Lembro-me do meu pai trabalhar de sol a sol. No fim da tarde de sábado passava-se no escritório do senhor António e recebia-se o salário da semana. A seguir bebiam-se uns palhetes com os colegas de trabalho na taberna do Francisco, que era mesmo em frente da casa do escritório, depois chegava-se a casa meio contente e entregavam-se quase todas as notas à mãe para ela comprar as coisas que a terra não dava e que tinham de ser compradas.
Modernices, o senhor António passou a pagar de mês a mês prejudicando gravemente o negócio do tio Francisco. O meu pai, lembro-me, não se incomodou muito, o ordenado mensal elevava-lhe o estatuto de trabalhador, além de ter o prazer de receber o dito mais ao molho.
Quando chegou o 25 de abril e começou a ter horário de trabalho, o meu pai percebeu que esse direito tinha sido conquistado como resultado da luta dos trabalhadores. Mas, quando os revolucionários instituíram o décimo terceiro mês, achou a fartura muita e até pensou que estavam a esticar a corda demais.
Afinal de contas não tinha compreendido que quando o patrão lhe começou a pagar ao fim do mês, quatro semanas, ao fim do ano, feitas as contas, doze vezes quatro dá quarenta e oito semanas e o ano tem cinquenta duas, pelo que, feitas as contas, o patrão lhe começou a pagar menos quatro semanas. Da!!! O décimo terceiro mês é coisa devida, foi por isso que foi exigido e conquistado, é mais que justo! Colaborador, faz-te trabalhador, ganha consciência! Nada demais te está a ser dado! "Do céu só cai a chuva, o resto é luta!"
Um dia travei destas razões com o meu pai e ele nunca mais disse "subsídio de Natal".
5 comentários:
O meu pai teve um patrão, o último antes da reforma, que lhe pagava ainda um 14º mês pela Páscoa. Lembro-me que ele ficava tão contente que era capaz de beijar os pés a esse patrão. Lembrava-se de quão mal o haviam tratado todos os outros, antes deste!
Ainda somos os mesmos e vivemos com os nossos pais - como cantava a Elis. Obrigado pelo comentário.
Nada é dado,tudo é conquistado.Alguns pais têm consciência disso:são os que lutam.
Não me surpreendes, mas cada texto teu é uma surpresa boa!
Coisas da dialéctica, do que é e, ao mesmo tempo, não é.
Forte abraço
do Zambujal
A vida é luta, sem dúvida.
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