terça-feira, 19 de julho de 2011

Lembrei-me de Torga

Lembrei-me agora que não me lembra a primeira vez que ouvi falar de Miguel Torga. Mas lembrei-me dele e...

Tive, no liceu, um professor de Português, residente em Coimbra, que se aventurou a conseguir de Miguel Torga uma entrevista cujo fim era fazê-la ouvir aos seus alunos.
E lá estou eu tão perto de Torga, de ouvido esticado, a tentar perceber do som fanhoso da cassete rasca, umas ideias – já mais que carcomidas pelos anos – acerca do lugar de um Deus incerto, numa certa existência, enfim, coisas que nos interessam tanto na adolescência. Ficou pelo menos a recordação do episódio, a proximidade e dedicação exclusiva dos trinta minutos do Poeta para uns trinta da turma – para o caso convém acreditar que o bom professor teria só uma turma – e uma simpatia continuada pelo nome impresso Miguel Torga.

Já nem vou falar pelas passagens na Portagem de Coimbra – sítio onde devo já ter passado em todas as horas das vinte e quatro que têm os nossos dias – em que havia tantas vezes uma voz mais poeta, pacata ou etilizada que dizia:
- Olha! Aquela é a janela do consultório do Miguel Torga!

Anos mais tarde, um amigo, missionário jesuíta em Moçambique, pediu-me a mim e à 4L para o acompanhar na recolha de uma encomenda nas oficinas da diocesana Gráfica de Coimbra. O padre gestor conhecera-o em Maputo e a caridade dera-lhe para a oferta dos títulos de direito que quisesse para enriquecer a biblioteca do colégio africano. Confessou-me, o amigo, que era na formação da advocacia a sua aposta, por ser a de mais interesse na desejável ligação da Igreja à coisa política.
E lá entrámos nós oficina adentro,
- Podem levar os que quiserem desde que não estejam em paletes completas!
Nunca na minha vida havia estado no meio de tanto livro e tragédia maior nenhum do meu interesse. Minto, de encadernação modesta, capa branca, “Miguel Torga – DIÁRIO – XII – 3ª edição revista – Coimbra”, aos montes.
Era a oportunidade de fazer a cobrança do meu frete, os amortecedores de traz em baixo, mas pelo menos seis exemplares não os poupei aos padres, por direito!
Serviram-me para oferecer de mão beijada quatro e tenho agora dois, acabo de verificar. Dois filhos. Pelo menos aí não deve haver contenda na divisão da herança! Como eu me orgulho deste roubo!

10 comentários:

MARIA disse...

Caramba, tem o " Diário " de Torga ?
Pois é, a partilha de alguns textos com os amigos impõe-se : amigo !...
Ficamos à espera.

Zé Povinho disse...

Talvez menos lidos do que a restante obra deste escritor, mas mais pessoais e, quanto a mim, mais reveladores da sua personalidade e interesses.
Partilhe que terá audiência certa.
Abraço do Zé

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Pata Negra disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Alberto Cardoso disse...

Majestade, se nesses anos de estada em Coimbra tivesse ido à (ida) Brasileira na Rua Ferreira Borgues, café que distava perto de 50 metros do Largo da Portagem, entre +/- as 13h00 e as 14h30, teria visto Torga rodeado de muitos amigos na animada tertúlia diária que antecedia a ida para o consultório. Embora eu frequentasse preferencialmente o vizinho Arcádia (a Brasileira não tinha café expresso) tive o grato prazer de o ver muitas vezes.
Os meus respeitos.
Alberto Cardoso
P.S. Folgo ver que a doce Maria regressou.

MARIA disse...

Nunca parti ...
Torga é dos meus escritores preferidos.
Quem dera aceder à leitura de tal preciosidade.

Um beijinho amigo Majestade.
A Alberto Cardoso a minha vénia, o meu apreço sempre muito amigo.

Maria

do Zambujal disse...

Ah! o Torga!
Ah!e os TorgaS!
Que boa recordação nos trazes à memória dos sempre vivos, ou vivos para sempre...
Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora
(...)

Obrigado.
Um abraço

O Puma disse...

Não deixemos morrer

os nossos mortos

José Lopes disse...

Roubado não, o padre até ofereceu e foi muito bem escolhido.
Cumps

maceta disse...

Pata
acho que li um dos Diários de Torga aí pelos meus 15 anos... o meu pai tinha a obra, creio que, completa... guarda-se sempre o que vale como tesouro valioso.

abraço