sexta-feira, 1 de dezembro de 2023

Viva Portugal e a restauração

O puto já tinha ido onde o avô nunca fora: Paris, Londres, Praia, Rio e conhecia bem Portugal do eixo A1, A2, Lisboa e Albufeira. 

O avô encantara-se por Idanha-a-Velha porque os naturais, apesar do peso histórico da povoação, não se deixaram intimidar pelos turistas nem foram na cantiga de estudiosos e projetistas de terra alheia que lhe prometiam mudança de modos e rendimentos de vida. Nas ruas apertadas viam-se garrafas de gás com o tubo a entrar na parede de cozinha, aparelhos de ar condicionado a pingarem na calçada, tanques de lavar a roupa, estendais  e a venda, que resistia, tinha caricas de cervejas e beatas junto à porta de entrada, pormenores que o tinham feito gostar da vida viva da histórica aldeia.

Deram voltas por ruínas e muralhas e, com o meio-dia, o puto começou com o "tenho fome" e não se via sítio de matar a dita e a mulher da venda não tinha por negócio servir pratos.

- Mas a senhora não vende aqui latas de atum?

- Vendo.

- Não tem por aí uma cebola?

- Tenho.

- Um pingo de azeite?

- Também.

- Um pão?

- Também se arranja!

Bela refeição, bela a solução do avô, bela a mulher da venda e a venda. O puto indagou que ela não tinha ar de quem gostava de heavy-metal pelo que não percebia porque se vestia totalmente de preto.

De regresso a Lisboa, a avó fez questão de passar por Fátima para agradecer o dinheiro que tinha para passear por onde quisesse e a saúde que tinha para comer o que lhe apetecesse. O puto desconfiado da história e das crenças da mãe da mãe fez perguntas até chatear. 

- Cala-te! Não vês ali escrito "silêncio"?!

A avó a aproximar-se dum orifício com duas notas dobradas. O puto avança com ela.

- Com esse dinheiro bem podíamos ir a um restaurante e estávamos na mesma a ajudar! As gentes daqui são das que mais dão à Santa como forma de agradecer o sucesso dos seus negócios!  

 O moço que servia à mesa usava calças pretas e camisa branca.

- Meio viúvo? Morreu-lhe a namorada? 

Perguntou o puto acrescentando que o tipo não tinha pinta de gostar de heavy metal.

O moço era estagiário da Escola de Hotelaria de Fátima e tinha a simpatia e a educação suportadas na utilização abusiva de diminutivos.

 - Pretendem uma mesinha? Temos bifinhos, um bacalhauzinho, pãozinho, um vinhinho. A comidinha está boazinha? Uma sobremesazinha? E, no final, a continha: oitenta e cinco euros.

Se tivesse dito "eurinhos", o avô teria ido aos arames! 

Atum enlatado com cebola é bom. Não formatem o bacalhau, a sopa, os moços e as moças que nos servem e lembrem-se, lá prós lados de Idanha, a Senhora do Almortão também faz milagres: para o ano o puto quer passar de novo o Dia da Restauração com os avós e não quer ir ao Algarve nem a restaurantes com rapazinhos de fatinho.



3 comentários:

Rogério V. Pereira disse...

Munta naice, ó meu!

Além do mais
gostei do hino à restauração
e falar de atum
deu-me inspiração
pois tal paladar
vai ser o meu jantar

Dá um abraço
ao D. João IV

Tintinaine disse...

Gostei da crónica da viagem ao passado. O puto tem ideias!

Janita disse...

Para o 'puto' que gosta de rock da pesada e é fino como um alho, pois sabe que os santos não comem nem bebem, logo, não precisam do vil metal ( sonante, mas sem ser musical ) deixo-lhe ESTA CANTIGUINHA TRADICIONAL , lá das Idanhas - Nova e Velha - boas terras de gente sã como o são todas as gentes beirãs.
Não o digo de cor e muito menos para agradar.
Digo-o porque os conheci de perto.