sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Depois do fogo ter passado



O incêndio nascera por ali, ameaçara currais, casas e quintais mas já partira por montes e vales a caminho de outras aldeias e lugares. A meio da ladeira a vizinhança, que o enfrentou, palavreava, ainda com os olhos nos focos que resistiam em cepos, barrotes e restolhos, ainda entre o fumo e o cheiro que pairava. Ofegava ainda do duro combate que travara, aliviada pela vitória da salvação das casas e não se acanhava a identificar, culpas, causas, sentenças e soluções.

O octogenário ia ouvindo e pensando:
- A culpa é do aquecimento global! - sei lá o que é isso!
- A culpa é  dos eucaliptos! - nunca plantei um sequer!
- A culpa é de quem não corta o mato! - já não tenho forças para isso!
- A culpa é dos bombeiros! - coitadinho do meu neto que anda lá sem ganhar nada!
- A culpa é do governo! - votei sempre neles e neles votarei até à morte!
...
- A pena de morte tem de existir para os incendiários!

A octogenária apareceu e disse para o homem e para quem a quis ouvir:
- Mas que raio foste tu fazer para o palheiro com o cigarro na boca e a Penthouse na mão?

O octogenário desembarouçou-se da língua comprida da mulher e disse para quem o quis ouvir:
- Uma parte deste país é um imenso palheiro, a outra parte é uma imensa casa de putas de ambos os sexos.

E dito isto, toda a gente pôde concluir que a culpa tinha sido da mulher do octogenário.

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