domingo, 25 de maio de 2025

18- A história dum casal que ganhou o euromilhões

 


Francisca não se esqueceu das dificuldades da Lúcia relatadas pelo Paleco no café, há dias atrás, mas estava refém da distância e do distanciamento que as separava. Não tinha o número de telefone nem a morada da malvada, não encontrava ninguém que lhe servisse de correio, pelo que não via outro remédio se não esperar pelo habitual telefonema do Natal. Também não lhe ofereceria muito, não só para não a estragar, mas também porque ela não lhe merecia a confiança do segredo. Pelo sim pelo não, iriam tratar dum testamento, porque também não era filha de se deserdar.

 

Relativamente ao destino da outra parte do “dinheiro transferido do Brasil", na circunstância de nenhum dos conjugues se autoconsiderar com qualidades ou competências suficientes para tirar a carta de condução automóvel, e sendo ambos portadores de licença de condução  de ciclomotores, foi o próprio vendedor de quadriciclo motorizado de baixa potência que lhes deu umas lições de condução até os achar prontos para os soltar na estrada.

 

Incomodados pela crescente pressão popular que pedinchava empréstimos e oferendas, que especulava sobre deves e haveres e comentava gastos e comportamentos, o casal começou a pensar em dar de frosques. Parecia impossível como não tinham pensado nisso antes. Afinal de contas que laços fortes os prendiam àquela terra? Que família? Que amigos? Que vivências? Que satisfações deviam a quem?

Por outro lado, que sentido tem ir para uma terra onde não se conhece ninguém e onde ninguém nos conhece?

- Vamos encontrar um meio-termo: vamos desaparecer durante uns tempos, amanhã mesmo vamos dar uma passeio até à Praia, se já fomos lá de motorizada, havemos de conseguir chegar lá no Bolinhas. Não temos GPS mas temos AJP!

- O quê?

- AJP – abrimos a janela e perguntamos! Daqui para o mar é só seguir o sol!

- E o que vamos nós fazer para a praia com este tempo?

- Sabes como fazem as girafas quando se sentem ameaçadas?... Fogem! É o que temos de fazer! Num hotel, numa casa arrendada ou numa tenda, havemos de arranjar cama para passar uns tempos! Não te esqueças que dinheiro não nos falta!

- E que fazemos aos animais? O que dizemos aos vizinhos?

- Matamo-los todos e arca congeladora com eles!

- O cão também?

- O Galhufo vai connosco, não ouviste dizer que também há hóteis para cães?

- Ó rapaz, mas se agirmos assim é que a malta não se vai calar e vai desconfiar! Tu às vezes falas como se fosses um puto!

- Eu sou um puto, e tu?

- Olha! Olha que eu ponho-te um mês entregue às tuas mãos!

 Jacinto acalmou e acabou a ceder.

- Falamos com o Pisca-pisca que ele trata-nos dos animais. Vamos por quinze dias para apalpar terreno e depois logo se vê. Para já matamos alguma criação que podemos levar, oferecer ou congelar.

Há automobilistas deste país que, não tendo um palmo de terra onde plantar uma couve, acham que ter a carta de condução é um título que lhes dá um direito de propriedade sobre as estradas. Como tal, sacam da sua ladainha de palavrões, sempre que são surpreendidos pela velocidade lenta duma carroça em tração animal ou tem que dar um toque de freio perante a trajetória insegura dum papa-reformas. Esquecem-se que, quando eles nasceram, já existiam outros cavalos, burros e bois como animais de trânsito e que aqueles que não têm carta de condução também precisam de circular e ir à praia.

Vem isto a propósito do estado de nervos e humilhação com que Jacinto e Francisca, um dos casais mais ricos deste país, chegou à Praia da Vieira, tantas foram as apitadelas, tantos os insultos, por gestos e palavras, de que foram alvo, ao longo do longo itinerário que os trouxe à costa azul.

Como se não bastasse, viram-lhe ser recusada a admissão no único hotel da localidade, a pretexto de lotação esgotada, quando ficara bem visto que fora o dono que não gostara do modelo do carro que estacionaram à porta, do aspeto da bagagem e do aspeto dos hóspedes.

- Os senhores vão ali ao Parque de Campismo que eles têm lá bungalows para arrendar.

- Bungaquê?

- São umas casinhas muito jeitosas. Tenho a certeza que os senhores vão gostar!

Com a humildade que lhes era nata, lá foram, acabando conformados com a recomendação, pois sim, era verdade, eram umas casinhas jeitosas. Era até muito provável que por ali se sentissem melhor do que no hotel. Além disso, não faltavam por perto casas de pasto e afins onde comer à grande e à francesa.

3 comentários:

Janita disse...

O Jacinto e a Francisca são um dos casais mais ricos destes país? Eles têm é de aprender com o CR que criou montes de fontes de rendimento. Caso contrário, daqui a uns anos já gastaram o dinheiro todo e não têm nada de seu.
Engraçado que eu também digo conjugue e não conjuge como dizem nas TVs... 😀

Veja lá se anda com isso prá frente, ó Monarca, se não isto vai durar mais do que eu...
Abraço!

Pata Negra disse...

Calma Janita, prometo que isto não se tornará numa daquelas novelas que nunca mais acabam e que terá um fim normal. Abraços e obrigado pela companhia.

Janita disse...

Enquanto eu respirar, pode contar comigo, meu Amigo! :-)