- Eu queria uma Europa que não se armasse, que não desviasse a água do meu milho e que não me obrigasse, depois, a fazer guarda à eira.
Parece que ouço a minha mãe a dizer isto antes disto acontecer, antes de desaparecer, descalça, pelo milheiral adentro para, com os calcanhares e a sachola, encaminhar a água à raiz de cada pé de espiga, quando eu ficava ali, seguindo as voltas da burra emprestada p´lo mê ti Sicrano, vendada e amarrada à nora, repetindo voltas sempre iguais, cumprindo com os seus círculos o sucesso da próxima colheita. E eu andava por ali, também às voltas, seguindo solidário as suas voltas, caçando borboletas, contando os alcatruzes a cada despejo, seguindo os caminhos da água até esta desaparecer pela sombra fechada do milho que escondia a minha mãe. Impossível repetirem-se esses cheiros, essas águas, esse verde; nem a vida me permitirá chegar aos calcanhares do mê ti Sicrano - dificilmente conseguirei um dia ter uma burra!
Mas sou bem herdado na parte que toca a ter passado. Usufruí dessa riqueza de partilhar com a burra o verde do milho, o som da água, a sombra da latada que completava o poço e toda a engenharia da secular nora.
Banho-me nesta infância, olho os senhores da europa e concluo: não sabem nada, andam todos à nora!
2 comentários:
... e mais eles, que ficaram com os burros todos
(quem nos dera
a Jangada de Pedra)
Gostei de ler, eu também vivi essas realidades bucólicas!
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