segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Sete Pés Vinte e Dois


Embora já ambos tivessem reconhecido que a chegada a Santiago, talvez pelo mesmo fogo com que o Espírito Santo deu a S. Tiago e aos outros apóstolos o dom de falarem várias línguas, desdobrara a língua a Sete Pés de tal forma que o seu francês já fluía com poucos tropeços, Marie não entendeu a piada. Passou-lhe o resto da sua cerveja e acelerou o passo para acenar a um táxi. Sete pés seguiu-a, com reflexões ofegantes, a comparar galegos, gauleses e portugueses, a dizer que em Sagres começava a Aventura e o Mundo, em Finisterra acabava a Terra e a Fé e em França havia a Torre Eiffel! …

Ela abriu a porta ignorando as palavras do moço. Com um sorriso de dentes estáticos e com um pé dentro do carro e o outro fora, deu-lhe um beijo. Estáticos também e perfilados, os sete pés seguiram o táxi a desaparecer, vencendo os candeeiros da avenida e deram por si com uma botelha de cerveja em cada mão, trincando, pé a pé, o rasto da passagem dos lábios húmidos da francesa pelos seus. E ali permaneceram alguns momentos, trocando dedos dos pés e a patinar:

- Voltar ao bar? Não teria sentido! Vaguear pelas ruas? Não teria sentido! Ir para o quarto e perder os sentidos?!... Quase conseguiu pensar! Rodou os pensamentos!... Conseguiu! Arrancou! De pés acelerados, depois de mais uma rua, e mais uma e outra, encontrou a entrada do prédio onde, horas antes, havia negociado uma pernoita.

Cravou o sono etilizado nos lençóis e acordou cedo com a luz da manhã e o ruído leve da cidade. A ressaca fez jorrar sentimentos soltos de arrependimento e culpa. Teria de se arrumar a si e à mochila a tempo de se anteceder à partida de Marie para lhe pedir desculpa.

- Mas vou pedir-lhe desculpa de quê?
Interrogava-se ele, num passo réptil, a caminho da Praça do Obradoiro. Mesmo que não conseguisse formalizar qualquer pedido, não cairia de desajeito ou inconveniência porque nunca é pecado repetir uma despedida.

Sentou-se junto ao Hostal dos Reis Católicos, no lugar cimeiro da rampa em que começa a Rua das Hortas e o caminho de Finisterra. Pela hora, seria improvável que Marie já tivesse partido e pela norma era obrigatório que ela passasse por ali.

Acomodou a espera, sentado no chão e recostado na mochila, até avistar a esperada a atravessar a praça de mapa na mão. Ela deu por ele a algumas dezenas de pés de distância, sorriu abertamente da surpresa, causou embaraço por não conter o passo e ao passar, alargou ainda mais o sorriso e largou a pergunta que já havia acontecido outras vezes no Caminho:
- Allons y!?
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.

10 comentários:

antonio ganhão disse...

Um bom português nunca desiste, pelo menos até lhe apresentarem a conta.

A tua escrita está rica de pormenores bem rematados: Cravou o sono etilizado nos lençóis... gostei.

MARIA disse...

Texto sublime, lindo!

Um beijinho amigo

Cristina Torrão disse...

E a marcha continua. Afinal, que mais pode desejar um homem na vida, senão caminhar (ou qualquer coisa parecida que disseste)... :)

Zé Povinho disse...

E foram!
Abraço do Zé

samuel disse...

Mesmo quando parece... nunca está tudo perdido.
Belo pedaço de prosa!

Abraço.

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

De escrita inconfundível ficamos presos à sequência do próximo post.
Não vou faltar.

Abraço

opolidor disse...

agora fiquei baralhado e vou ter que esperar para perceber a sequência.

abraço

José Lopes disse...

Gosto de gente que não desiste, mandando para o diabo as probabilidades, que afinal são apenas isso: probabilidades!
Cumps

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

Abraço sem desistência.


Lídia

José Lopes disse...

Bom domingo
Cumps