terça-feira, 12 de junho de 2007

A bandeira portuguesa

Num T1, num quarto andar, numa varanda virada de costas para o mar. Terraços de um bairro social – anos oitenta!? – de pretensa arquitectura tradicional algarvia.
Um terraço tem várias gaiolas com pássaros e dois cães enormes enroscados na escassa sombra. Dois terraços têm garrafas de gás. Três terraços têm cadeiras de esplanada e um tem também uma espreguiçadeira. Alguns terraços têm estendais de roupa, num em particular aprecio um par de ceroulas e uma combinação. Alguns terraços têm bicicletas ferrugentas e de pneus vazios. Quase todos os terraços têm um mastro com uma bandeira portuguesa esfarrapada.
Um bairro português de bandeiras portuguesas esfarrapadas. Parece-me ver daqui o Portugal inteiro até Valença de bandeiras queimadas pelo sol, testemunhas de um passado de falsas esperanças, marcas que se vão sumindo no tempo da desesperança! O tempo de Sócrates! E o que verdadeiramente me entristece é saber que foram os mesmos que tocaram o içar bandeiras que depois se envergonharam de sugerir o arrear. Mas o que verdadeiramente me enternece é observar que esta gente continua o seu lavor de ganha o pão e a enfeitar as ruas pró arraial, consciente e conformada com os mandos e desmandos do pessoal que aparece na TV.
São oito e trinta da tarde, duma porta sai um jovem de traje despreocupado e andar toxicomaníaco, um homem de rugas seguras encosta à parede uma bicicleta artilhada de artefactos da pesca de bivalves.
Suponho que sob todos os terraços vivem famílias diferentes entre si e muito diferentes das que vêm e vão e permanecem alguns dias no prédio com piscina e quarto andar.
Sobre a espreguiçadeira do terraço que a tem, espraiou-se agora uma mulher em topless:
- Vejo?! Ou finjo que não vejo!?
Chamam-me para ver um programa que está a dar num canal espanhol. Afinal eu estava apenas a reflectir sobre o caso das bandeiras verdes e vermelhas queimadas pelo sol e esfarrapadas…

2 comentários:

Anónimo disse...

Olá João, bem vindo.
O que contas é o que resta da classe média (cada vez mais baixa) deste triste Portugal. Retrato deprimente de pessoas deprimidas (e oprimidas). É o "socialismo" que temos!E pergunto: até quando? Quando é que os portugueses perceberão que têm vindo a ser ludibriados e se revoltam contra as políticas (e, principalmente, os políticos) implementadas por sucessivos governos que exploram, até ao osso, os que trabalham para obterem benesses e enriquecimento pessoais, familiares e dos amigos? Até quando?

Anónimo disse...

O Zé é capaz de ter razão no que diz.
E tu, João, continua a olhar à tua volta, a contar retratos da vida, cada vez mais difícil.