quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

12- A fábrica ardeu

- A fábrica ardeu?! Faz-se outra!
E assim foi! Logo no dia seguinte ao incêndio, os operários transformaram-se em pedreiros, carpinteiros, serralheiros, canalizadores e em todos os demais ofícios necessários à reconstrução da fábrica.
Mas nem tudo foi lindo! Também, no dia seguinte, se assistiu à partida do meu amigo, da mãe e da tia. Iam de vez! Recordo-os a partirem pelo caminho que levava para a estação de caminhos de ferro. Laurinda com um lençol embrulhado às costas a fazer de saco com algumas roupas, Canicha com os tachos engatados uns nos outros com cordões e uns pares de calçado e Laurindo com uma saca com comida para a viagem. Despediram-se de todos lá na fábrica – não estava ninguém do patronato - e eu acompanhei-os a minha casa para se despedirem de minha mãe. Não vou contar mais nada se não choro!
Nunca percebi, ou não me apetece contar mais nada, se partiram por terem perdido o lar que o senhor António lhes oferecia ou se foi para salvarem o lar do senhor António!
De tempos a tempos o meu pai ia à Beira Baixa buscar resina na Scania, levava-me abraços para Laurindo e trazia-me em troca outros de lá. Um dia escrevi-lhe uma carta, o meu pai contou-me que lha leu mas não me foi capaz de contar mais nada! O meu pai também era muito chorão!

“Contar mais nada”, frase repetida nos três parágrafos anteriores – é sintomático.
Se bem se lembram, a Primeira Fábrica falava de um tal Cossa e da minha experiência como operário. Era por aí que pretendia desenvolver a história. Contudo achei devido, voltar um pouco mais atrás no tempo. Entusiasmei-me com a recordação de Laurindo e, entretanto, estendi-me perdido entre as personagens e acontecimentos sem nunca conseguir a coerência que se exigia. Cheguei a ser tentado a inventar sangue, sexo ou romance e, nada! Semana, após semana, ia planeando uma segunda parte em que, depois de um salto no tempo, eu, colega do Cossa, do Torneiras, do meu pai e outros mais, contaria as minhas memórias desse tempo. Comecei a cambalear na história, a enrolar-me na meada e decidi queimar a fábrica. Com a Fábrica queimada, estava decidido a acabar com a história. Acontece, no entanto, que no curso da presente redacção me achei pouco e voltei a pensar no Cossa. Vou visitar o Cossa, tenho de lhe dar alguma coisa pelo Natal, ele tem uma palavra a dizer, ele é que manda. O Cossa vai querer que a história vá mais longe. Até quarta.

14 comentários:

MARIA disse...

"Recordo-os a partirem pelo caminho que levava para a estação. Laurinda com um lençol embrulhado às costas a fazer de saco com algumas roupas, Canicha com os tachos engatados uns nos outros com cordões e uns pares de calçado e Laurindo com uma saca com comida para a viagem."
Que partida tão triste Majestade...
Às vezes partimos assim da vida de pessoas queridas com as tralhas mal arrumadas, mal acomodadas e essa partida é sempre dolorosa, mesmo quando recordada tantos anos depois como faz agora Vª Majestade.
Oh Majestade, já pensou nesta imagem literária de sonho : Sócrates deixa Executivo embrulhando em lençol branco contendo algumas roupinhas de griffe e uns sapatitos prada, carregando a seu lado um chorrilhão de tachos mal lavados, e acompanhado entre outros, nesse embrulho, por sua excelsa sinistra educacional? Estes já não têm é direito a levar mais comida...
Há que transformar a lágrima em riso ...
É que as lágrimas atrapalham a visão... embora lavem a alma.
Lindo como sempre o seu texto.

Um beijinho amigo

Maria

MARIA disse...

Entusiasmei-me com a ideia: onde disse no comentário anterior "embrulhando", quis, claro, dizer "embrulhado"

salvoconduto disse...

Confesso que gosto mais da versão da comentadora Maria, assim é que era um final feliz...

Agora quando fores à terra tem cuidado, já queimaste a fábrica, não queimes a amizade com o Cossa!

Um abraço incendiário, que também me apetece deitar fogo a esta merda toda!

Milu disse...

Gosto tanto de o ler! Tão depressa fico comovida como logo a seguir tenho de me rir! E gosta de escrever, está visto!

Marreta disse...

Mentiroso!

Meg disse...

Amigo Pata Negra,

"Deitaste" fogo à fábrica e agora?
Vais ao compasso, comer amêndoas.
Cá fico à espera das novidades que não deixarás de trazer.
Ler-te é muito prazeiroso, meu caro!

Um abraço

polidor disse...

normalmente escrevo pouco, contrasenso para quem gosta de escrever,mas, confesso que esta é a forma que melhor usas para desenhar...

um abraço

Compadre Alentejano disse...

Gostei da história. Fez-me recordar tempos idos, no Alentejo profundo.
Um abraço
Compadre Alentejano

Camolas disse...

A beleza das coisas simples nas tuas palavras Homenagem de vida a todos os heróis e heroínas ignorados.
Cada pessoa é um mundo.

Zé Povinho disse...

A Páscoa é sempre uma boa ocasião para rever antigos amigos e familiares.
Abraço do Zé

samuel disse...

Cá fico à espera...

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

Quero mais fábrica, mais desenrolar de história. Pergunta ao Cossa que deve ter aquela opinião que fica aqui bem descrita.
Fico pois a aguardar o novo post já que não te imagino na tua terra a transportar o andor da Nossa Senhora.

Um abraço com amendoas

Olinda disse...

Pois ê!...A polivalencia dos operârios do Sr. Antônio,foi surpreendente.Ê assim,que os srs. Antônios crescem e engordam.A partida do Laurindo e famîlia,ficou mal esclarecida,mas Sua Alteza tambêm nao soube o motivo exacto da emigracao,pelo que,deduzimos que foi por um dos dois motivos apontados.
Câ fico ä coca do Cossa!
Atê para a semana!



do Zambujal disse...

Não é só o Cossa, pá!
À 4ª... estória.

Um abraço