domingo, 3 de agosto de 2025

28- A incrível vida do casal ganhador do euromilhões


Para despistar eventuais seguidores e baralhar os seus passos, Francisca, viajou de táxi para Pombal e daí apanhou um regional para Vale dos Ovos. No comboio, Francisca projetou com mais detalhe aquela que teria de ser a última e derradeira explicação do desafogo económico que não conseguiam mais camuflar.

Ninguém da terra, ao fim duma longa viagem, sai da estação sem entrar no café do Abílio, e muito menos Francisca desta vez, pelas razões que bem conhecemos.

Pagou-se o que era devido ao balcão e deixou-se ainda mais à confiança do balconista.

- Abílio, este é para fulana a quem devo uns favores, mais este para fulano a quem devo obrigações e mais este para alguém de quem me esteja a esquecer! Se ouvires por aqui alguém queixar-se, que eu ou o Jacinto lhe devemos alguma coisa, paga! Se este que te deixo se esgotar, liga-me que eu transfiro mais!

Fica por pagar um favor que te quero pedir: vou deixar-te as chaves da casa porque nas mãos do Pisca-pisca não estão seguras, nem ele terá arte para a arrendar. Se aparecer alguém interessado, arrenda-a tu e fica com o dinheiro como forma de pagamento para o serviço que me prestas ao tomar conta dela.

- Credo rapariga! Com as mãos assim tão largas ainda vais dar mais corda às vozes que vos invejam a sorte.

Francisca tinha por teoria caseira que, quem consegue para o seu partido o dono do café central, tem proteção dos predadores do burgo. Com esta prova de confiança que dava ao homem do balcão que com todos falava, assegurava que ele os defenderia perante as línguas afiadas e perigosas de certos fregueses.

Depois de tratados os assuntos materiais passou-se ao ponto dois: Jacinto foi preso mas não a deixou tesa.

- Ao menos deixou-me algum dinheiro, passou-se assim e assado, por isto e por aquilo, asneiras, necessidades, azar, vício, os grandes não são presos, os pobres pagam as favas, eu confiava, eu desconfiava, tenho de deixar esta terra, podem cortar-me a casaca que eu tenho dinheiro para outra mas não estou para responder a perguntas nem para reagir a olhares ou dedos indicadores com os meus dedos médios…

E olha que te digo, que foi alguém daqui que fez queixa dele à polícia!

- Daqui, duvido que tenha sido! Há por aqui muita gente que fala de mais mas não tem cantiga nem voz para tanto!

Abílio ouviu, com pena, a confissão da Chiquita e além desta, fez outras observações:

- Não há de ter grande pena, o Jacinto é bom rapaz, toda a gente desta terra sabia que ele fumava disso, ninguém imaginava que andasse metido nesse negócio, tem de pagar por isso, é bom rapaz, tu és forte, vais aguentar, um dia hei de ir visitá-lo!...

Eh lá! – pensou Francisca para consigo – visitá-lo é que não! É melhor passar ao ponto três.

Desconfiada que um dos com qualidades para participar à polícia poderia ter sido o seu próprio taxista e caseiro de ocasião, o Pisca-pisca, para evitar que com receio de a enfrentar, arranjasse desculpas de indisponiblidade para lhe fazer um serviço, pediu mais um favor:

- Oh Abílio, o meu telemóvel está com pouca carga, liga-me se faz favor ao Pisca-pisca, diz que tens aqui um cliente para um frete, mas para ser surpresa, não digas que sou eu! Estou cansada e não me sinto com forças para ir até lá cima a minha casa a pé!

De mais a mais, aquilo não deve estar em condições para eu dormir a noite. Ainda hoje tenho de ir para a Vieira. O Pisca está em dia de sorte, vai ter um dia por minha conta. Aproveito para lhe pedir as chaves para as passar para ti. Tenho lá coisas para levar, do que ficar, põe e dispõe, ainda tenho de me despedir da vizinhança, também tenho de ir às casas da Líria, da Rosa, da Rosália, que sempre foram tão minhas amigas. Depois passo aqui para me despedir e comer alguma coisa para a viagem.

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