sexta-feira, 29 de setembro de 2023

Só fumo por razões políticas

O histórico das leis tabaco pode, à primeira vista, parecer apenas uma sucessão de leis que apenas dizem respeito aos fumadores, apenas mais um entretém dos donos da democracia para distrair o povo do essencial. Mas não! Estas abordagens repetidas a questões aparentemente secundárias são, muitas vezes, demonstrativas da natureza hipócrita dos seus autores, do desrespeito que têm pelos cidadãos e da crueldade que rudemente surge quando se descobre um ceguinho em quem bater.

Um fumador pode ser considerado um doente, um desrespeitador ou um irresponsável. E os autores destas leis? São o quê?! Não lhes chegava, depois de tantas medidas “políticas”, colocar nos maços de tabaco imagens de cancros, de moribundos e caixões? São gente com ideias doentes e as suas razões carecem de tal modo de fundamento que chegam a usar o argumento mais estúpido que se pode arranjar: "nos Estados Unidos já é assim!".

Numa sociedade saudável, como a que ideologicamente querem decretar, surgirá entretanto um imposto sobre o sal e sobre o açúcar e, nos rótulos das embalagens destes, ver-se-ão também caixões. E já agora, também nos rótulos das garrafas de vinho, da cerveja e do toucinho! E porque não, colocarem caixões ao longo das bermas das estradas para o pessoal moderar a velocidade?!

Se o objetivo é fazer com que nos sintamos culpados, andemos tristes e com o pensamento na hora da nossa morte, vós, ó homens com tanto poder que até o tendes para decidir as imagens dos rótulos das embalagens, já o conseguistes: basta-nos ter de levar diariamente com imagens de vossas excelências e ser alvo das vossas decisões.

É preciso viver continuamente com o medo da morte certa. Qualquer coisa que entre pela goela abaixo é sempre uma das principais causas duma doença, doença essa que figura entre as principais causas de morte. São as notícias nossas de cada dia. Mas em verdade, em verdade vos digo, virá um dia uma epidemia de cujo vírus só se salvarão os fumadores!


Já chateia esta obsessão com o tabaco, gaita! Faz mal, provoca doenças, provoca cancro? Cabe a cada um decidir dentro da sua liberdade! Não se pode fumar em determinados locais? Certo! Mas não venham com a proibição de fumar onde o ar é livre enquanto não taparem todos os escapes e chaminés da atmosfera pública!

O tratamento de pacientes com doenças que comprovadamente advêm do hábito ou vício de fumar é pago por todos? Então e onde aplicam as faustosas receitas dos impostos sobre esta droga? Então e se um tipo morre mais cedo, já viram o que se poupa em reformas e pensões?  Então e aqueles que sofrem porque abusaram do sal, do açúcar ou porque não respeitaram um sinal de trânsito?

 Mas pronto! Ai de quem conteste! Está visto que enquanto a pele não romper, a maceta não vai parar de bater no bombo do fumador! A seguir virá a proibição de puxar por um maço de cigarros em público porque as imagens da embalagem podem traumatizar as crianças!

E, sempre que estiver em cima da mesa tomar medidas para equilibrar as contas públicas, haverá sempre um político idiota que levantará o seu braço luminoso:

- Tive uma ideia! Aumentamos o imposto sobre o tabaco!

 E eu, que há tanto tempo deixei de fumar, lá terei de puxar por mais um cigarro como forma de protesto! 

(Se querem de facto que a malta deixe os cigarros ponham a fronha deles nas embalagens).

sábado, 23 de setembro de 2023

Um pouco de lenha para a fogueira

Herdei um carvalho centenário que tive de cortar porque fazia sombra à aldeia. No passado sábado lá fui eu para a terra ter com três primos mestres na lide da moto serra. Cortar um carvalho é tão violento e tão bárbaro como matar um porco. A moto serra é a faca afiada, o tombo imponente, o derradeiro cuinho da matança e a extinção da sombra é como um curral que acabou de ficar vazio.

Passámos a manhã no desmancho do animal vegetal. O meu primo Manuel ganha 700 euros mensais, o meu primo Miguel está desempregado e o meu primo Arnaldo é emigrante e está cá de férias.

Para os sábios economistas da televisão, os baixos salários são bons para a competitividade da economia, o desemprego é bom para flexibilizar a economia, a emigração é boa para os emigrantes mandarem as suas economias para cá e os dias de folga têm implicações negativas na economia nacional. Mas eu e os meus três primos estivemos a trabalhar, a produzir lenha e a produzir energia. Para compensar a energia dispensada com a força do nosso trabalho, tive de os compensar com um almoço de leitão já que o meu primo Manuel não me quis levar nada, o meu primo Miguel deve-me dinheiro e o meu primo Arnaldo não precisa.

Passámos a tarde a jogar dominó na tasca do Pirilau, bebemos uns copos e, por causa da crise, a conversa foi parar à política.

O meu primo operário deu sova nos que estão e disse que os que estavam fizeram coisas erradas mas que a culpa de ter fechado o Centro de Saúde foi destes e que os outros estavam a começar a pôr os funcionários públicos no seu lugar.

O meu primo sem emprego diz que os que estiveram antes é que deram cabo disto tudo, que o Centro de Saúde só servia para as velhas porem a conversa em dia, que os outros estavam feitos com os banqueiros, que não há dinheiro, mas que isto agora vai mudar.

O meu primo que vive no estrangeiro diz que isto se estragou tudo quando estes se juntaram com os tais quando perderam, que os seguros de saúde servem para alguma coisa, que enquanto não expulsarem os imigrantes não vamos a lado nenhum e que se vivesse cá votava era no “coiso” porque ele diz algumas verdades.

E eu que sou funcionário público com pouca saúde, que sou dos tais que nunca votam nestes nem nos outros, que nem posso ouvir falar de fascistas nem de arraçados, que não concordo com a existência de salários tão baixos para quem tanto produz, com desemprego num país com tantas coisas para fazer, com gente que teve de partir e não consegue compreender quem chega, que gosto tanto dos meus primos, não tive coragem de os mandar para o carvalho: fui eu!

(o filme documenta o momento em que fui)

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

A Festa do Avante e os media


A Festa do Avante - o maior acontecimento político-cultural desta época, depois da Universidade de Verão do PSD e da convenção mensal do Chega – segundo as queixas de alguns dos seus amantes, não tem um impacto mediático proporcional à sua importância e às suas dimensões. Será verdade mas convenhamos que mal irá a nossa comunicação social quando der maior cobertura ao que se passa numa festa, ainda que grande ou até a maior, do que ao trabalho sério que se desenvolve numa universidade ou num partido fascista.

Depois, também não é verdade que a Festa não seja notícia, nos últimos anos a comunicação social e os comentadores de serviço não se têm poupado a falar dela. Este ano têm estado calados à espera que chova, que seja servido um ovo estragado ou que esteja lá um sinal à entrada com a proibição de acesso a animais. A Festa passa sempre na televisão, no mínimo com trinta segundos do discurso do secretário-geral, correspondente a uma frase criteriosamente selecionada ou então duas ou três entrevistas a pessoas comuns, retiradas dum painel de vinte ou trinta tentativas, que disseram aquilo que o dono queria ouvir.
Estarei com os críticos da relação da comunicação social com a Festa se a manifestação do seu desagrado tiver o objetivo perverso de “quanto mais nos queixarmos, pior eles farão!”. Isto porque uma das características que me agrada na Festa é precisamente a sua natureza não mediática - a Festa como um segredo cúmplice dos que lá vão. Se um dia a televisão e os jornais fizessem um trabalho jornalístico adequado à vivência da Festa, a mesma seria desvirtuada porque seria invadida pelas gentes cuja agenda é determinada pela TV e pelo Correio da Manhã. Simultaneamente, a afluência de muito mais gente esgotaria a capacidade da organização, stressando os serviços e alterando significativamente os perfis tradicionais dos festivaleiros.
A Festa emociona-me enquanto for assim. Sugiro até que, para o ano, a organização não faça publicidade e afixe os cartazes habituais dizendo apenas: este ano a Festa do Avante, que se realiza nos dias 7,8 e 9 de setembro, não tem publicidade.

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Nada cabrão

Nada me ocorre
Nada me tem
Nada me inspira
Nada me vem
Nada me leva
Nada me vai
Nada me educa 
Nada me instrói
Ai que me dói
Estou muito mal
Crise nos ossos, na figadeira
Crise nos cornos, intestinal
Crise no cu, hemorroidal
Crise de diarreia
Crise financeira
Crise europeia
Crise nacional
Crise de emprego
Ai se eu te pego
Eu te devoro
Às vezes choro
Às vezes rio
Às vezes imploro
Às vezes vou
Ás vezes venho

Por vezes vou ao bar da Associação e digo sou
Eu que vos ouço a dizer que devia ser assim e assado
Eu que vos ouço a dizer que se devia vender o estado
de abril que está ser roubado
E a malta acha que se deve revoltar
Mas nem sequer um passo de marcha
Nem ao menos um minuto de greve
Dizem que tem de haver revolução
Em cima de nós não
Marcelo é um cabrão
Que foi aqui chamado só por causa da rima
Tem um ar terno de parvo espertalhão
Este governo dói-me
Tanta estupidez, tanta resignação
Tanta afronta, tanto conformismo
Nada me dói, nada me pega
Ninguém me instrói
Há gritos na rua

Nada ela nua – pronto, alunei, estraguei o texto todo!
Não, ainda tenho mais um rima:
Lua

terça-feira, 1 de agosto de 2023

Para acabar de vez com educação


 O sistema educativo alicerçado nas vontades do Estado Novo, ou melhor, fascista, pintado na esperança de Abril e sucessivamente remendado pelos ventos do quotidiano político da contra revolução, faliu. Montes de horas de aulas, carradas de matérias, milhões de vencimentos investidos em docentes, para uns ratitos saírem da montanha. E não vale a pena inventarem rankings, o primeiro prémio dessa falência vem para os jovens formatados no ensino privado! De nada serve conhecer a fórmula resolvente, as leis de Kirchhoff, o mapa do Quinto Império, as personagens dos Maias ou já ter ouvido falar de Sócrates ou do ADN se o sucesso do ensino secundário ignora o que é o IRS, o Código Civil,  o código binário, a tecnologia LED , o FMI, o movimento hippie, o socialismo, porque se capam os porcos ou o controlo do livre pensamento. 

E, como o inconsciente coletivo não quer ver isto, inventa um ensino superior menor refém de "numerus clausus", colo roto de fundos de tamanho que baste para mandar às ortigas a soberania, diplomado em fotos de pais babados ao lado dos seus filhos príncipes,
cobertos de capas pretas em dias de fitas, e fica toda a gente muito contente porque o que não falta na família são doutores.

A escola, o colégio, a universidade, o sistema nacional de qualificações, são os agentes que certificam o maior embuste dos tempos que vivemos. Todos somos muito instruídos e vemos o rei nu mas ele vai vestido e bem vestido, que cada um descubra as saias com que ele tapa os nossos olhos.

domingo, 30 de julho de 2023

Perdoai-me padre porque pequei


Os jovens que por estes dias dão de comer aos comentários e noticiários, não são nem piores nem melhores que os outros. São gente nova que acredita que pode contribuir para a construção dum mundo melhor, que quer viver, que está a viver, a conviver, a curtir, que tem desejos, que tem desejo e que se sabe que para o amor existir tem de ser feito.

A sujeição dum jovem a sentar-se numa estrutura "made in Portugal",  como as que a foto documenta, para abrir a sua intimidade perante um padre, um cusco clérigo, um homem que amputou ou distorceu a sua sexualidade quando era jovem, que renunciou à procriação, que não reconhece ao sexo oposto iguais poderes, um homem-célula duma Igreja que ainda teima em exercer o seu poder sobre os povos à boleia do sacramento medieval da Confissão, essa sujeição é a que distingue fundamentalmente (alguns d)estes jovens dos demais.

Quanto ao resto, ver jovens, ver juventude, é sempre bom. E por favor, é legítimo questionar o balanço deve-haver do acontecimento. O que é feio é que deve haver gente dessa que não se manifesta a propósito do esforço de guerra que o país está a fazer.

sexta-feira, 28 de julho de 2023

Acabaram de vez as greves dos portageiros.

Para competir com o telemóvel, só a velha bola de couro cheia de ar. Tirando isso, o quotidiano dos pais "adeptos", crescidos, não tem mais nenhum espaço de liberdade para oferecer aos meninos a não ser a visualização dum jogo na TV. Então e as meninas? As meninas estão a ganhar aos meninos! Estão quase todas noutra e quase sempre recebem o tratamento de "princesa".

A questão "és do Sporting ou do Benfica?" causa-me arrepios. Primeiro porque se esgota na dualidade, segundo porque quer obrigar a infância a ter partido, terceiro porque nunca a ouvi dirigida às meninas. 

Quando tive um filho e ele começou a ficar, insistentemente, sujeito a essa pergunta, ensinei-o, assim que começou a verbalizar, a responder à altura. 

Fomos contabilizando as sucessivas reações que  nunca passavam da expressão facial de espanto ou embaraço. Esse ensinamento, ficou registado pró futuro num regresso de férias em que a meia noite se passou na saída da autoestrada. O portageiro dirigiu-se ao passageiro da cadeirinha amarrada ao banco de trás e procurando animar o seu ofício com os que passavam pela sua janela, questionou:

- Que menino lindo aqui vai! És do Sporting ou do Benfica?

E o menino, cansado da longa viagem, bem instalado debaixo da sua boina meia Che, meia Mao, respondeu num tom frágil e arrastado mas bem audível: - Sou comunista!!!...

O homem da portagem reagiu como os demais e passado uns tempos perdeu o emprego porque foi substituído por uma máquina.

Hoje, passados trinta anos, regressados de mais umas férias em família, uma família em que o pai é rei e em que nem a  mãe é rainha, nem os filhos príncipes, em que ninguém é de ninguém, realizado o pagamento, ouvimos a máquina a desejar-nos "boa viagem" e não ficou sem resposta:

- Vai bardamerda! Queremos o portageiro de volta! Asna! Como "boa viagem"? Vimos a chegar!

A máquina falou mas não falou como o portageiro e também não ficou a pensar como ele: 

- São comunistas!...

sexta-feira, 21 de julho de 2023

o cõno de si marcello


ele é omnipresente: onde houver desgraça ele leva um abraço, onde houver festa ele leva um foguete, onde houver escuridão ele leva holofotes, onde houver assunto ele leva opinião e nunca declina.

ele é o único ator desta novela: faz de amante, de amado, de herói e de vítima, faz de conta, chora e ri, fala como se fosse autêntico e também declara.

ele é o único artista deste circo: anda no trapézio, seguro por redes e cordas, preso por cordões transparentes faz equilíbrio,  é palhaço, é macaco, é dromedário e também declama.

ele é doutor: nunca sujou as mãos e está sempre a lavá-las, lava também o corpo e o seu passado todos os dias, nasceu de barriga para o ar e de barriga para o ar há de morrer e nunca defeca.

o espetador escolheu-o e gosta dele quando já enjoa, faz que acredita nele quando sabe que mente, vê-o sempre branco mesmo que troque as tintas, bate-lhe palmas quando não lhe acha graça e vai em sua defesa.

só nos faltava este, nascido e criado pela Outra Senhora, nunca foi esquecido nem se deixou esquecer, ei-lo em toda a parte, ei-lo ator, artista, professor doutor.
- senhor espetador apresento-vos ao vivo, por cabo, por antena e internet: Carmona, Craveiro, Tomás, Spínola, Costa, Gomes, Eanes, Soares, Sampaio, Cavaco, Silva num só, o omnipresente e impotente presidente... do conselho- Marcelo!

domingo, 9 de julho de 2023

Sempre a bombar



A posição que o governo português toma, relativamente ao envio pelos EUA/NATO de bombas de fragmentação para a Ucrânia, é muito semelhante à dos soldados que, vendo os seus camaradas violar mulheres em terras conquistadas, reprovando o ato, o presenciam sem agir. 

Já para não falar do argumento esfarrapado dos que garantem que o inimigo também violou as nossas.

Enternecedora também a justificação do país das armas: não temos outras munições! Então quando estas se esgotarem vão a quais, às nucleares?

sábado, 8 de julho de 2023

Regresso à realidade

A impressão fotográfica e cinematográfica dos últimos cem anos atingiu proporções inimagináveis nas últimas décadas com as tecnologias digitais. Um número incalculável de imagens estão registadas nas memórias de computadores e supercomputadores por todo o planeta. São imagens de pessoas, de locais, de história, de arte, de ciência, de acontecimentos, de entretenimento, de eu sei lá!

Mas eis chegado o tempo em que e possível criar rostos com imagens que parecem reais, deturpar a história com imagens que parecem verdadeiras, falsificar a arte com imagens que parecem autênticas, prejudicar dados científicos com imagens que parecem fidedignas, inventar acontecimentos com imagens que parecem confirmar as notícias, viver a fantasia em jogos de realidade virtual, render parte da nossa existência a um mundo paralelo que se mexe no meio físico eletrónico.

Entretanto, está próximo o momento em que não teremos outro remédio se não voltar à realidade.



sexta-feira, 7 de julho de 2023

Dias Harmónicos

Eu não gosto de falar de felicidade, mas sim de harmonia: viver em harmonia com a nossa própria consciência, com o nosso meio envolvente, com a pessoa de quem se gosta, com os amigos. A harmonia é compatível com a indignação e a luta; a felicidade não, a felicidade é egoísta.

José Saramago
La Jornada (1998)

De tal modo em estado de harmonia que hoje não escrevo. 

Poderia publicar uma fotografia do pôr do sol, duma onda, dum grão de areia, duma escultura de areia, dum corpo escultural banhado em sol, dum homem que faz sombra com a barriga ao neto que chapinha na água com sal, do acontecimento cultural  da maré baixa...

Nada disso, apenas um anúncio acordou a objetiva e cumpriu um dever cívico muito em voga:  ajudar a encontrar um cão perdido. E é esse objetivo que vos deixo:



sábado, 1 de julho de 2023

Dias Felizes

 Tenho andado com "Dias Felizes", um livro de Egídio Santos, escritor de fotografia. É um livro que não será arrumado na minha estante, tomará o lugar que antes tomavam outras literaturas, na mesinha que separa os sofás do televisor. Enquanto degustei a primeira leitura tomei consciência que o iria ler várias vezes. Mas não é só por essa razão que ele vai ocupar esse lugar de destaque na minha pequena casa, restante família, amigos e visitantes, hão de pegar-lhe, gozar deste encontro feliz com a Festa, reviver festas passadas, programar futuras e alguns até, também vêm cá desses, perder o preconceito.

Espero que o livro esgote no primeiro fim de semana de setembro, é livro para isso. Eu, depois de ver este vídeo, decidi comprá-lo e consegui-o duma forma muito simples com o messenger:

- Egídio dá-me o teu NIB, o meu endereço de correio é este.

Passado dois dias estava ao meu colo. Ah! Se calhar não deixei claro o tema:

- É uma excelente coleção de fotos da Festa do Avante.



sexta-feira, 23 de junho de 2023

A nora do meu pai



É sempre assim, um tipo anda há dias para pôr a escrita em dia mas há sempre um empecilho, uma indisposição, uma preocupação que lhe tira a  cadeira quando se vai sentar.  É a patroa que anda com os azeites, é o dente do ciso do mais velho, é a nota de francês da mais nova, é o clio que não passa na inspeção, é o raio do autoclismo que verte, é a vida do homem que tem de pensar em tudo.

E o carvalho do mundo em alvoroço, as notícias inquinadas por forças ocultas, as forças do mal contra as forças do bem, as guerras e a força do povo a esmorecer… Portugal sempre em crise… ai pátria minha! ai madre Espanha! mãe Rússia! ox Alá! ó Damasco! Deus queira! querida Europa! tirem as mãos da Venezuela! ai o corno de África! os norte-americanos são os maiores! alma eslava! só dois impérios à escolha!?  ai telha lusa! que não vales nada! como é que eu vou mudar o telhado sem dinheiro?!...

Falaria nestas coisas, se penso nelas!  Seria meu dever seguir a minha vocação revolucionária, nem que ela apenas se expressasse na dimensão menor dumas linhas escritas à altura do pescoço, entre o coração e a cabeça, entre o sangue dos soldados e o pensamento dos decisores.

Mas não! Não falarei no meio da algazarra dos meios de comunicação, das colunas de opinião e dos cafés! Sim! É incontornável! Há uma guerra que não se entende mas em que toda a gente é entendida. Agora já não são só os adeptos do futebol que já ouviram falar de Kiev! Já não são só os marques mendes, os marcelos e os rogeiros que sabem da coisa! Toda a gente tem aprendido muito com milhazes! O Costa também nos saiu um grande artista! Não tarda nada faz como o Durão! Vivam também Cristiano e o cristianismo dos seus fiéis!

 Talvez noutra temática eu seja ouvido:

- Porque é que os alcatruzes têm um buraco no fundo?!

Descobri, por mim próprio, a resposta, quando ainda não tinha idade para dar passo à mula que rodava a nora  e, dessa descoberta, conjugada com o funcionamento das engrenagens do engenho, criei, julgo, a vontade de em grande ser engenheiro. É claro que também o cultivo da terra, a rega, os regos de água, a água, me ajudaram a criar e a fazer-me filho do campo, homem do povo, filho da história e homem de máquinas. 

E aqui estou eu a escrever como um menino que quer ser revolucionário, como homem atento ao mundo, como um funcionário de expressão limitada, a perguntar, como um lunático ingénuo, a deixar uma questão: 

- Alguém mais, além de mim, ainda se lembra da razão pela qual os alcatruzes têm um buraco no fundo?!.......

Provérbio: Os homens são como os alcatruzes da nora: para uns ficarem cheios, ficam outros vazios. 

sexta-feira, 16 de junho de 2023

The Kwent´s

 Falando novamente de The Kwent´s, apetece-me falar da sua história com histórias no plural e não foram poucas as que ao longo dos anos se cumpriram. O grupo não se consumava no palco, o grupo vivia muitas outras horas agrupado e muitas histórias aconteciam em viagem ou pelo menos em viagem eram contadas. Na Fiat ou na Mercedes, os ora quatro, ora cinco, ora seis, ora sete, ora mais elementos, intoxicados, cansados, ensonados, sujos, mal acomodados, acumularam muita história ao longo de sete anos.


– Gaita! Ainda dizem que Portugal é pequeno! Fui à vila e estava a ver que nunca mais lá chegava!
Dissera uma mulher lá da terra, nos tempos em que se passava uma vida sem quase sair da aldeia onde se nasceu, quando se viu obrigada a deslocar-se, a pé, à comarca que distava 17 km. Esta expressão era frequentemente repetida para o riso nos aliviar a saturação das viagens de horas que, muitas vezes, acabavam com o nascer do sol.

 

Também o ambiente de certos salões, garagens, barracões, era pesado. Num fim de série era um alívio vir à rua tomar ar fresco, fumar ou fazer outras necessidades. Quando os porteiros não identificavam o artista discreto e impediam a reentrada, era um gozo ficar à porta à espera que o problema fosse resolvido para que o baile recomeçasse.

 O Agostinho era o que tinha mais histórias para serem ouvidas.Nas imediações do recinto há sempre um sítio escuro propício à prática de certos atos. Entre sombras e clareiras procura-se o local com melhores condições para realizar vontades. Uma imensa vontade, uma aflição de expelir massas acumuladas e, um cinto desapertada à pressa, um baixar as calças e, de cócoras, a satisfação do alívio. Passados segundos, vindo das profundezas da terra, o eco de um pesado “choc” em águas paradas… Esperou outros tantos segundos pelo retorno dos salpicos na pele esfriada!... Nada!!!

- Já viste?! Podia ter caído para dentro do poço!

Custava a acreditar mas o “manager” da Terrinha afiançou a situação de perigo até à exaustão e nós, os outros, respeitavelmente acreditámos! Até porque outra história alguém tinha para repostar:

- Vim cá fora! Procurei um sítio para despejar e arranjar espaço para mais cerveja! De repente do escuro um cão: ão! ão!... – Ai!...
Olha se eu não fujo a tempo! O que podia ter acontecido! Provavelmente nunca mais poderia ter filhos. Nunca mais! ... De noite só com iluminação!

O Agostinho um dia não pôde ir e com o patrão ausente a atuação descambou. Enquanto houve gente que ouvia e dançava normalmente, tudo correu normalmente. Uma série tinha sempre uma primeira música de “estica o braço”, um slow para constituir família e uma final a rasgar para abanar o capacete ou em forma de rapsódia para dar uns viras . Fim de série, fila para o bufete, uma cerveja, um cigarro, conversa, convívio, sedução, até uma foto (e, nesta noite memorável, foi com o Tó da Memória na Memória).

Cumpridas já as séries que justificavam o cachet, depois do público se resumir a fãs, resistentes e malta que curtia o improviso e o imprevisível, a madrugada abriu-se num grito de revolta e juventude, os sons ecoaram numa dura melodia coletiva, músicos e submúsicos presentes na sala povoaram o palco, partilharam e trocaram de instrumentos, eram três à bateria, três à guitarra, três ao microfone, um número indefinido no total, rhythm and blues e o rock and rol prestam-se a estas coisas, não parece haver um olhar lúcido no espaço do recreio, talvez apenas um cinquentão da organização que, ouvindo o sino, se me dirige pedindo, encarecidamente, para acabarmos, antes que começassem a chegar os fiéis para a missa de domingo na capela que era mesmo ali ao lado.

 E mais não conto porque o privado me priva.

sábado, 3 de junho de 2023

E àquela hora

Eram seis menos cinco. Estávamos na praia da Vieira de Leiria. Depois de olhar o relógio, de imediato aproximámos bocas e começámos um relacionamento que duraria até ao meio dia do mesmo dia.

Por isso, recordar-te-ei sempre como "A da hora". Haverá certamente muitos que deram o clique da paixão pelas seis da madrugada mas é difícil que tenha existido mais alguém que acabasse uma relação pelo meio dia.

Fora noite e festa, fora música e luzes apagar e a acender numa discoteca na Foz do Lis. 

- Se nos encontrámos na foz, não faz sentido subir o rio, nem nos faremos ao mar para nos perdermos no oceano! 
Disse eu num impulso romântico de poeta instantâneo. E tu: 
- Aqui também não fico, faz muito vento!

E vi-te partir, cabelo ondulando em plena harmonia com o som da ondas e todas as curvas e movimentos do teu corpo andante.
Era meio dia menos cinco, mais exatamente. Adjetivamente fiquei atlântico.

Ingressei na marinha mercante. E tu Dora? Certamente viverás nas Cortes que é onde nasce o rio.