segunda-feira, 29 de setembro de 2025

A sorte é sempre oportuna


Cajó sempre  brilhou na sorte.

A primeira vez que me pediu favores, foi quando nos estávamos a preparar para a oral de Português do 7ºano. Não sabia nada, só tive tempo para lhe explicar a Proposição do primeiro ao último verso, quando era certo que Camões poderia ser questão desde o Concílio ao soneto do "fogo sem se ver". Fui o primeiro e espalhei-me completamente com o Adamastor mas acabei por passar. Cajó foi aprovado com distinção. À saída só tive uma palavra para ele: cabrão!

Aprovados, e porque era chegada a idade de passar uma noite em Lisboa para estudar a cidade, juntámo-nos ao Joca, que tinha dispensado da oral e tinha uns tios emigrantes, proprietários duma casa na capital onde poderíamos pernoitar.

Na festa do 8 de setembro, apresentei-lhe a Jaqueline, filha de vizinhos emigrantes em Champinhy. Cajó conseguiu passar-lhe a ideia que percebia alguma coisa de francês, respondendo a tudo com "ça fait rien" , incluindo quando ela revelou que era prima do Joca.

Jaqueline disse: amanhã vou para Lisboa, os meus pais têm lá um apartamento! 

Cajó aproveitou a oportunidade, encaminhou a conversa e vestiu-se de vidente. Começou a descrever, com surpreendente pormenor, entradas, escadas, divisões, camas, quadros e azulejos, atirando a jovem, perplexa, para sentimentos de admiração e encantamento.

A minha intervenção de desmascaramento precipitou o fim da nossa amizade. Contaram-me que na recruta ganhou fama porque no primeiro disparo que fez acertou no centro do alvo, ficando assim dispensado da instrução de tiro.

Revio-o, na praça, esta semana e cumprimentámo-nos com saudade da juventude. Disse-me ele:

- Naquela noite fiquei com conhecimentos de francês a dobrar! Ela era do "quatre-vingt-quatorze"!

- Continuas o mesmo!

Na praça, apareceu em campanha o candidato do partido sem vergonha, devidamente acompanhado por outros que também perderam a vergonha.

Cajó, virou-lhes as costas e, sem se preocupar que o ouvissem, disse-me:

- Filho da puta!

Brilhante e em cheio: viraram-se todos.  



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