Para despistar eventuais seguidores e baralhar os seus passos, Francisca, viajou de táxi para Pombal e daí apanhou um regional para Vale dos Ovos. No comboio, Francisca projetou com mais detalhe aquela que teria de ser a última e derradeira explicação do desafogo económico que não conseguiam mais camuflar.
Ninguém da terra,
ao fim duma longa viagem, sai da estação sem entrar no café do Abílio, e muito
menos Francisca desta vez, pelas razões que bem conhecemos.
Pagou-se o que era
devido ao balcão e deixou-se ainda mais à confiança do balconista.
- Abílio, este é
para fulana a quem devo uns favores, mais este para fulano a quem devo
obrigações e mais este para alguém de quem me esteja a esquecer! Se ouvires por
aqui alguém queixar-se, que eu ou o Jacinto lhe devemos alguma coisa, paga! Se
este que te deixo se esgotar, liga-me que eu transfiro mais!
Fica por pagar um
favor que te quero pedir: vou deixar-te as chaves da casa porque nas mãos do
Pisca-pisca não estão seguras, nem ele terá arte para a arrendar. Se aparecer
alguém interessado, arrenda-a tu e fica com o dinheiro como forma de pagamento
para o serviço que me prestas ao tomar conta dela.
- Credo rapariga!
Com as mãos assim tão largas ainda vais dar mais corda às vozes que vos
invejam a sorte.
Francisca tinha por
teoria caseira que, quem consegue para o seu partido o dono do café central,
tem proteção dos predadores do burgo. Com esta prova de confiança que dava ao
homem do balcão que com todos falava, assegurava que ele os defenderia perante
as línguas afiadas e perigosas de certos fregueses.
Depois de tratados
os assuntos materiais passou-se ao ponto dois: Jacinto foi preso mas não a
deixou tesa.
- Ao menos
deixou-me algum dinheiro, passou-se assim e assado, por isto e por aquilo,
asneiras, necessidades, azar, vício, os grandes não são presos, os pobres pagam
as favas, eu confiava, eu desconfiava, tenho de deixar esta terra, podem
cortar-me a casaca que eu tenho dinheiro para outra mas não estou para
responder a perguntas nem para reagir a olhares ou dedos indicadores com os
meus dedos médios…
E olha que te digo,
que foi alguém daqui que fez queixa dele à polícia!
- Daqui, duvido que
tenha sido! Há por aqui muita gente que fala de mais mas não tem cantiga nem voz
para tanto!
Abílio ouviu, com
pena, a confissão da Chiquita e além desta, fez outras observações:
- Não há de ter
grande pena, o Jacinto é bom rapaz, toda a gente desta terra sabia que ele
fumava disso, ninguém imaginava que andasse metido nesse negócio, tem de pagar
por isso, é bom rapaz, tu és forte, vais aguentar, um dia hei de ir
visitá-lo!...
Eh lá! – pensou Francisca
para consigo – visitá-lo é que não! É melhor passar ao ponto três.
Desconfiada que um
dos com qualidades para participar à polícia poderia ter sido o seu próprio
taxista e caseiro de ocasião, o Pisca-pisca, para evitar que com receio de a
enfrentar, arranjasse desculpas de indisponiblidade para lhe fazer um serviço,
pediu mais um favor:
- Oh Abílio, o meu
telemóvel está com pouca carga, liga-me se faz favor ao Pisca-pisca, diz que
tens aqui um cliente para um frete, mas para ser surpresa, não digas que sou
eu! Estou cansada e não me sinto com forças para ir até lá cima a minha casa a
pé!
De mais a mais,
aquilo não deve estar em condições para eu dormir a noite. Ainda hoje tenho de
ir para a Vieira. O Pisca está em dia de sorte, vai ter um dia por minha conta.
Aproveito para lhe pedir as chaves para as passar para ti. Tenho lá coisas para
levar, do que ficar, põe e dispõe, ainda tenho de me despedir da vizinhança,
também tenho de ir às casas da Líria, da Rosa, da Rosália, que sempre foram tão
minhas amigas. Depois passo aqui para me despedir e comer alguma coisa para a
viagem.
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