava a culpa de não voltar à terra natal para ajudar os seus e estava
a ficar farto de não fazer nada, de não ter ninguém com quem trocar umas bocas
no café e da mulher dormir sempre virada para o outro lado. Francisca estava a ficar farta do ressonar do marido, de não ouvir ninguém na rua e de não ter
nada para fazer.
- Isto assim não é vida! Temos de ir passar uns dias a Vale dos Ovos!
- E se fossemos à minha terra, Vila Facaia?
È como lhe digo, caro Monarca escritor, isto de enricar sem ter prática de como ocupar os tempos de ócio, vai destruindo os novos ricos, sejam de qual Vila ou Vale forem...
ResponderEliminarDeu-me vontade de rir quando referiu " os portões e muros para alta privacidade", da casa nova, mas para isso ser preciso, seria preciso que os nossos amigos tivessem um batalhão de paparazzi no seu encalço, quais artistas famosos.
Ai o que eu ando aflita com esse gastadouro de dinheiro...Temo pelo futuro da Francisca, veja só!
Vamos lendo e vendo...
Um abraço e boa semana.