sábado, 11 de março de 2023

Almoços solidários

Tanto que eu ando necessitado dos almoços de solidariedade com isto e estes, com esses e os tais. Dá-me um prazer enorme ajudar os outros enchendo o meu bandulho. A gente come à grande e à fartazana, paga o almoço e vem para casa com a sensação de dever cumprido. Sempre gostei de ajudar todos menos os que tem o rendimento mínimo garantido. Se precisa, tem de ser humilde, ajoelhar, estender a mão e dizer obrigado. Ajudar não tem sentido se não pudermos ver o nosso gesto reconhecido.

Ai como é bom ajudar enquanto se come! Então se for para ajudar quem passa fome!...


domingo, 26 de fevereiro de 2023

Entre tanto fino-me



Já não consigo dar conta do recado, não sei se devo falar ou estar calado, não sei se começo ou se me fino, se devo gritar ou viro clandestino. Fino-me num copo de cerveja! As antenas emissoras e os cornos dos seus donos dão sinais dos tempos, não se calam a falar dos fachos-mortos-vivos que chegam a presidências e parlamentos, não sei se é a sério ou se brincam à  História, não sei se hei de chorar derrota ou cantar vitória.
Na América Latina a virilha de Colombo incha de vermelho. A América Não Latina é a sede do Império que ergue na mãe Europa a frente da sua batalha. Aticem povos, cantem coronéis e bocas fogo e honrosas mortes que hão de matar os que ousarem levantar o focinho contra a cristandade.
Baixo-me das bocas dos canhões que no Médio Oriente partem em três o Deus único e dão à boca do ocidental capitalismo as vísceras dos corpos que rebentam.
Baixo-me, baixo-me, dispenso-me, envergonho-me por detrás dos sofás dos  tê três ocidentais, bacano, parece que o benfica ganhou dois três e o cristiano vai voltar ao real, se o gasóleo não subir muito mais, nem o oceano, eu aguento mais uma crise, pois claro, que podem os medinas fazer? safarem-se! safarem-se disto! cavalgar a porca fugindo do cavalo! que o povo está à espera é de marinheiros, antónios, marinhos, montenegros, montanelas, cu-trins, cu-elhos, venturas, volta salazar! ordem, respeito!

Mas estava eu a falar que já não sei para que lado me hei de virar: luto na rua? volto à luta armada?
ouço a populaça ou mando-a estar calada? fumo um cigarro ou bebo uma assentada?

Levanto-me, le-van-to-me!
Ai a Rússia, ai a Ucrânia, a Alemanha, ai a Espanha, a Inglaterra, ai a Terra, a Escócia, a Irlanda, a Catalunha, os curdos, os turcos, os sírios, os bascos e o Alentejo, ai o décimo terceiro mês!
O Chile, ai o Brasil e a Argentina, a Colômbia, a Bolívia, o México e o Equador, ai  a dor que seu sinto quando penso em Mação! Está tudo queimado!
São tudo tretas, nada é fado, é a luta de classes seus macacos, um mundo em cacos que se levanta agora
mas tenho medo, não de viver  as coisas que acontecem sempre agarrado à cepa torta mas de morrer e continuarem vivos os fascistas. Dou graças por não ser norte-americano e ser latino, latina américa, força, avança, estou contigo!

Entre tanto fino-me! Onde é que eu estava?
Estou sempre do lado donde estão os poetas e os cantores!

Velhos amigos

A carrinha era uma Ford Transit de caixa aberta em que o pai o deixava andar.

- Nem queiras saber! Tive um acidente na sexta! Ali na curva da Boavista! Ia com o Carlitos! Sabes como é!? Ia a abrir! Pronto! Capotámos! Não nos aleijámos nem nada! Saímos, as rodas no ar ainda a rodar e os faróis a dar, no escuro do pinhal, nós os dois, e a música a abrir, o leitor de cassetes continuava a trabalhar, Sex Pistols - God Save de Queen - que cena meu! 

Senti vontade de aprofundar esta amizade. Ela teve quase só expressão no gosto comum por alguma música, pela integração na mesma banda e pelo convite final para uma boda de casamento.

Passados muitos anos, recém entrados na época dos telemóveis, restabelecemos contacto:

-Pá! Eles vêm ao Atlântico! Vamos lá!

- Ó pá! Já não consigo abanar a cabeça!... Que gosto em ouvir-te!...

- Levo-te! Trago-te! Compro-te o bilhete! Diz-me onde moras!

E lá fomos, via A1, eu, ele, a que foi noiva e um filho. Noite chuvosa, 180, 200, 220, acelerar, travar, pela esquerda, pela direita, até que o meu coração falou:

- Podes ir mais devagar?

- Vais com medo?

- Quem? Eu? Não! Não te quero é sujar os estofos!

Depois, jantámos no Vasco da Gama, onde qualquer tipo que só está habituado aos comes e bebes da província gosta de comer (Ah!) e fomos para o concerto, bem ali, perto do palco, no lugar dos mais fãs! Nas bancadas, cabeleiras encanecidas e carecas luzidias abanavam sem vigor a cabeça. Apareceram no palco os velhos músicos com um sósia  no lugar do falecido líder. A ignescência acendeu os mais explosivos!

Eu e o filho de pé, mantivemos os braços cruzados, apreciámos o palco, os velhos temas, o som,  e o ambiente, numa atitude de maduro comedimento. Á nossa frente, o  velho amigo conservava a idade e tinha companheira para isso, os dois não pararam de tocar a viola  invisível, de abanar a cabeça, curtir e viver por inteiro o concerto.

Aquele filho de 18 anos, foi quem conduziu a viatura no regresso, sempre na casa dos 180. Nunca me senti tão calmo e seguro numa viagem!

Amigo,  se por acaso leres estas letras, diz alguma coisa, nem que seja apenas:

-  Ó show me way to the next whiskey bar!...

E voltar a Lisboa contigo, só se for para um concerto da Janis Joplin!

terça-feira, 21 de fevereiro de 2023

Estes três dias


Nós, não discutíamos se estava mau tempo, se era feriado ou tolerância. Não discutíamos quem iria vestido de homem ou de mulher, quem tocava ferrinhos ou concertina, até porque ninguém sabia tocar nada, e a roupa era a que estivesse mais à mão na arca. Nós, não discutíamos se a folia era pagã, cristã, comércio, tradicional ou brasileira.

Nós  íamos e nem o Salazar, nem o Cura, nem o Presidente do Poder Local, estavam num palco de desenho medieval para lhe acenarmos com a graça, as pernas ou a bunda e eles nos verem passar. 

Nós, um dia, demos por nós, no fim da volta do Entrudo, na adega do Lameiras, a comer apressadamente toucinho e chouriço, antes que chegasse a meia-noite.

Cada um passe os três dias, mais um que  a vida, como quiser! Para mim isto é Entrudo! Ontem à noite  alguém abriu a salgadeira, a  adega e dei comigo a pôr umas ligas pretas.

Fomos para a rua. Riem-se de nós, dão-nos um copo, dois ovos, três gargalhadas, gozam, gozamos - façamos a fogueira! - saltamos, vai de folia, vai de folia! Mudam-se os tempos, as crenças, os humores, os carnavais! Eu mudei muito pouco, pensei o que agora escrevo, de ligas, na noite fria. Isto é giro, é divertido, é político, é religioso, é pagão e é... 

Ai as pernas daquela! Ai as minhas ligas! Mas o que eu gosto mesmo no carnaval, porra, digo, Entrudo, é do toucinho! Há Lá! Ramadão! Cruzes canhoto! Mais quarenta dias de Quaresma! É também uma coisa que isto tem de bom, estava mesmo a precisar duma dieta!

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Sentido proibido


Quando eu comecei a andar na estrada o único sinal que havia era o STOP. A gente nem sabia que aquilo era inglês, a gente acreditava naquilo que se dizia, que eram as iniciais de Se Tens Olhos Pára. Era uma placa de cimento, com forma de árvore a duas dimensões, que assinalava a nossa entrada na estrada principal da vila. E assim a gente dizia, "ali ao STOP", "espero-te no STOP", "apanhei um susto no STOP", e até "dei-lhe um beijo atrás do STOP".

Mas depois, veio o 25 de abril, a malta começou só a pensar em carros e estradas, em poder local e em desenvolvimento, e o sinal de trânsito tornou-se até um indicador de democracia.

- Ó Presidente, ali à minha porta devia  haver um sinal de 40!

- Então ali ao STOP não há nenhuma placa a indicar Carvalhos?

- Aquela rua devia ter Sentido Proibido!

- Aquela rua devia ter o nome do Doutor Tal e Coisa!

E a malta candidata começou a perceber que a sinalética e a  toponímica tinham uma importância enorme no bem estar e na satisfação das populações. E vai daí, as placas de cimento, deram lugar às de chaparia, bem mais fáceis de fabricar e colocar e, tal como os humanos encheram a terra, os sinais encheram a paisagem como transeuntes numa rua de Bombaim.

- Chegaram hoje 50 sinais de perigo de peões e 10 de caça grossa! Amanhã pegam na carrinha e espalhem-nos por aí!

- Ó senhor presidente mas isto é assim!?

- O meu futuro genro trabalha nas autoestradas e também faz assim! Mas agora também é preciso algum projeto para pôr um sinal?

Desafio aqueles que esperam dentro dum carro por um pendura atrasado, numa praça, cruzamento ou arruamento, a fazerem o exercício de entretenimento de contar os sinais de trânsito presentes no seu campo visual. Vão ficar surpreendidos! É de mais!

Tornou-se num problema de poluição da paisagem, de não acrescentar nada, de  ninguém ligar, reparar ou simplesmente ler! 

Aqui mesmo, onde vivo, à entrada duma cidade de província, a política local, como em todo o lado, gosta de brilhar em brilhantes obras e prefere obrar vistosamente três quilómetros de estrada do que arranjar minimamente, a preços mais em conta, uma ligação mais longa que nos últimos destinos geográficos vai para Roma. A obra foi inaugurada agora, a comitiva percorreu-a, orgulhosa, nos seus cilindrados carros, 86 sinais de trânsito, só num sentido! Foi meu o trabalho de os contar! Há mais sinais que mães!

A contraproducência dos sinais em excesso, as coimas que se rebocam em alguns, o ridículo, muito mais ridículo do que eu escrever sobre o assunto, já chegou à consciencialização de alguns políticos: na europeia Bélgica, alguém propôs a retirada de 60% da sinalização rodoviária! O argumento é que distrai os condutores!

Enquanto candidato a presidente de junta eu fui mais longe: 

- Sinais? Só de STOP! E arrancar todo o alcatrão das estradas onde caminham crianças, cabras e reformados!

- Não! Não me queixo de não ser eleito!

  

domingo, 29 de janeiro de 2023

Cabrito assado no forno.

Não interessa quem foi o cabrão. A cabra, caprino único do agregado, teve uma cria. Habituou-se o cabrito a chegar-se à casa, a dar umas voltas na cozinha, a exibir uns saltos ou  umas marradas, a levar umas festas ou uma couve, qual bichano ou cachorro tolerado pelos seus bons modos domésticos. Claro, quem puxava mais pelos seus dotes era a criançada e foi por esses convívios que o animal foi ganhando estatuto no meio familiar.

Até que um dia, uma Profissão de Fé e a exigente almoçarada que um ato desses exige,  determinou o fim prematuro do cabrito. Fez-se discretamente o sacrifício, evitando a exposição às suscetibilidades dos mais chegados e, com idênticos cuidados, foi ao forno e chegou à mesa da festa abrindo os apetites.

Mas as crianças senhor, ouvem sempre melhor do que se julga. Aceitam as coisas como elas são mas...

- Não quero comer! Não como!

- Eu também não!

- Como não comem, meninos?! Olha-me estes agora!

- Não como a carne de amigos meus!

Talvez tenha sido por isto que nunca mais houve cabrito assado no forno naquela mesa. 

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Em alma

Uma parte de mim foi contigo
Quando partiste
Uma parte de ti ficou comigo
E viva
Ouço-te cantar e na cozinha
Vejo-te cantar e às vezes triste
Mataram os campos que viveste
A oliveira grande morreu
Num incêndio
Vivem os teus filhos
Ainda de olhos encantadas
Pelo amanhã
Mesmo sabendo que a videira
Terá sempre a cepa torta
E ainda assim sabemos-te
Reconhecida
Quando te reconhecem
Nos nossos ares
Os anos não passam
E já passaram dezanove anos
Mãe

domingo, 8 de janeiro de 2023

Temos o dever de enlouquecer

 Da quinta onde estou vêem-se estradas e das estradas também se vê a quinta. A quinta tem porqos e  porqas, os porqos cobrem as porqas e as porqas parem leitões. A quinta está cercada por nós e por nós é tratada. O Soares dos Santos também tem tinha uma quinta e é na minha terra. A quinta é o único dia de mercado na minha terra. A quinta só se deve meter a partir de uma certa velocidade. Vou ter alta amanhã. Não me apetece nada voltar a viver no meio de loucos apascentados por porqos. Ainda bem que têm tendência a ser cada vez menos, comem-se uns aos outros mas não parem, emigram por quem os manda, mandam-se da ponte para o rio e para a linha por desespero, mandam-se para a rua da janela dum quinto andar pelos bancos, morrem por falta de assistência num quinto andar. O meu médico quer pôr-me a andar. Hoje estou na quinta. Amanhã ando para sexta. O meu médico diz que temos o melhor primeiro ministro desde o 25 de Abril e o segundo melhor desde 28 de Maio. Até na quinta estamos nas mãos deles. Tirem-nos os feriados, os sábados e os domingos mas não nos tirem as quintas! Se um quinto fizer coisa e tal com uma quinta  nasce um cinquentão?! Quinto, cinco, leitão, eu! Estão a ver?! Ah é só chalaça! Querem fumaça de pinheiro e de azevedo ou palhaçada, digo palha, de marcelo?!

Com que então alta ao domingo?! Inimputável eu?! Se milhares de pessoas estão a morrer prematuramente por falta de assistência, governada pela insensibilidade dum porqo saudável, não será nosso dever matar o porqo!? Sim, porqo o destino de qualquer porqo saudável é morrer prematuramente!
Quero os porqos todos em cima da mesa e um feliz Natal para alguns! O quê?! Já se passou?! Quem?! O Natal ou eu?!
Estou a sair de mim! Amanhã saio da quinta. Espero que depois disso este blogue volte à normalidade porqe ao abrigo do novo acordo ortográfico o "u" não se lê e, por isso, além da quinta também deve sair do porque já me sinto melhor -U!...
Legenda: E eu é que estou louco?!

- Hoje não é quinta?! Então que dia é hoje?!


domingo, 18 de dezembro de 2022

O teste do berbequim


A imagem mostra o meu primeiro berbequim que se foi abaixo com 40 anos depois de tanto esburacar. Onde se ficou, aí o deixei, sobre o muro da entrada do meu quintal. 

Pensei, servirá para testar se à minha porta só passa gente séria. A ocasião faz o ladrão e, se alguém o levar, além de me tirar o trabalho de o levar para a reciclagem, vai engolir em seco quando verificar que não funciona. 

Pensei também, sempre quero ver se as minhas visitas reparam e se alguma se preocupa e me diz:  é  pá, olha que te deves ter esquecido do berbequim ali no muro de entrada!

Pensei ainda, bem vistas as coisas, o berbequim até fica bem ali, a cena pode até configurar uma instalação pós-pós-pós modernista. Talvez alguém reconheça a minha sensibilidade artística e me valorize a veia.

Mas, ao fim de três meses, nenhum amigo do alheio, nenhum amigo, nenhum olhar atento, nenhum visitante, nem carteiro, fornecedor, cobrador, nenhuma alma se dignou dar a mínima importância ao velho berbequim. 

Eu tinha a ideia de responder com uma, duas ou as três destas razões, consoante  a conta em que tivesse o interlocutor mas é certo que o mais provável é que dissessem: Este tipo é maluco!.... Ou então o mais certo é que pensem  apenas que sou um tipo que deixa a sucata em qualquer lado.

Estou muito confuso: vivo numa rua segura, sem amigos e sem arte.

Pensando melhor, vou dar-me ao engenho e tentar repará-lo. Afinal de contas ele ainda não apanhou chuva e pode tratar-se apenas da necessidade duma afinação das escovas.

- Este tipo é maluco! Mas para que é que eles escreve estas coisas!

Estou muito confuso:

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

Quando o suicídio é a melhor solução

Matateu, meu companheiro de carteira da 2ª classe, fazia serviço no bar da nossa coletividade mas teve de ser dispensado por atender mal os não sócios. 

Estava um desses, aproveitando o privilégio de ser o único freguês na hora, há mais de seis cervejas ao balcão, a ser ouvido, contando as suas desgraças, dinheiro em falta, filhos na má vida, a mulher de certeza que recorria a outros e, em conclusão:

- Qualquer dia vou dar é um tiro nos cornos!

Matateu disparou sem compaixão:

- Ainda é que fazes melhor! Eu si estivesse na tua situação fazia o mesmo!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

Em forma de sete pensamentos e outras tantas contradições

1 - Apoiar a natalidade num planeta superpovoado (Algumas autarquias dão 500 euros por cada cópula eficaz).

2 - Todas as soluções políticas apontam para a necessidade do crescimento da Economia numa Terra finita (Segundo fontes do poder, a criação de ricos é a única solução para a pobreza).

3 - Defender o mundo do trabalho (Estágios de graça, carreiras prometidas).

4 - A crise ambiental é culpa de todos (Foi o teu saquinho de plástico que deu cabo disto tudo). 

5- Todos os pais apostam nos varões para serem cristianos (O euro milhões é uma treta mas a igualdade de género não é).

6 - A paz só se consegue pela guerra (Honra aos soldados que morrem e às  mães que choram).

7 - A morte é certa (Ou a fama ou Deus te hão de dar imortalidade).

Já não tenho paciência para ti o Zé Ninguém! Já não te escuto! Apenas ouço a tua voz pelas ventosidades de quem já te comeu! Afinal de contas nunca passaste dum feijão!... E tens orgulho nisso!...

sexta-feira, 3 de junho de 2022

Do pretensiosismo dos que dizem que pensam pela sua própria cabeça

Quem afirma com inusitado orgulho "eu penso pela minha própria cabeça!", ainda que sem consciência, quer deixar a ideia que, comparativamente a outros que por desinteligência, seguidismo ou inépcia, vão atrás de lideranças, coletivos ou ondas de pensamento, ele, o sujeito eu, está dotado dum cérebro superior, para decidir ele próprio o que está certo ou errado, o que é e o que não é, a razão do problema ou a sua solução.

Como se a raiz do nosso pensamento não estivesse no berço em que nascemos, no que desde cedo aprendemos com os nossos próximos. É por aí que começamos a pensar, depois com professores, catequistas e amigos, livros de pensadores, partilhas, tertúlias, campanhas, discussões, paisagens, ruas, luas,  marés e marinheiros!.... É com isso que pensamos! O nosso eu pode acrescentar coisas ínfimas mas é sempre insignificante. Um pensamento relevante é sempre resultado dum processo histórico, coletivo ou de comunhão.

Sim tenho cabeça! Mas o que ela pensa é, sobretudo, resultado do pensamento de outros! E digo de experiência vivida, não há coisa com mais humanidade, com mais valor, com mais razão, do que uma pessoa pensar com outros e com eles sintetizar uma ideia ou um caminho. E digo com orgulho, normalmente não penso com a minha própria cabeça! Os espertos pensam mas eu sou burro!

Por falar em burros, já verificaram que praticamente, em Portugal, já não há burros a puxar carroças? Mas há espertos que gastam muito dinheiro no cabeleireiro a cuidar do aspeto da sua cabeça!

- Eu penso pela minha própria cabeça!

- Então arranja uma frase mais original!

Desculpem lá, isto dos que pensam que pensam pela própria cabeça dá cabo da minha própria cabeça!

quarta-feira, 1 de junho de 2022

Os tempos que correm ao chicote

Aparentemente ainda não proibiram nenhuma canção, ainda não fuzilaram nenhum poeta, ainda não ilegalizaram nenhum partido dos trabalhadores. Mas boicotaram alguns cabos de microfone, silenciaram a melodia de certos poemas e abafaram o eco das palavras de ordem da avenida.

Sofro com a História, canto a memória dos antifascistas caídos em combate mas, por vezes, entrego-me rendido ao meu sofá, sinto-me um republicano em plena idade média e imagino o povo telespetador a rezar com a informação que lhe une as mãos:

- O nosso presidente é como nós! Crente!
- O nosso governo é como nós! Não é português! É FSE!
Somos brancos com algumas manchas, como os lençóis do santo sepulcro. Fomos formados na leitura dos livros de cowboys, respiramos a poeira dos filmes do oeste.
- Os americanos foram à lua!

Pobre europa! Pobres iberos que apenas ocupam os seus lugares, nos bancos das igrejas e dos estádios ou no auditório quando o convidado é conhecido da TV e acreditam piamente no futuro que a Senhora do Monte lhes reserva, na sabedoria do Ronaldo e no informado Nuno Rogeiro, filho de algo e de alga.

Uma multidão de imbecis, conduzida por um bando de imbecis, a banda a tocar, a malta a beber umas bejecas. Lá longe, soldados que morrem na boca dos canos de comandantes obedientes, é preciso é guerra para animar o baile e a economia! Ganha a América, a Rússia, a China! Pobre Europa! Pobres daqueles que só agora dizem que em África falta o trigo para fazer pão!

Sabem que mais? Nomes grandes do mundo, das grandes nações, das grandes organizações, engravatados ou com a saia pelo joelho, gajos e gajas com o poder que outros gajos e gajas sem nome vos atribuem, augustos, santos, silvas, vão para o milhazes!

O Costa? O Costa é parvo!

Rendo-me! Exultai! Rende-se um revolucionário. Não me rendo por não ter munições mas por não saber de que lado dispara o inimigo e também não saber nada do futuro. Ao menos que eu conseguisse falar com Marques Mendes, com a Senhora do Monte ou com aquele vidente que há quatro séculos previu que iria haver uma guerra entre duas nações e só uma venceria.

Sinto-me um republicano em plena idade média. Pretensioso? Não, desprezado! Só? Não, bem acompanhado! Fazendo parte duma organização de classe!
A vida é curta, encurtá-la com canhões é inaceitável! Abaixo o imperialismo, russo, americano, chinês, inglês, francês, português e todos os nacionalismos fascistas! E abaixo a populaça que toma partido por aquilo que vê na TV ou na televisão, no Facebook ou na Internet!...
- Soy um néscio portanto!? Não, por que sim!

domingo, 15 de maio de 2022

Euro visão

Hoje em dia, quando dizemos ou escrevemos alguma coisa temos de fazer declarações iniciais tipo: não gosto da canção "atirei com o pau ao gato", "não tenho partido", "penso pela minha própria cabeça", "sou contra a invasão da Ucrânia".

Não vejo o festival da eurovisão desde que a Simone de Oliveira ficou em penúltimo com a Desfolhada! Houve ali qualquer coisa com as pontuações que me cheirou a política. Investiguei, na altura, e descobri que o festival da Eurovisão tinha sido criado pela NATO. Ou pela OTAN! Agora já não me lembro bem!

Não acreditam? Perguntem ao telemóvel: Em janeiro de 1955, no Palácio de Chaillot em Paris, reuniu-se o “Comité de Cultura e Informação Pública da NATO” e criaram, O “Festival da Canção Eurovisão"".

Depois, aquilo foi-se tornando uma coisa cada vez mais foleira...ganhava Israel ano sim ano não, Aleluia! Isto já chegou à Asia?!  Ganhava este, ganhava aquele! E aquilo cada vez me sabia mais a NATO e política! Eu não via o festival! Mas as canções, os países ganhadores e a canção portuguesa dos últimos lugares sempre me chegavam e me cheiravam a história!....

Até que, aqui há uns anos, deparei-me com o facto de Portugal ter ganho. 

- Eh lá! Oh! Agora o que dizes! A canção não é boa? O rapaz não teve coragem?

- Sim! A canção até não é festivaleira! O rapaz é esforçado! Mas até por isso, não é normal uma canção destas e um rapaz destes ganhar! Isto não terá a ver com o momento que Portugal vive e com o seu enquadramento no quadro do nato-capitalismo ? Antes de nós ganhou a Ucrânia da ainda fresca revolução laranja, a seguir ganha mais uma vez Israel com um canção de mda que falta  "er"!?

NATO! NATO! BENFICA!BENFICA! PORTO!PORTO! NADA! VIVO EM MARRAZES!

Ainda bem que eu não fui eleito o "mister do ano" lá do bairro quando o meu pai fez parte do júri ou quando perdi a eleição para a presidência da associação quando ele a perdeu por morte morrida.

Repito! Não vi o festival da canção! A canção da Ucrânia pode ser a melhor! A NATO pode não ter tido um voto nos resultados! Mas eu nunca aceitaria que o meu pai ou a sua morte pudessem ter influência direta nos meus pódios. E ainda mais me revoltaria se toda a gente achasse normal que eu fosse eleito o melhor por ser filho de quem era ou porque estava fragilizado.

Enfim! Se calhar está tudo certo! Eu é que estou a divagar! Coincidências!

Agora um aparte! Não consigo parar de rir! Vocês já viram o que os militares do Povo Escolhido fizeram no funeral da outra? Não me digam que a vossa televisão não passou isso! Não se deve rir da morte de ninguém mas no atual contexto de "a minha guerra é mais justa do que a tua" é hilariante! Digo, revoltante!

segunda-feira, 25 de abril de 2022

Estou inteiramente de acordo


Nestes últimos tempos tenho andado a encher, a encher e a abrir buracos para a coisa esvaziar. Não tem sido fácil.

Tenho como experiência adquirida que o PCP não toma posições a quente, não permite que a opinião dum seja tomada como a opinião de todos, não faz declarações sem terem sido mais que refletidas e discutidas nos coletivos, a não ser que se trate de opiniões tão consolidadas que já nem precisem de ser colocadas aos militantes. 

Já aconteceu muitas vezes o partido ter tomado uma posição e eu discordado mas, passado um tempo, com umas leituras e uns argumentos eu ter de dar a mão à palmatória e concluir: pois, pensando bem, essa é a posição mais certa! Muito poucas vezes aconteceu o contrário. Portanto, chamem-me um  comunista.

Não pretendo puxar pelo ego inteligente de quem pensa pela própria cabeça, porque enquanto ser social sempre tive orgulho de formular os meus pensamentos baseado nos pensamentos de outros, e declaro que não abdico de levantar o braço do punho para votar quando não estou de acordo.

Queriam os meus amigos ouvir-me declarar que seria desta vez que a minha dissidência com o PCP se manifestaria. Não faltariam peões a elogiar-me a coragem e então, se batesse com a porta, passaria certamente a bestial. É verdade meus amigos! Já tive muitas vezes vontade de demarcar da posição do partido publicamente! O tempo quase sempre me disse que teria agido sem pensar bem! Mas desta vez, tenho de afirmar corajosamente:

Estou inteiramente de acordo com as posições que o PCP tem tomado relativamente à guerra mais falada. Deixem-nos ser a favor da paz e deixem o PCP em paz!


domingo, 10 de abril de 2022

Fumo sem fogo

Já lá vão seis meses que partiste

Sinto mais a tua falta do que no primeiro dia

Sinto mais a tua ausência que a de mim próprio

Nunca foste vício

Foste sempre companhia

Nunca tiveste preço

Foste sempre prazer

Condimento de copos vazios

Pausa das ideias para pousar na mesa

Contributo para a nuvem de salas cheias

Lubrificante da conversa

Paredes meias com o meu lado mortal

Foste o veneno da minha cultura

Companheiro de tantos pensamentos

Fôlego de versos paridos

Escudo de medos 

Máscara de desejos

Poluidor de beijos

Vidro entre lábios

Intruso  entre segredos

Tu entre os meus dedos

Mal maior

Mal menor

Índio Índio

Falarão da civilização que te respirava

Prenda aos ventos que te levaram

Nunca me foste moda nem efeito de cartaz

Nunca te comprei 

Deste-me a expressão

Símbolo da paz

Para sempre não

Mas se um dia me chegarem a condenar por ter confraternizado com poetas

E por réstia de humanidade me oferecerem um último desejo

Não me engasgarei na resposta:

- Quero um cigarro!