quinta-feira, 30 de outubro de 2025

Ninguém me liga

 Ninguém me liga nada. Nem uma chamada, nem uma mensagem de SMS, no MSN,  no uótessape ou somente um láique na foto do prato de lentilhas que publiquei no feicebuque

Estou somente eu, olhando uma caixinha com um vidro fino, que outrora nunca sonhei ter e que não faço a mínima ideia de como funciona internamente. Deslizo o indicador sobre o que não me interessa, carrego no que me chama a atenção, uma foto duma amiga com fundo de mar, um vídeo de apanhados, o André Ventura  a arrasar um comuna,  uma frase dum poeta, um produto muito em conta para compra oneláine e porque não estou sempre nisto, desço as escadas para abrir a caixa de correio.

Nada. Não digo a fatura da água ou uma carta das finanças, mas ao menos um panfleto de aparelhos auditivos, um comunicado do presidente da câmara ou um desdobrável das Testemunhas de Jeová! Faz muitos anos que não recebo uma carta ou um postal dum amigo a dizer "espero que estejas bem que nós por cá todos estamos bem graças a Deus".

Ninguém me liga nada!  Nunca fui de igrejas, nem de partidos, nem de causas, teatros, futebóis ou associações! Não sou de livros, não percebo os escritores nem o que eles escrevem. Hoje em dia a música é só barulho, o cinema é só tiros e putedo, Cristinas Baiões Gouchas e Quitérios é só maricagem.

Família? Chega uma vez por ano no Natal! Falam, falam, falam e ninguém liga nada ao que eu digo.

Vou ao supermercado, três produtos para não ter de comprar saco. Um fingiu que não me viu, outra acenou-me apenas a cabeça, não encontro ninguém nem para um, nem para dois, nem para três dedos de conversa. O jovem da caixa disse-me com simpatia, nos devidos tempos, bom dia, quatros euros e quatro cêntimos, bom dia e obrigado.

 Ninguém me diz nada. Tocam à campainha: 

- Era  só para lhe dizer que deixou o vidro do carro aberto!

- Só isso? E não me quer dizer mais nada? - digo para comigo enquanto digo "obrigado".

Sento-me e tento reanimar-me. Sinto-me jovem. Só me sinto bem ao telemóvel!


1 comentário:

Janita disse...

Oh....isto, dito assim, até causa mágoa a quem o lê, amigo Pata Negra.
Um dia destes faço-lhe uma surpresa!
Bato-lhe à porta a pedir-lhe que me autografe "O Caminho do Fim da Terra"
Um abraço.