Aos treze-catorze, duas ou três vezes por Verão, conseguíamos reunir as devidas autorizações familiares para irmos, de bicicleta, fazer os quarenta e tal quilómetros, de ida e volta, à nascente do Alviela, um dia de banhocas, sandes de atum com não mais que vinte escudos a cada um. Já mais crescidos e com rendimentos de biscate, com idêntica frequência, começámos a tomar o comboio para a Figueira. Fazíamos praia na esplanada da Sagres esbanjando em canecas e bivalves todos os valores líquidos do nosso suor, mandando umas bocas uns aos outros, uns piropos a quem merecia e, assim, nos divertíamos rudemente – nas apreciações que, por vezes, se topavam de alguns observadores não passávamos de um rapazes grosseirões e inofensivos de Trás dos Matos.
Foi num dos regressos destes dias que, depois de apearmos na estação das nossas bandas, a história se enredou.
Era norma da CP ter um funcionário à porta da estação a recolher os bilhetes dos passageiros. Por nenhuma razão, nem me dei ao trabalho de pôr a mão ao bolso e passei descontraído, entre a leva, sem entregar o meu bilhete. Aguardava cá fora quando me apercebi que havia bronca no cais entre os meus e o ferroviário de serviço. Voltei a passar a porta que dava para o cais para me inteirar das razões do chinfrim. O Gaio, rodeado pelo grupo, dizia: “ouça meu caro senhor, já lhe disse que não tenho o meu bilhete!”
- Nesse caso terá de pagar!
- Mas eu tirei bilhete só que não o tenho!
Fez-se-me logo a luz fácil.
- É meu amigo, viajámos juntos, fui eu que guardei os bilhetes, o bilhete dele está aqui!
Disse eu exibindo o meu bilhete, satisfeito por ter resolvido o problema com uma impunível mentira. Mas o Gaio tinha problemas.
- Não! Não! Não se acredite no meu amigo! Ele está a mentir-lhe! Esse bilhete não é o meu é o dele!
Risada geral, eu tentando arranjar uma cara de reacção, o ferroviário, multiplicando expressões de rosto começou a debitar sentenças enquanto o Gaio, repetidamente, afiançava a minha mentira. Estava o imbróglio montado não tardando, com o aquecimento, o final com fuga em debandada.
Só eu, do grupo, armado em rapaz sério e sereno, fiquei por ali tentando acalmar esfarrapadamente o zeloso funcionário, valeu-me o feito a toutiçada que parece que ainda hoje sinto, nunca tendo conseguido apurar para mim próprio se foi merecida ou imerecida.
Ainda hoje, quando a malta se junta, episódios semelhantes podem acontecer, juntos conseguimos ser ainda crianças, rapazes grosseirões – Vá lá! Reprovem-nos!...
Foi num dos regressos destes dias que, depois de apearmos na estação das nossas bandas, a história se enredou.
Era norma da CP ter um funcionário à porta da estação a recolher os bilhetes dos passageiros. Por nenhuma razão, nem me dei ao trabalho de pôr a mão ao bolso e passei descontraído, entre a leva, sem entregar o meu bilhete. Aguardava cá fora quando me apercebi que havia bronca no cais entre os meus e o ferroviário de serviço. Voltei a passar a porta que dava para o cais para me inteirar das razões do chinfrim. O Gaio, rodeado pelo grupo, dizia: “ouça meu caro senhor, já lhe disse que não tenho o meu bilhete!”
- Nesse caso terá de pagar!
- Mas eu tirei bilhete só que não o tenho!
Fez-se-me logo a luz fácil.
- É meu amigo, viajámos juntos, fui eu que guardei os bilhetes, o bilhete dele está aqui!
Disse eu exibindo o meu bilhete, satisfeito por ter resolvido o problema com uma impunível mentira. Mas o Gaio tinha problemas.
- Não! Não! Não se acredite no meu amigo! Ele está a mentir-lhe! Esse bilhete não é o meu é o dele!
Risada geral, eu tentando arranjar uma cara de reacção, o ferroviário, multiplicando expressões de rosto começou a debitar sentenças enquanto o Gaio, repetidamente, afiançava a minha mentira. Estava o imbróglio montado não tardando, com o aquecimento, o final com fuga em debandada.
Só eu, do grupo, armado em rapaz sério e sereno, fiquei por ali tentando acalmar esfarrapadamente o zeloso funcionário, valeu-me o feito a toutiçada que parece que ainda hoje sinto, nunca tendo conseguido apurar para mim próprio se foi merecida ou imerecida.
Ainda hoje, quando a malta se junta, episódios semelhantes podem acontecer, juntos conseguimos ser ainda crianças, rapazes grosseirões – Vá lá! Reprovem-nos!...
16 comentários:
Com que então! V. Alteza saiu-me uma boa peça!
Essa da toutiçada tem piada, a mim calhou-me o mesmo.
Um abraço do povo
Isso é que é ser amigo do amigo e, afinal, foi originar uma incompreeensão tremenda, culminando numa toutiçada...
É a vida...
Um abraço
Compadre Alentejano
Vossa Majestade continua rapaz.
A avaliar pelo que transmite este espaço, ainda entrega o seu bilhete pelo amigo, mesmo sabendo que a pancada poderá ser certa ...
Dessa grandeza se faz a sua coroa...
História muito linda, enternecedora e como lhe é característico, tão bem escrita.
Vossa Majestade é incomparável neste tipo de textos.
Por mim, está aprovado com Excelência.
Um beijinho amigo
Maria
Reprovação a que propósito? A vidinha às vezes é tão monótona que uns episódios engraçados até que vêm a calhar. Será que Sua Majestade queria rir-se sózinho?
Cumps
Maria, ora essa, nunca fui um rapaz, fui e serei sempre um rapazola!
Um abraço moço para uma moça amiga
Guardião,
olha que gosto de me rir sozinho embora´, sozinho me penda mais para o chorozito!
Gosto mesmo é de rir acompanhado, de fazer rir, de morrer a rir, de chorar a rir, de mijar a rir, de rir...
Um abraço gargalhado
Pé-de-meia
Calhou-lhe o mesmo? O toutiço? Então é porque não comemos do mesmo leitão!
Um abraço rom-rom
Compadre
É a vida? - Era a vida! A vida agora é outra, não são toutiçadas, são sócretadas!
Um abraço alentejano
Reprovar o quê? Ter ficado aqui por tua culpa a "chorar" as excursões de comboio a carvão entre Águeda e Aveiro, para ir jogar snooker no "Maravilhas" e afundar as mesmíssimas canecas?
Ora essa!...
Em dia de aniversário, HOJE tenho uma surpresa para os amigos.
Espero por ti.
Um abraço
Ah, Majestade, que tempos esses!...
Um abraço sem bilhete
Pata Negra
Adoro essa tua irreverência.
A vida é exactamente essa transposição saudável dos obstáculos e essa capacidade de bem os viver.
Não percebi bem foi essa do teu amigo não se dar por proprietário do bilhete.
Olha, como hoje é o dia da poesia. Comemoro-o com este poema, que te deixo, de Eugénio de Andrade:
Tudo me prende à terra onde me dei
O rio subitamente adolescente,
A luz tropeçando nas esquinas,
As areias onde ardi impaciente.
Tudo me prende do mesmo triste amor
Que há em saber que a vida pouco dura
E nela ponho a esperança e o calor
Duns dedos com restos de ternura.
Dizem que há outros céus e outras luas
E outros olhos densos de alegria
Mas eu sou destas casas, destas ruas,
Deste amor a escorrer melancolia.
Um abraço poético
Samuel
a pretexto do teu comentário vou beber mais uma caneca!
Meg
E vai um e IrãoII, e vamos rebentar com a poesia
Louise
Obrigado por me reconheceres a majestade, reconheço-te o rosto mesmo tapado: AMIZADE!
Silêncio
Obrigado pelo comentário tão dedicado, eu nem mereço tanto!
Um braço para a mulher das causas! Grande Silêncio!
Não me digas que repetiste a brincadeira...
:)))
agora é no Metro... se toca a toutiçada vão aparecer muitos aleijados...
abraço
Dos seus melhores textos, este !
Lindo, mesmo.
Um beijinho amigo
Maria
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