domingo, 18 de maio de 2025

17- A história real dum casal a quem saiu o euromilhões

 


— Então, gostaste de conhecer o teu pai? — perguntou Abílio, ansioso por ouvir novidades.

O casal trocou um olhar cúmplice antes de Francisca responder com um suspiro bem treinado:

— Foi… uma experiência inacreditável.

Jacinto ajudou:

— O pai dela… está mesmo arrependido.

 

Iniciado o diálogo, os mais dois ou três fregueses presentes, pediram licença e aproximaram-se da mesa.

- Peçam para vocês o que quiserem que eu pago uma!

Ofereceu Jacinto com uma generosidade limitada a uma rodada, como quem diz, vejam, estamos de carteira cheia mas nada que nos permita esticar por aí além, do género, “hoje é tudo por nossa conta!”

 

O grupo presente olhava o casal, enquanto este mastigava, com expressões de augamento como se estivessem em estado de prontidão para comer as palavras que da sua boca saíssem.

Jacinto e Francisca já tinham descoberto que, para evitar riscos, não seria aconselhável produzir discurso de enfiada e tinham optado pelo método de ir cedendo corda à medida das questões que lhe fossem colocadas.

 

— E agora? O que vai acontecer?

Jacinto encostou-se à cadeira, assumindo um ar modesto, mas carregado de significado.

— O pai dela não quer que nos falte nada. Fez-nos um depósito generoso e disse que quando precisássemos de mais algum, que estivéssemos à vontade para o contactar.

- Milhões?

- Também não exageremos, digamos que um montante que nos dará para fazer uns melhoramentos na casa, que está praticamente como a minha avó ma deixou!

- E para aguentarmos mais uns meses sem trabalhar para ver se recupero de vez da doença.

 

Entre murmúrios impressionados alguém disse:

— Olha que sorte!

— Depois de tanto sofrimento, ao menos agora…

- Vocês merecem!

- O que é preciso é saúde e dinheiro para os copos!

- A vida é vossa, vocês é que sabem! Nós não temos nada a ver com isso!

 

No cozinhar da descrição do falso reencontro familiar, os sorrisos do casal eram um autêntico têmpero do embuste. O plano estava a funcionar e, se a mentira fosse servida em fogo brando, a verdade nunca viria ao de cima.

 

As despesas aumentaram mas continuaram a ser contidas: alguns luxos discretos, roupas novas, alguns móveis, umas obras na casa e no quintal, nada que desse demasiado nas vistas.

Na aldeia, o rumor da fortuna do “pai brasileiro” espalhou-se como fogo em mato seco. De repente, aquela mulher simples, órfã de mãe e abandonada pelo pai, tornara-se alguém com um destino invejável. O marido era agora visto com respeito e admiração.

 

Muitos insistiam em ouvir mais detalhes da história.

— E ele contou-te porque desapareceu tantos anos? — perguntava um dos vizinhos.

— Disse que, quando perdeu a minha mãe, ficou desesperado. Que não sabia como me criar sozinho e que, num momento de fraqueza, fugiu. Mas que nunca me esqueceu.

As cabeças balançavam, compreensivas.

— Coitado, deve carregar uma culpa danada.

Jacinto completava as falas com toques de dramatismo.

— Ele até chorou quando abraçou a filha em Santa Apolónia. Disse que tinha tido medo de morrer sem lhe pedir perdão.

As expressões dos ouvintes tornavam-se sombrias e emocionadas. A história parecia blindada e perfeita.

Aos poucos, começaram a surgir os primeiros desafios.

A nova condição financeira do casal não passou despercebida. E, como sempre acontece com os que parecem ter dinheiro, começaram a surgir os pedidos.

— Já que agora tens essa ajuda do Brasil… bem que podias emprestar-me algum para um conserto no telhado… — sugeriu um conhecido, meio a brincar.

Outro veio pedir apoio para comprar um novo trator. Uma prima afastada mencionou dificuldades e deixou escapar que um empréstimo temporário seria uma bênção.

O casal percebeu que, quanto mais falassem sobre o dinheiro, mais atenção atrairiam.

 

— Temos de dizer que o meu pai manda apenas o suficiente para nós. Nada de exageros. 

 

E assim fizeram. A partir de então, quando alguém perguntava, suspiravam:

— O meu pai ajuda, sim, mas também tem as suas despesas. Se começo a pedir muito ainda fico sem nada! Do que ele nos deu, tirando algum que quero enviar para a minha filha, já sobra pouco para um papa-reformas usado que estamos a negociar.

4 comentários:

Janita disse...

À medida que o tempo passa o nosso casal, que já deveria ter mudado de casa e desfrutado da dinheirama que lhes caiu do céu, sem precisar de encenar as trabalhosas cenas que temos vindo a ler...parecem, no entanto, verdadeiros actores : ))
Ok, percebo... De outro jeito como iriam surgir livros e crónicas tão divertidas, por aqui, na blogosfera? Haja imaginação, embora eu concorde que isso deva ser uma trabalheira mental para o autor.
Abraço, Caríssimo Pata Negra!

FAÇA O SEU PRÓPRIO FLUVIÁRIO SEM FAZER MUITA FORÇA disse...

janita continua a fazer comentários que dão uma trabalheira e o blog chegou a 2025 parabéns

Janita disse...

A 2025 e mais além...assim hajam leitores que apoiem e incentivem a criatividade do autor,
Aposto que leu o livro ou viu o filme nele baseado "Como Vencer na Vida Sem Fazer Força" . Acertei?

Pata Negra disse...

Cuidado, este fluviário é capaz ser coisas viral! Não percebo o comentário e muito menos o perfil!