Chegou agora mesmo a vossa Primavera! Este ano não brotaram as flores, a fogueira continuou acesa e até o sol permanece envergonhado. Mas então se não há flores, se o frio resiste e se o sol permanece envergonhado, porque é que eu digo que chegou a vossa Primavera?
Ah! Porque agora já não é tempo nem a paisagem que determinam quando acontece a vossa Primavera: apareceu na TV um homem engravatado, com projectores e telepontos ocultos, que disse por números e palavras que tinha dados que lhe permitiam assegurar que chegou a Primavera! Por isso vós vivereis contentes na vossa falsa Primavera!
Eu que me estou nas tintas para o vosso homem engravatado e que sei que essa Primavera nunca será minha, continuo a acreditar - apesar das alterações de clima determinadas pelo ar condicionado do vosso pinóquio articulado – que esses números e dados não me tirarão também o tempo, nem as flores, com o pretexto que também eles são regalias que eu como cidadão não mereço!
Podeis me levar o salário, o pão, a dignidade, mas não me podereis levar o tempo que aparece, mais cedo ou mais tarde, para trazer uma nova estação! Poderei não poder beber já água em todas as fontes, mas dispenso com força as vossas parelhas de cornos, os vossos montes sem tanques para regar a horta, com piscinas para encolher a pelota! A minha Primavera vai chegar
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