sexta-feira, 31 de maio de 2024

 

A coisa começou a correr bem ao homem depois de 74: mais esperança, mais liberdade, menos medo, menos fiscalização, animaram a sua atividade de caixeiro viajante e os seus negócios começaram a prosperar.  

Sabia-se que, para tal sucesso, era necessário untar as mãos a guardas fiscais, republicanos e outros mais. Sabia-se que não trabalhava com letras, nem com cheques, nem com bancos. A massa viva  guardá-la-ia onde só Deus sabia mas, quando os maços começaram a ficar grossos, temendo um diabo que os levasse, começou a dar-lhes caminho fazendo anexos, muros e escadas, latadas, portões e arruamentos, valorizando assim o seu quintal, dando trabalho a alguns e vida à terra.

Pensava numa de noite e de manhã ia falar ao pedreiro e a uns jovens estudantes que gostavam de ganhar algum e... mãos à obra. A mim, talvez por me achar um trinca-espinhas, por me ter por contestatário ou por não engraçar comigo, nunca me falou para fazer nada. 

Sem nada para fazer, peguei na motorizada para dar uma volta e parei para apreciar os trabalhos e dar um ponto de conversa aos meus amigos. O muro estava praticamente acabado e, como alguns dos serventes já andassem de mãos penduradas e houvesse sobras de blocos, deu-lhes o homem o trabalho de fazerem mais duas fiadas sem cimento - pelo menos ficavam arrumados.

 - Ó homem, com a massa fresca e esse peso em cima não tarda muito isso desaba tudo!

- Rapaz, eu não te falei porque já sabia que és uma caga-agoiros, some-te daqui antes que leves uma pazada! 

Não tardou nada, o muro tombou e eu vi-me obrigado a rir. Antes que o homem descarregasse em mim a sua ira, sorte a minha, pára o jipe da GNR e foi com eles que ele desabafou do seu azar, enquanto a malta olhava para o bonito serviço e eu me dirigia para junto da minha motorizada. 

Entretanto aproximou-se de mim um guarda e perguntou-me pelos documentos e pelo capacete.

- Mas a mota está parada, o senhor não sabe nem se é minha nem se eu me desloco nela!

- Sou testemunha que a mota é dele e que ele aqui chegou nela sem capacete!  

Para acelerar a alhada que se estava a desenrolar, o filho do homem, que havia ido ao café buscar umas cervejas para o pessoal, chega a acelerar na sua Zundap e, para animar a história, também não trazia capacete. 

Bem podia eu animar ainda mais a história,  prolongar o texto com discussões fictícias mas a verdade é que, traído pela memória, pela imaginação, pelo jeito ou pela vontade, por mais voltas que dê pela tecleta (palavra criada agora mesmo da composição de teclado com caneta), não consigo desembaraçar-me da incoerência e chegar com pés e cabeça à frase final que tinha pensado:

- Não há gatos polícias.

2 comentários:

Janita disse...

Na verdade, isto está aqui uma salgalhada e tanto.
Também pode o dono disto tudo ter em mente atingir algo que me escapa.
Só sei que, efectivamente, não há gatos polícias, mas polícias com esse aspecto horrível da imagem, parece-me que nunca vi nenhum...

Bom fim de semana!

(Grata pela visita.)

Tintinaine disse...

Mas parece haver gatos-leitões!
Bom fim de semana e Boas Festas dos Santos Populares!