— Então, gostaste de conhecer o teu pai? —
perguntou Abílio, ansioso por ouvir novidades.
O casal trocou um olhar cúmplice antes de
Francisca responder com um suspiro bem treinado:
— Foi… uma experiência inacreditável.
Jacinto ajudou:
— O pai dela… está mesmo arrependido.
Iniciado o diálogo, os mais dois ou três
fregueses presentes, pediram licença e aproximaram-se da mesa.
- Peçam para vocês o que quiserem que eu pago
uma!
Ofereceu Jacinto com uma generosidade
limitada a uma rodada, como quem diz, vejam, estamos de carteira cheia mas nada
que nos permita esticar por aí além, do género, “hoje é tudo por nossa conta!”
O grupo presente olhava o casal, enquanto
este mastigava, com expressões de augamento como se estivessem em estado de
prontidão para comer as palavras que da sua boca saíssem.
Jacinto e Francisca já tinham descoberto que, para evitar riscos, não seria aconselhável produzir discurso de enfiada e tinham
optado pelo método de ir cedendo corda à medida das questões que lhe fossem
colocadas.
— E agora? O que vai acontecer?
Jacinto encostou-se à cadeira, assumindo um
ar modesto, mas carregado de significado.
— O pai dela não quer que nos falte nada. Fez-nos
um depósito generoso e disse que quando precisássemos de mais algum, que
estivéssemos à vontade para o contactar.
- Milhões?
- Também não exageremos, digamos que um
montante que nos dará para fazer uns melhoramentos na casa, que está
praticamente como a minha avó ma deixou!
- E para aguentarmos mais uns meses sem
trabalhar para ver se recupero de vez da doença.
Entre murmúrios impressionados alguém disse:
— Olha que sorte!
— Depois de tanto sofrimento, ao menos agora…
- Vocês merecem!
- O que é preciso é saúde e dinheiro para os
copos!
- A vida é vossa, vocês é que sabem! Nós não
temos nada a ver com isso!
No cozinhar da descrição do falso reencontro
familiar, os sorrisos do casal eram um autêntico têmpero do embuste. O plano
estava a funcionar e, se a mentira fosse servida em fogo brando, a verdade
nunca viria ao de cima.
As despesas aumentaram mas continuaram a ser
contidas: alguns luxos discretos, roupas novas, alguns móveis, umas obras na
casa e no quintal, nada que desse demasiado nas vistas.
Na aldeia, o rumor da fortuna do “pai
brasileiro” espalhou-se como fogo em mato seco. De repente, aquela mulher
simples, órfã de mãe e abandonada pelo pai, tornara-se alguém com um destino
invejável. O marido era agora visto com respeito e admiração.
Muitos insistiam em ouvir mais detalhes da
história.
— E ele contou-te porque desapareceu tantos
anos? — perguntava um dos vizinhos.
— Disse que, quando perdeu a minha mãe, ficou
desesperado. Que não sabia como me criar sozinho e que, num momento de
fraqueza, fugiu. Mas que nunca me esqueceu.
As cabeças balançavam, compreensivas.
— Coitado, deve carregar uma culpa danada.
Jacinto completava as falas com toques de
dramatismo.
— Ele até chorou quando abraçou a filha em
Santa Apolónia. Disse que tinha tido medo de morrer sem lhe pedir perdão.
As expressões dos ouvintes tornavam-se
sombrias e emocionadas. A história parecia blindada e perfeita.
Aos poucos, começaram a surgir os primeiros
desafios.
A nova condição financeira do casal não
passou despercebida. E, como sempre acontece com os que parecem ter dinheiro,
começaram a surgir os pedidos.
— Já que agora tens essa ajuda do Brasil… bem
que podias emprestar-me algum para um conserto no telhado… — sugeriu um
conhecido, meio a brincar.
Outro veio pedir apoio para comprar um novo trator.
Uma prima afastada mencionou dificuldades e deixou escapar que um empréstimo
temporário seria uma bênção.
O casal percebeu que, quanto mais falassem
sobre o dinheiro, mais atenção atrairiam.
— Temos de dizer que o meu pai manda apenas o
suficiente para nós. Nada de exageros.
E assim fizeram. A partir de então, quando
alguém perguntava, suspiravam:
— O meu pai
ajuda, sim, mas também tem as suas despesas. Se começo a pedir muito ainda fico
sem nada! Do que ele nos deu, tirando algum que quero enviar para a minha
filha, já sobra pouco para um papa-reformas usado que estamos a negociar.
4 comentários:
À medida que o tempo passa o nosso casal, que já deveria ter mudado de casa e desfrutado da dinheirama que lhes caiu do céu, sem precisar de encenar as trabalhosas cenas que temos vindo a ler...parecem, no entanto, verdadeiros actores : ))
Ok, percebo... De outro jeito como iriam surgir livros e crónicas tão divertidas, por aqui, na blogosfera? Haja imaginação, embora eu concorde que isso deva ser uma trabalheira mental para o autor.
Abraço, Caríssimo Pata Negra!
janita continua a fazer comentários que dão uma trabalheira e o blog chegou a 2025 parabéns
A 2025 e mais além...assim hajam leitores que apoiem e incentivem a criatividade do autor,
Aposto que leu o livro ou viu o filme nele baseado "Como Vencer na Vida Sem Fazer Força" . Acertei?
Cuidado, este fluviário é capaz ser coisas viral! Não percebo o comentário e muito menos o perfil!
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