quarta-feira, 28 de março de 2012

O meu primeiro acto subversivo

76, o país acabava de comer a fome de si próprio. Para evitar os manuais escolares saídos da revolução, os padres e irmãos, lentes liceais, ditavam aulas de apontamentos infindáveis.
100 folhas A5 X 10 disciplinas X 14 alunos – 14000 folhas de conhecimento.
Já há alguns meses que, sob o meu entusiasmo liderante, a turma vinha assentando pormenores - a vingança servir-se-ia assim: no final do ano lectivo, realizadas as provas, faríamos de cada folha um barco de papel.
E assim fizemos durante um dia inteiro. Secretamente, dobrámos, redobrámos e acondicionámos a força naval. No dia seguinte avançámos sobre o rio e, num trabalho de horas, lançámos, uma a uma, cada embarcação ao destino da corrente. O efeito pretendido era que a enorme frota surpreendesse os transeuntes do centro da cidade, no troço onde as margens desaparecem amuralhadas para mostrar ao rio o poder do povo e fosse até, quem sabe, notícia da Voz do Domingo.
Cumprido o ritual da partida, num sítio onde o rio ainda era rio de margens verdes, corremos por aí abaixo, até à ponte da imagem dos postais, para apreciar o efeito e o resultado de tão grandioso feito, quer nas pessoas, quer no curso fluvial.
Demorou algum tempo até que chegassem os primeiros e, quando veio o grosso, contabilizámos o efeito do grande feito. A idade e o contentamento deram para uns saltos e uns agitamentos que não disfarçaram a autoria. Um velho que passeava e compreendeu, largou um riso; duas ou três crianças juntaram-se-nos; dois ou três peões sorriram.
Não rendido, um de nós ainda disse “devíamos ter feito antes um telefonema anónimo para o jornal!”
A partir daqui todos os meus actos subversivos foram secretos e consequentes - ou não tivesse eu aprendido com os espaços mentais que deixei livres por tanto conhecimento que deitei ao rio - lamentando apenas a perda daquele que, por ser mais valoroso, acabou por desaguar no oceano.
da história "Todas as manhãs"

23 comentários:

Anónimo disse...

Um bom background para outras actividades subversivas e sabotadoras que actualmente se exigem.
Realmente padres professores, apenas tive um, a português, e esse ainda era mais revolucionário e inconformado do que eu, mas conheço bem essa seita de outras latitudes nacionais, daqueles que faziam campanha política pelo CDS, entregando caixas de fósforos com o emblema do partido à saída da missa. Isto já para não falar dos sermões missais de se lhes atirar com a pia de água-benta à focinheira.

Saudações do Marreta.

José Lopes disse...

Por acaso tive professores, frades, ex-padres e ex-profs universitários, que por razões políticas foram "enviados" para África e que sabiam bem como dar a volta aos assuntos, mantendo a sua dignidade e discordância com o regime, sem disso fazerem alarde ou bandeira. Ouvi alguns palermas chamar-lhes fascistas, logo em 74, precisamente uns quantos privilegiados, que nunca passaram até aí quaisquer dificuldades, ou problemas com as autoridades por razões ideológicas.
Queria dizer que com isto que os actos pensados foram sempre muito mais úteis do que a inconsequência e a procura de impactos vistosos que suscitem apenas a atenção momentânea.
Cumps

antonio ganhão disse...

Sempre achei este espaço fruto de uma mente depravada... mas armadas de papel sempre foi o nosso forte!

Anónimo disse...

É isso mesmo, anónimas e consequentes.

Tiago R Cardoso disse...

exigia-se um acto subversivo mais mediático...

Mesmo inconsequente o pessoal gosta é de barulho.

Jorge P. Guedes disse...

Assim se desenvolvia o espírito crítico e a subversão activa. Muito engenhosos, sim senhor!

Hoje, parece que anda tudo adormecido, como zombies à espera do nada.

Um abraço e parabéns por mais este bom texto.

Anónimo disse...

Alteza Real!
Hoje nem barcos nem barquinhos. Está tudo adormecido. Este Povo precisa de levar um empurrão, será que conseguimos!?

Carlos Sério disse...

Retribuo o bom ano e desculpas pelo atraso,
ruy

Camolas disse...

Inspiradora a Vossa história Alteza.
Que barcos de papel carregados de poesia possam abordar este país cinzento.

MARIA disse...

Que texto extraordinário. Parabéns. Muito lindo. Totalmente conseguido.
Tinha que sair da cabeça de Vª Majestade uma ideia assim.
Todas as lutas, todas as revoluções têm uma poesia muito própria.
A poesia dos ideais, afectos e valores que as promovem, conduzem e as concretizam.
Importa pôr a alma a navegar solta pelo rio até ao Mar que lave as nossas vidas daquilo que não desejamos, daquilo que nos faz mal e permita a construção de uma sociedade mais justa e mais fraterna para todos nós.

Um beijinho amigo

Maria

Anónimo disse...

a mente será sempre livre mesmo que os condicionamentos teimem em reaparecer...

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

Um texto esplêndido que demonstra que nunca devemos perder a capacidade crítica nem a revolta legítima perante espíritos redutores que nos confinam a um espaço fechado e hostil onde despejam os seus ensinamentos.
A irreverência é a grandeza da alma. Saibamos usá-la com critério.
Abraço

ANTONIO DELGADO disse...

Um belo texto e um excelente happening...pena não haver fotos, porque nem a frota de Esparta e Atenas juntas seriam tão imponentes.

Bom 2009 e que o poder da subversão se mantenha.

Compadre Alentejano disse...

O papel tem uma grande força...desde que seja bem preparado...
Um abraço
Compadre Alentejano

Nocturna disse...

Alteza,
Todos os actos que praticamos com intenção de subverter qualquer coisa,tem sempre muita importância, seja qual for o resultado. E um acto subversivo que desaguou no oceano, é obra !!
Abraço

joshua disse...

Lamento a piçada e o castigo. Assim se aperfeiçoa corroer e resistir, subverter e conseguir.

Entre a padralhada discilinadora há sempre um maluco compassivo e brincalhão como eu.

Tem mistério esse último §-enigma.

Abraço oceanário.

M A R I A disse...

Adoro este texto.
A ideia é linda, mas também de uma eficácia contundente.
Já pensou, Majestade, se em cada percurso de rio deste País em uníssono se soltassem mensagens, imunes ao choque dos bastões políciais e aptos a navegar, transbordar as margens, elevar o nível de águas do Mar ...

Importante é o caminho que nos leva lá ...

Um beijinho amigo


Maria

Miosotis Trator disse...

Pata Negra, Rei dos Leittões, permita-me que esclareça os ignaros.

O porco é um animal limpo e inteligente. Conclusões apressadas e muita ignorância lançaram este estigma sobre este animal.

E se o porco é uma animal limpo porque gosta de andar na lama? - perguntarão algumas pessoas. Vamos tentar perceber esta questão.

O porco é um animal que não tem glândulas sudoríparas, isto é, não transpira quando está calor e por isso tem dificuldade em regular a temperatura. Cobrindo-se de lama, evita ficar escaldado pelo sol e ainda afasta os parasitas (que não apreciam lama).

No entanto o porco só recorre a este estratagema quando necessário. Sabia que o porco nunca faz as suas necessidades no sítio onde dorme e come? Mesmo acabados de nascer, os leitões afastam-se do sítio onde estão a comer para satisfazer as suas necessidades. É um instinto que conservam durante toda a vida.

O porco é um animal dotado de um faro excepcional que lhe permite encontrar comida mesmo que esteja escondida debaixo da vegetação. É por isso que são usados pelos humanos na apanha de trufas.

Uma outra curiosidade sobre o porco é que, para dar à luz, a fêmea, se tiver materiais disponíveis ao seu alcance, faz um “ninho” (ao jeito dos coelhos) que lhe permite ter os filhotes com segurança e comodidade.

Existem diversos estudos que atestam que o porco é um animal inteligente e com uma organização social e familiar bastante complexa.

Miosotis Trator
(Outro primo da Rosa Mota)

Zé Povinho disse...

Os actos simbólicos podem ser vistosos e até podem ter impacto, mas nesta altura do campeonato não sei se é avisado dar a cara e o corpo pela contestação ou se será mais eficaz ser contundente e passar despercebido.
Abraço do Zé

samuel disse...

E porque é que uma coisa grandiosa não poderia começar com um barquinho de papel lançado à corrente?!

Abraço.

maceta disse...

Não que eles até sejam muito inteligentes... mas, por precaução, é sempre mais prudente construir a artimanha...
abraço

Anónimo disse...

ESTA COISA EMPERROU!
NUNCA MAIS SAI A HISTÓRIA DO SEGUNDO ACTO SUBVERSIVO.
OU OUTRA HISTÓRIA QUALQUER.
SERÁ QUE O PATA NEGRA EMIGROU PARA O FACEBOOK E ABANDONOU O BLOGUE?
RAIOS O PARTAM!!!

Anónimo disse...

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