sexta-feira, 5 de janeiro de 2024

Texto para a gaveta

Escrever assim como neste preciso momento escrevo, como um homem que caminha sem destino; escrever só por escrever, como um homem que caminha só por gostar de andar mas que sabe que a algum lado há de ir parar; não escrever coisa com coisa; escrever como a viúva que monda a vinha sabendo que os filhos só bebem cerveja. 

Talvez na curva dum parágrafo apareça uma ideia a desenvolver, uma história que contribua para fazer mais humana a humanidade. Talvez fosse mais proveitoso ler em vez de escrever, com o conhecimento de que o conhecimento só vale alguma coisa se for para mudar o mundo. Entretanto ouço gritar o Almada na algazarra dos livros:

- Quando eu nasci, as frases que hão de salvar a humanidade já estavam todas escritas, só faltava uma coisa - salvar a humanidade. 

Escrever só por escrever também não tem sentido. Mas que hei de fazer então?

Os livros novos repetem as ideias e os ideais dos que já foram lidos. Em janeiro, na fazenda, não há nada para fazer, ainda é cedo para a poda, o gado está tratado; não vou à igreja e não gosto de futebol; já acendi a lareira. Na televisão sofrem zapping: uma série americana de fraca qualidade, um programa da tarde, de fraca qualidade, ao vivo numa cidade da província, uma mesa de esnobes conversando sabiamente das consequências mundiais das eleições americanas do próximo outono, sem nunca se falar de índios!

 Tal como quase toda a gente que lê por gosto, já não leio jornais. Que coisa esta o tédio do mês frio e pardacento – chamou-lhe Régio - ao menos que o toucinho não fosse proibido e eu pudesse comer e beber uns copos mas o doutor!...; ao menos que existissem por aqui pequenos para jogarmos à sardinha.

Provado, portanto, que estamos perante um texto para enfiar na gaveta; um texto de escrever só por escrever para dizer nada; um texto a não ler; mas olhem que não é só para passar o tempo que o tempo sempre passa, digamos que é uma tentativa gorada de escrever alguma coisa que alguém tivesse gosto em ler. Já sei, vou fazer companhia ao gato a olhar as chamas da lareira.

- Olha, é o melhor que fazes! - disse o eventual leitor apanhado que nem um rato na discorrência da presente prosa.

Peço desculpa, bem sei que não é a primeira vez que discorro sobre o tema mas, quando comecei a escrever, tinha esperanças que algo de novo, alguma ideia, alguma fantasia me tocasse e alguma coisa interessante me assaltasse. Tenho de reconhecer que me perdi, um dia destes hei de encontrar-me.

Arte de Rua por Banksy em Gaza, Palestina: https://streetartutopia.com/street-art-by-banksy-in-gaza.../

The Banksy Way : Por artistas trilhando um caminho semelhante

6 comentários:

Tintinaine disse...

Hoje era dia de falar dos reis, pá!
Aqueles que foram até Belém levar umas prendas ao Menino!
Podias usar o estado real das coisas, hoje, em Belém, e avisar os reis para darem a volta, pois o exército israelita não deixa ninguém aproximar-se do local.
Qualquer coisa que fizesse a gente rir, pois já não se aguenta este clima de medo da guerra.

Janita disse...

Perdão? Será que li bem? "...uma mesa de esnobes"?
Se acaso quer fugir ao uso de anglicismos desprezando o termo 'snob', porque não escreveu 'presumidos','pedantes ou convencidos', que também serviam e não adulterava a nossa riquíssima Língua materna?
Acho graça quando leio em blogues, portuguesinhos da Silva, termos como estresse (stress) ou algo no género. Isso deixa-me tão stressada, perdão, tão desassossegada,com tal inquietação, que me dá vontade de dizer:- "Ó pá, sais do pó e metes-te na poeira? Assim, não dá!"

A minha vinda aqui e essa simples palavra, já me deu uma ideia para nova publicação.
Aproveite também...

Rogério V. Pereira disse...

Bem podias emendar teu texto pois que é uma tentativa não gorada de escrever alguma coisa que alguém vai ter gosto em ler...
Boa?

Ah! E Banksy desenha sobre o prostrado 23 uma janela de esperança.

Abraço, esperançado

Anónimo disse...

Janita lamento que com uma palavra tenha desviado a sua atenção do sentido do texto, antes tivesse inventado uma, coisa que também gosto muito de fazer. A palavra vem em todos os recentes dicionários de língua portuguesa e, como todas as outras, tem a sua origem etimológica. Rendo-me à dinâmica da língua e tenho muita dificuldade em ler um texto do século XIX.
Pata

Janita disse...

Engana-se Don Pata Negra! Eu não fui aquele leitor apanhado como um rato na sua ratoeira.
Prestei bem atenção a tudo o que li e apreendi o sentido do que disse. Até a imagem onde o famoso Banksy deixa clara a mensagem de luz e esperança neste raiar de 2024 nos diz haver ainda caminho para a nova geração de crianças no Médio-Oriente.

Não sei a que palavra se refere, mas se for essa gíria do país irmão, tire daí o sentido.
Mais depressa aceito aquela outra do cesto da gávea para onde os marinheiros iam, a contra gosto, ver se avistavam terra.

Gosto de quem inventa palavras, isso gosto, e admiro essa versatilidade, quase sempre bem humorada. Já estresses, esnobes, esportes, etc.... A BO MI NO!

Bom fim-de-semana.

Justine disse...

Pronto, eu gostei. Muito!