O quarto era arrendado, aos dois, por dois contos e duzentos a cada um, com dois banhos por semana e cama feita. Ficámos de pensar. Dona Graça fez questão de dar conta da sua situação passional, tinha um amante. Viera de Moçambique, a toque de Independência, arrastada por um colono branco septuagenário de quem tinha duas filhas. O velho morrera e eram as herdeiras que garantiam o direito ao tecto perante a demanda que a viúva branca, que nunca pusera o corpo em África, lhe movia reclamando a posse da vivenda.
As moças, de 17 e 15, a mãe de 35, tinham formas e sorrisos de fazer estremecer a mancebia de tal forma que, já na rua, Zé Maria esfregava as mãos de entusiasmo e dizia para mim:
- Para mim já está pensado, negócio feito!
O espaço exíguo para os dois, dois divãs, uma mesinha, um guarda-fatos, uma pequena mesa, uma cadeira, uma janela de poucas vistas, as paredes pintadas de vermelho…
- Eu reparei lá nisso! Paredes vermelhas? Viva o Benfica!...Viva o comunismo!
Lá abancámos a tralha e diga-se que, passada uma semana, a vida já era familiar. Ao serão jogávamos às cartas com as meninas e com o senhor Carlos que, entretanto, começou a trazer também o filho.
Um dia, o senhor Carlos presenteou com um carro Graça e foram, os cinco, desbundá-lo pela noite. Os tristes hóspedes ficaram e acordaram por volta das sete da manhã com gritos e pancadas de escândalo na porta de entrada. Fomos ao quarto dos amantes espreitar pela janela, duas mulheres possessas diziam das suas para dentro da casa e a vizinhança fazia já roda ou espreitava. Fomos abrir a porta informando com calma que estavam ao engano.
- Que não e não e não!
- Que somos apenas hóspedes e que somos os únicos seres dentro da casa e que não podemos permitir a entrada que a casa não é nossa!
Com a diplomacia possível para o caso lá conseguimos que mãe e nora partissem vencidas mas não convencidas. Talvez tivesse sido falsa a pista, talvez eles tivessem tido um acidente, talvez fossem fantasias e não cornos o que as trouxe ali.
Certo é que, do Senhor Carlos e do seu filho único nunca mais se ouviu falar. A casa virou festa, era música e mais música merengue até a polícia deixar, era a condução do Zé Maria a fazer chiar o Simca 1000 enquanto a Dona Graça não passava na carta, era a beleza da juventude, era a vida!...
As moças, de 17 e 15, a mãe de 35, tinham formas e sorrisos de fazer estremecer a mancebia de tal forma que, já na rua, Zé Maria esfregava as mãos de entusiasmo e dizia para mim:
- Para mim já está pensado, negócio feito!
O espaço exíguo para os dois, dois divãs, uma mesinha, um guarda-fatos, uma pequena mesa, uma cadeira, uma janela de poucas vistas, as paredes pintadas de vermelho…
- Eu reparei lá nisso! Paredes vermelhas? Viva o Benfica!...Viva o comunismo!
Lá abancámos a tralha e diga-se que, passada uma semana, a vida já era familiar. Ao serão jogávamos às cartas com as meninas e com o senhor Carlos que, entretanto, começou a trazer também o filho.
Um dia, o senhor Carlos presenteou com um carro Graça e foram, os cinco, desbundá-lo pela noite. Os tristes hóspedes ficaram e acordaram por volta das sete da manhã com gritos e pancadas de escândalo na porta de entrada. Fomos ao quarto dos amantes espreitar pela janela, duas mulheres possessas diziam das suas para dentro da casa e a vizinhança fazia já roda ou espreitava. Fomos abrir a porta informando com calma que estavam ao engano.
- Que não e não e não!
- Que somos apenas hóspedes e que somos os únicos seres dentro da casa e que não podemos permitir a entrada que a casa não é nossa!
Com a diplomacia possível para o caso lá conseguimos que mãe e nora partissem vencidas mas não convencidas. Talvez tivesse sido falsa a pista, talvez eles tivessem tido um acidente, talvez fossem fantasias e não cornos o que as trouxe ali.
Certo é que, do Senhor Carlos e do seu filho único nunca mais se ouviu falar. A casa virou festa, era música e mais música merengue até a polícia deixar, era a condução do Zé Maria a fazer chiar o Simca 1000 enquanto a Dona Graça não passava na carta, era a beleza da juventude, era a vida!...
22 comentários:
São muitas as “histórias da vida real” que Vossa Majestade tem, aqui, partilhado com os devotos visitantes deste blogue. E muitas mais ainda haverão para contar. É por isso que eu aqui venho diariamente na esperança de encontrar uma nova história, sempre diferente mas sempre bonita.
Excelente, Pata Negra.
É isso a vida. Esse album de recordações sensíveis que tu escreves e descreves com mestria.
Abraço-te
Ó Sodoma, ó Gamorra, ó mestre da palavra... apreciei Vossa erduita dissertação sobre uma existência levada entre quatro paredes vermelhas...
Pata Negra, Pata Negra
que bem que sabes escrever
quatro paredes vermelhas
são tudo o que queremos ter.
Majestade
O vermelho fica bem a Sua Realeza. Muito bem mesmo.
És dos meus e escreves bem.
Ai, ai, se eu fosse falar (ou melhor, escrever) de quartos arrendados e de pensões...
E que é feito das moçoilas?...
Saudações do Marreta.
Ai, ai ... Vossa Majestade e o vermelho ...
As recordações de uns tempos algo loucos, entre paredes vermelhas e umas moçoilas pelos vistos interessantes...
Cumps
Um bom conto e uma experiência interessante.
Um abraço
Pata Negra
Bela escrita e bom texto de recordações. Escreves muito bem. Pena é que não gostes da escola.
Abraço
Recordar é viver. Um bom exercício de memória e de escrita, naturalmente.
Abraço do Zé
ao correr da pena se vai soltando o tempo ido...gostei.
Sabes o que eu acho? É que devias ser um bom malandreco. E se calhar ainda és.
:)
Considerando o seu gosto pelo vermelho deixei no meu blog uma ligação a este reino A VERMELHO para que de lá retire o prémio que lhe foi atribuído.
Ah, vermelho meu vermelhinho, e se desses um salto ao meu Cadeirão para bebermos um copinho?
Gosto. Escrita de quem viveu, sentiu, sofreu, amou, recorda e é Pata Negra.
A vida é feita de tudo e de nada.
Bons tempos que já não voltam.
Viva o REI.
Magnífico! Entre o real e o irreal, para mim fica a dúvida: um conto sobre algo vivido? Uma vivência imaginada posta em escrita? Uma vivência real? ? ? ?
Gostei muito.
Um grande abraço amigo
P.S.: Venho do conto posterior, Quarto 2, que só agora é que vou ler...
Apenas me admiro do seguinte: Naqueles tempos difícies em que a mãe ía para as feiras vender leitões e galinhas, como conseguiria arrajar todos os meses dois contos e duzentos, fora os extras claro...com grande sacrificio concerteza? Gosto imenso do que escreve, parabéns. Deixo uma beijoca
Meu caro anónimo - anónima! - beijoca!?... não era a mãe nem o pai que arranjavam os dois contos e duzentos, isso é outra história já aqui contada numa J7!
Um abraço e beijocos
Gostei imenso de lê-lo e de relembrar este excelente texto e a sua primeira publicação neste espaço.
Memórias ternas e cheias de graça as suas bordadas com a sua qualidade literária.
Isso é que eram visitas.
Ser hóspede de uma casa assim é uma animação :)
Um beijinho amigo
Maria
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