A coisa começou a correr bem ao homem depois de 74: mais esperança, mais liberdade, menos medo, menos fiscalização, animaram a sua atividade de caixeiro viajante e os seus negócios começaram a prosperar.
Sabia-se que, para tal sucesso, era necessário untar as mãos a
guardas fiscais, republicanos e outros mais. Sabia-se que não trabalhava com
letras, nem com cheques, nem com bancos. A massa viva guardá-la-ia onde
só Deus sabia mas, quando os maços começaram a ficar grossos, temendo um diabo
que os levasse, começou a dar-lhes caminho fazendo anexos, muros e escadas,
latadas, portões e arruamentos, valorizando assim o seu quintal, dando trabalho
a alguns e vida à terra.
Pensava numa de noite e de manhã ia falar ao pedreiro e a uns jovens estudantes que gostavam de ganhar algum e... mãos à obra. A mim, talvez por me achar um trinca-espinhas, por me ter por contestatário ou por não engraçar comigo, nunca me falou para fazer nada.
Sem nada
para fazer, peguei na motorizada para dar uma volta e parei para apreciar os
trabalhos e dar um ponto de conversa aos meus amigos. O muro estava
praticamente acabado e, como alguns dos serventes já andassem de mãos penduradas
e houvesse sobras de blocos, deu-lhes o homem o trabalho de fazerem mais duas
fiadas sem cimento - pelo menos ficavam arrumados.
- Rapaz, eu não te falei porque já sabia que és uma caga-agoiros, some-te daqui antes que leves uma pazada!
Não tardou nada, o muro tombou e eu vi-me obrigado a rir. Antes que o homem descarregasse em mim a sua ira, sorte a minha, pára o jipe da GNR e foi com eles que ele desabafou do seu azar, enquanto a malta olhava para o bonito serviço e eu me dirigia para junto da minha motorizada.
Entretanto
aproximou-se de mim um guarda e perguntou-me pelos documentos e pelo capacete.
- Mas a
mota está parada, o senhor não sabe nem se é minha nem se eu me desloco nela!
- Sou testemunha que a mota é dele e que ele aqui chegou nela sem capacete!
Para acelerar a alhada que se estava a desenrolar, o filho do homem, que havia ido ao café buscar umas cervejas para o pessoal, chega a acelerar na sua Zundap e, para animar a história, também não trazia capacete.
Bem
podia eu animar ainda mais a história, prolongar o texto com discussões
fictícias mas a verdade é que, traído pela memória, pela imaginação, pelo jeito
ou pela vontade, por mais voltas que dê pela tecleta (palavra criada agora
mesmo da composição de teclado com caneta), não consigo desembaraçar-me da
incoerência e chegar com pés e cabeça à frase final que tinha pensado:
-
Não há gatos polícias.
2 comentários:
Na verdade, isto está aqui uma salgalhada e tanto.
Também pode o dono disto tudo ter em mente atingir algo que me escapa.
Só sei que, efectivamente, não há gatos polícias, mas polícias com esse aspecto horrível da imagem, parece-me que nunca vi nenhum...
Bom fim de semana!
(Grata pela visita.)
Mas parece haver gatos-leitões!
Bom fim de semana e Boas Festas dos Santos Populares!
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