sábado, 4 de maio de 2024

Abdul Nawaf tem 12 anos e deixou de falar.

Abdul Nawaf, 12 anos, vivia com três primos num abrigo, entre ruínas, na cidade de Rafah. Há alguns meses que nenhum deles se afastava mais de cem metros do “lar”. Resistiam física e psicologicamente a cada dia, inventavam, naquele círculo, a sua sobrevivência e a sua razão de existir. Tinham receios mas não medos. Aliás, tinham medo de sair dali porque sentiam e pressentiam os acontecimentos da sua terra em guerra. Um estrondo daqui, um grito dacolá, a proximidade do ruído de um carro de combate, ao longe um vulto de arma içada, um avião israelita rasgando o céu, um cão farejando nas ruínas próximas, um gato morto…

Um dia Abdul Nawaf, fez-se às ruas transformando todos os medos em receios, e foi verificando como a cidade era feita de abrigos iguais aos seus, como eram iguais os métodos de sobrevivência dos seus semelhantes e como continuava igual a sua razão de existir. À medida que ia caminhando, ia perdendo a identidade, ia sentindo que não valia a pena viver em lado algum mas, pior que isso, que também não valia a pena morrer. Encontrou um meio-termo, deixou de falar. Continuou deambulando, entretido a observar os outros, evitando despertar olhares e foi neste passo que o narrador, que fazia a cobertura daquelas existências, lhe perdeu o rasto …

Como todos os narradores ele era incógnito e, morreu de romance ao meio, por não conseguir voltar a alimentar-se de Abdul Nawaf.

Quando os outros narradores voltarem à terra assassinada, já os jornalistas que, cá longe e em terra firme, operam as máquinas da opinião pública de cada dia, hão de ter cozinhado e servido a História que servirá aos vencedores. E nós, mais uma vez, ficaremos mais cultos quando virmos uma fita de cinema dessa guerra, bem narrada mas sem cheiro e abriremos as torneiras para os "macrons" lavarem as suas mãos.

(Quem está convencido que pertence a um povo escolhido por Deus, nunca conseguirá respeitar os outros povos como iguais.)



1 comentário:

  1. Também eu
    fiquei sem fala
    com medo deste Mundo
    cego, surdo e mudo

    Abraço solidário

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