Porque sempre fora assim, por temor, devoção, ou desejo perverso de ser dominada, aquela família, proprietária das fazendas mais férteis da ribeira, era das que mais contribuía para a fartura da abadia. Era, diz-se bem, porque quando Simão tomou o lugar de seu pai, nem mais um serviço, moeda, alqueire, almude ou oração, saiu daquela casa para os rabos ou barrigas da igreja.
Claro que, juntamente com os seus, teve rapidamente a resposta esperada: hereges, danados, almas do diabo, cacodoxos, malditos e outros nomes mais, além de ostracizados, amaldiçoados e devidamente excomungados.
Em conformidade com "os livros dos livros" das orações e regras dos mitras, seria justo, respeito pela fé de cada um, pelo direito que cada um tem ao que é seu, à sua vida e sua opinião mas não: clamado, pregado e com sentença, dito e redito dos púlpitos e altares, que nenhum freguês poderia comprar trigo daquelas terras, ai de alguém que lhes vendesse um grão de arroz, que ficasse mudo quem dirigisse aceno ou palavra aquela gente. Exceção se faria, apoio e acolhimento, a alguém da prole que confessasse arrependimento ou vontade de matar o patriarca.
Perante o afrontamento, a família de Simão reagiu unida e com orgulho, com o seu suor, a sua vontade, a sua razão, foi resistindo ao monstruoso poder que emanava das naves clericais. Não sem que a certa altura se começasse a notar que alguns rabos da família já não enchiam as calças, que algumas crianças traziam o pipi e pirilau ao léu, que com tamanha força não se notasse algum desânimo, que alguns sobrinhos mais manhosos não começassem a mexer os cordelinhos das ceroulas do abade e a denunciar insatisfação.
Nas homilias já se podia demonstrar: vejam o que acontece a quem não obedece a Deus, vejam como estão sozinhos os que não ouvem os santos, vejam a miséria a que chega quem não traz pão nem vinho à igreja, morrem de fome os que não reconhecem a autoridade dos pastores do rebanho. Vós cristãos tendes o dever de dar a esmola a essa gente, convertei pela caridade os mais famintos, mostrai-lhes como são grandes as obras que andamos a fazer para elevar a torre e dotá-la de mais sinos.
Simão e os seus mandavam à merda estas oferendas e iam aguentando dizendo, a quem os pudesse ouvir, que tinham esperança que outras famílias boas a eles se juntassem contra os poderosos e pelo direito a não ter religião.
E como tais declarações, embora silenciadas nas assembleias, chegassem à sacristia, de imediato se fez um levantamento das famílias menos católicas e se decidiu intervir junto das mesmas, para que não tomassem o mesmo caminho e, a bem ou a mal, seguissem as orientações da santa madre igreja, trabalhassem muito, contribuíssem com oferendas, cultivassem a pobreza e a castidade ...
- Ai isso é que não! - disse o benjamim de Simão.
(dedicado aos povos que, hoje mesmo, resistem às ofensivas do imperialismo)
5 comentários:
Hoje, cruzando-me com
o filho do sacristão
que vociferava contra Simão
questionei-o
sobre o 25 de Dezembro
e a que se devia tal
resposta sem pestanejar
"É o dia do Pai de Natal"
Excelente parábola. Tu sabes da poda...
Parabóla-nos mais, por favor!
Aqui, pelo Zambujal, há uns Simõezito que muito gostam de te ler.
Dá-lhes força!
Boas Festas!
Sempre um prazer visitar o teu espaço
Abraço amigo
Pois!...É isso mesmo.
Abraço
Soberbo!Uma parábola certeira num tempo certo.
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