Ao terceiro dia, fartos da vida monótona e
estéril do hotel, ligaram ao taxista.
- Quanto é que o senhor nos leva de nos levar
duma ponta à outra do Algarve?
Com multas de estacionamento, tabaco e almoço à nossa conta!
Não por bom-tom mas por entretenimento, regatearam o preço e lá
partiram os três contentes.
- É a 125, um perigo de estrada mas não há
forma de percorrer o Algarve que evite andar a entrar e a sair dela! Se os senhores
concordarem, julgo que o melhor é fazermos assim: …
… e assim fizeram, de terra em terra, praias,
cais, hotéis, marginais, pontes, rios,
ria, um cafézinho aqui, uma imperial ali, conta-se que aqui aconteceu, é
ali, com certeza que já ouviram falar, almoçar onde se coma bem e seja bom o
vinho, isto é Sotavento, do lado de lá já é Espanha, outro dia podemos ir lá,
amanhã é Barlavento, e tal… Sagres!...
- Sempre! Se houver dessa não quero outra! – disse
Jacinto.
- Para hoje já chega! E depois pensamos nós
que não fazemos nada! Gaita! Estou cansada!
Disse Francisca enquanto se despediam do
taxista à porta do hotel.
- Até amanhã.
E, na manhã seguinte, à hora marcada, lá
estava à porta o homem do táxi – Barlavento, Albufeira, Portimão, Lagos,
Sagres.
- Sempre! Se houver dessa não quero outra! – disse
Jacinto.
E, no dia seguinte – Sotavento, Ayamonte,
Portugal.
- Sempre! Nunca gostei de espanhóis! – disse Francisca.
- Quantos conheceste na tua vida? – perguntou
Jacinto.
- Nenhum! – respondeu Francisca.
- Hum! – comentou Jacinto.
Mais um dia e vão sete, uma semana, chega de
hotel e de turistas, de Algarve e de sol, de esbanjamento e mordomias, “a gente
não nasceu para isto!”, “quem gosta disto que lhes faça bom proveito!”, mas na
volta até estavam a começar a dar-lhe o jeito:
Francisca mandou arranjar o cabelo e as
unhas, comprou algumas roupas para logo se arrepender: não poderia regressar à
terra tão cuidada e bem vestida! Por outro lado pensou na sua infância e
adolescência condicionada pelos regulamentos e a austeridade da Casa da Criança. Pensou
também no passo mal dado duma vida a dois, prematura, que lhe traçou o futuro e
a condição de pobreza .
Jacinto, “goleando” um whisky, na varanda, recordava
o seu lar de infância, a pobreza, a porrada do pai, o pai que apenas brincava
com ele à sardinha, e daí o seu sonho de criança: ser campeão nacional do jogo
da sardinha. Pensou no passo bem dado, a saída de casa para vir trabalhar para
a linha e engatar a Francisca para partilhar com ela a pobreza e a vida traçada.
Quem advinharia, há um ano atrás, que eles
próprios iriam trair o destino, num impulso de sorte de Francisca, que decidiu
jogar no euromilhões à revelia do marido?
Um pequeno gesto que lhes proporcionava agora
uma nova vida, entendendo-se como nova vida, não esta que acabavam de
experenciar por terras do Algarve, que para tal vida se confirmava agora não
terem nascido, mas para a vida de fazerem o que lhes apetece.
Fazerem o que lhes apetece, pode dizer-se, porque nos últimos desenvolvimentos começa a ser notório que a “mentira”, ou
melhor, a “ocultação da verdade”, melhor ainda, a “ficção”, os está a divertir e
a entusiasmar. E é melhor assim porque este é um domínio em que ambos, personagens
autênticos desta prosa, o autor e porque não, os leitores, têm de se haver, o de andar para aqui às voltas, a arranjar maneira de ninguém descobrir que há
duas pessoas que estão podres de ricas e ninguém pode saber. E metemos também
os leitores ao barulho, porque isto de fazer fantasias sobre o que faríamos se
nos calhasse a sorte grande, já todos fizeram, sendo que uma boa parte deste
“todos”, fez pensamento de não contar a ninguém, se não aos amados dignos de
tamanha confiança. Se esta realidade influenciará ou não o interesse por esta
leitura, é difícil podermos averiguar.
Coloquemos, portanto, de novo a Francisca e o
Jacinto no seu lugar, sentemo-los a discutir detalhes e a dar retoques na sua
invertida fantasia para consumo de próximos, coisa que estão a aprender a tomar-lhe
gosto. Tivessem eles escola ou leitura que lhes desse traquejo para escrever, escreveriam
eles próprios essa parte, folgando-me a mim, que só Deus sabe a dificuldade que
tenho em inventar, não fosse tudo isto baseado numa história verdadeira, onde a
verdade só não é assumida por questões de segurança dos premiados, e há muito
que eu teria despejado a saga no almofariz.
Não vamos agora expor o combinado para se
dizer a propósito desta semana que, para todos os efeitos, foi vivida em Lisboa
entre encontros, refeições, projetos e afetos entre genro, filha, pai e
companhia, não esquecendo que o genro também vai ter alta e começar a poder
beber umas bejecas com autorização do médico do hospital. Para não nos
repetirmos ou expormos contradições, o combinado para se dizer, vai ser
revelado aqui à medida que for contado, em tempo real, aos destinatários, e
apenas quando se entender ser de cariz relevante para a necessária coerência
duma história desta natureza, sob pena de ficarem a descoberto as alegadas
incompetências do autor menor, por quem tantos aguardam uma oportunidade de
apontar o nu.
Quando regressaram à aldeia, estavam prontos
para desenrolar a novela pelos ouvintes. Vestidos de forma discreta, sem
extravagâncias, carregando a mesma mala com que partiram, atravessaram o largo
da estação e dirigiram-se ao café do Abílio. Não tinham almoçado, vinham
esganados.
- Arranja aí duas sandes de fiambre com
manteiga e duas médias!
- Tem calma, já te contamos, estamos com
tanta fome que nem conseguimos falar!
2 comentários:
O dinheiro, esse vil 'mital', pode vir e ir, mas esta experiência inesquecível, que este casal está a viver, já ninguém lhes tira de cima.
Que fique o autor desta saga descansadinho da vida, que não serei eu a apontar-lhe o nu!!!
Todo o Rei, Monarca, ou escritor, tem o direito de se desnudar a seu bel prazer!!
Um forte e encantado abraço.
Isto vai Janita, isto vai, um passo em frente, dois passos atrás, mas isto vai. Obrigado pelo amparo.
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