quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

14- A Fábrica de antes de ontem

O poste que se segue apresenta linguagem capaz de incomodar alguns leitores. São relatados alguns diálogos com palavrões. Paciência, os seus actores/autores estão-se cagando para o portuguesmente correcto e não abdicam do quadro hiper-realista que compõem. A voz ao Cossa e a locução a mim, mero João, que aqui me tenho a escrever, inocentemente e felizmente, sem saber bem para quê, porquê ou para quem!

Prometido, devido e agora cumprido, que o destino da “laboração” da fábrica-história ficaria dependente de uma visita natal à fábrica-física que tem, actualmente, como único operário o único, polivalente e grande Cossa. De nada servirá esta introdução a quem só agora aqui chegou, a quem tem por hábito começar a ler os livros pelo meio e ao fim de duas folhas lidas vai espreitar o fim da história, a quem clica avidamente de blogue em blogue procurando encontrar os fins da blogosfera. Enfim, tudo isto para esclarecer eventuais forasteiros que o produto desta fábrica-história apenas se destina ao consumo dos fregueses habituais.

Aconteceu, antes de ontem, segunda-feira. Negociar com o Cossa o destino da fábrica – eis a esperança de manter a história da fábrica aberta por mais uns tempos.
Entrei fábrica adentro seguro do local onde iria encontrar o Cossa. Passei no corredor limitado pelas paredes velhas que separam a casa da velha caldeira, da caldeira nova que foi instalada e montada nos tempos em que aqueles espaços eram também meus. Passei entre as poeiras e detritos acumulados em trinta e muitos anos sem limpezas, entre os vapores familiares que sempre jorraram de juntas de tubagens mal vedadas, entre as teias e os pingos de água com décadas de actividade. Passei e, enquanto passava, fixava ao fundo, junto à boca da fornalha que se abria ao nível do chão, por onde entram de quarto em quarto ou de meia em meia hora pazadas de lenha para alimentar a máquina que dá vapor e vida á fábrica, o vulto do Cossa tal qual o esperado. Ele ali estava, com o cu num cepo e a marmita noutro, a “candeia” de sete e meio junto ao pé direito, a dizer-me que cheguei a boa hora. As mesmas botas, as mesmas calças, as mesmas camisolas, o mesmo cabelo esgalhufado. Por baixo do bigode, a mesma boca entreaberta deixando arejar os dentes semisorridentes sempre prontos para mandar as suas farpas tipicamente temperadas com as suas caralhadas e afins.
- Olha-me outra vez este caralho! E vem de malinha na mão!... Mas tu agora és testemunha de Jeová ou andas a vender banha da cobra?!
Não se levantou, não me estendeu a mão, limpou a boca azeitada com um pedaço de pão, deu uma “trombada”, limpou o gargalo com o punho em movimentos circulares e estendeu-me a sua garrafa de todos os dias.
- Tás com nojo?! Bebe comuna dum cabrão! Este é do meu! Não levou nada, é o puro sumo da uva, fruto da videira e do trabalho deste homem!
Dei um trago, expeli o “ahhh!...” de bom saborear e agradeci com o circunstancial “boa pinga!” e mais dois ou três considerandos acerca dos paladares do morangueiro.
- Mas que caralho trazes tu dentro da mala?! Não cabem aí as notas que me deves por tudo o que te ensinei quando eras pobre!
Sentei-me num outro cepo que por ali resistia à câmara de fogo e que evidenciava a função de dar assento a quem fizesse proveito do calor que ali era abundante. Saquei do portátil, liguei a pen da net móvel, inicializei a máquina preparando-me para a catadupa de reacções que o gesto, pela certa, iria despertar no anfitrião.
- Foda-se! Computadores!? Não me venhas para aqui com essa merda! Só se for para ver putas!
Para lhe amaciar a curiosidade e arranjar a cama para os meus objectivos, passei por uns sites com coisas mais expostas, demonstrei-lhe de passagem algumas potencialidades da internet, até surgir a esperada interrupção.
- Vai para o caralho com essa porra! Já me estás a distrair, tenho de ir ali ligar a bomba para a cuba e abrir o vapor para a serpentina! Mete-me mas é aí lenha na máquina se queres que eu tenha mais um bocado de tempo para te aturar!
Enquanto foi e veio, cumpri a sua ordem e preparei a abordagem do assunto que me trouxera ali.
- Mas tu trouxeste essa foda para quê?! Julgavas que eu nunca tinha visto a internet ou lá o que é essa porra?!
Falei-lhe do Rei dos Leittões e da história da Fábrica. Mostrei-lhe obliquamente algumas passagens discutindo de permeio algumas mentiras e verdades de laurindas, laurindos e outros que mais.
- Sabes o que te digo? Tu escreves essas merdas porque não tens mais nada que fazer! Tás-me a "precurar" a mim se tá bem, se tá mal, se deves continuar!? Vai prá puta que te pariu - fora a tua mãe que não tem a culpa! Não quero é aí “cossas” no meio!!!...
Fiquei em silêncio, com um sorriso insonso, enquanto ele partiu para mais uma volta dos seus deveres de maquinista. Aproveitei o momento e arrumei o portátil.
- Engoliste algum sapo?! Escreve para aí o que quiseres “hóme”! Não quero que percas a tusa por causa cá do paizinho! Podes falar de mim mas com uma condição, só falas bem e não contas daquela vez em que apalpei as mamas à patroa!... Mas continuo na minha, essa coisa dos bogues (blogues! - Corrigi!) é de quem não faz nada e não chega a casa cansado! Para a próxima vez, em vez de trazeres essa porra, traz mas é um naco de carne para assarmos aqui e um garrafão lá dos lados para onde vives que ouvi dizer que é bom e nunca o provei!
- Vou ali ao carro, já venho!....
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22 comentários:

Kaotica disse...

Ah g'anda Cossa, dá-lhe cumprimentos meus. Pergunta-lhe se não quer assinar o abaixo assinado a exigir a proibição dos despedimentos! E já agora quando falares com ele outra vez vê lá se sacas o que ele pensa da União Europeia e dos euros.

E a carnuncha estava boa?

lili canecas disse...

Este Cossa é cá dos meus. É genuíno. Só espero que a entrevista ao Cossa não termine por aqui.
Um abraço ao Cossa que não tenho o prazer de conhecer.

antonio ganhão disse...

Os fins da blogoesfera! Excelente título para um post, acho que vou roubá-lo.

Quanto ao Cossa, ele é um verdadeiro prodígio! E tu o que pensas fazer? Turismo industrial? Pôr a malta a trabalhar na fornalha e nas caldeiras durante os fins-de-semana?

Olha, faças o que fizeres é do Cossas que precisas. Só pela sua linguagem, merece uma estadia na fábrica.

Camolas disse...

O Cossa não é herói nenhum, é mais um desgraçado a quem sumegaram a auto-estima durante mil anos de exploração

José Lopes disse...

A liberdade do Cossa, pelo menos no linguajar genuíno aqui espelhado, faz-me lembrar as muitas vezes em que este "ser civilizado", (é assim que me chamam, apesar de eu preferir o "ser domesticado"), sente surgir as ganas de correr uns quantos "senhores" com umas quantas palavras em português bem vernáculo.
Cumps

polidor disse...

continuo na minha... realmente tens genica na escrita...

abraço

MARIA disse...

Majestade entendemos todos que levou o pobre do Cossa às ...
me-ni-net-es. Logo ele, habituado à realidade da vida saudável da natureza verde que o rodeia ...
:-) Que pecado.
Acho que ele merece algo mais Real ...
:-)
Pronto, já brinquei.Agora a sério : texto intenso, lindo, como sempre.
Depois, a sua ligação à Terra tem aquela dualidade da sua essência, oscilante entre a beleza das coisas mais simples da Vida e a sua capacidade de chegar além, de torná-La grande pela elevação do espírito, pelo alcançe da visão ...
Muito bonito.
Devia mesmo editar a sua escrita em livro.

Beijinhos

Maria

salvoconduto disse...

Ai o caralho do Cossa apalpou as mamas à patroa?!!! E o comuna és tu?! Ele é que a sabe toda! Comeu-te as papas na cabeça!

Pata Negra disse...

Kaótica
O Cossa não sabe o que são nem para que servem os abaixo assinados nem pensa nada acerca da Europa. O que lhe dá mesmo cabo da cabeça é ter de converter euros em escudos!

Um abraço operário

Lili
Não, a entrevista não acaba aqui! Vou ter é dificuldade em lembrar-me do resto da conversa!
Um abraço a revelar o Cossa

António
Aqui não há roubar, o que está aqui é nosso!
A verdade é que eu não penso fazer nada, estou com muita dificuldade em pensar!
Um abraço da fábrica

Pata Negra disse...

Proteja
Isso faz-se com preservativos?!

Camolas
o Cossa, tal como todas as pessoas que conheço não é herói mas também não é um desgraçado! É um homem, um amigo que teve o azar de me cair na mira e só isso! Qualquer dia és tu!
Um abraço lamolas

Guardião
A liberdade do Cossa anda dez metros à volta dele. Para lá desse espaço o mundo é de outra gente!
Um abraço apertado no espaço

Polidor
Um abraço com a genica

Pata Negra disse...

Maria
Tu és como a padeira que me trás o pão a casa, os teus comentários são autêntico pão para a boca, as tuas palavras não precisam de conduto!

O Cossa é um brincalhão atrevido, não terá uma vida saudável mas terá sempre por perto o respirar do feminino!

Brinca sempre, conheces suficientemente a Corte para saberes que não sou rei para passar além de Sagres!

Beijinhos especialmente reais

Pata Negra disse...

Salvo conduto
Já tinha desligado desta coisa quando detectei o teu comentário: então no meio de um cenário tão intenso foste te fixar logo nas mamas da patroa?! Eu que já me tinha esquecido de as ter citado, fico preocupado! Será que tenho de voltar a elas, descrevê-las, fazê-las personagens?!...
Um abraço sem decote

Compadre Alentejano disse...

Afinal. o Cossa comporta-se como um puro alentejano.
Estou a gostar da "estória"
Um abraço
Compadre Alentejano (de pai e mãe)

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

Deste post vivo e intenso fica-me apenas uma certa tristeza ou talvez uma pontinha de inveja por não ter conhecido o Cossa e poder ser sua amiga.


Abraço

mfm disse...

Majestade, embora não pertença exactamente a esta corte, é com um misto de perplexidade, admiração e ternura que a visito,e...apreendo sempre alguma coisa...ou alguma coisa me deixa a pensar .

José Lopes disse...

Hoje decidi dar música lá no cantinho, e a escolha foi para os Xutos, pois é claro!
Cumps

Pata Negra disse...

Compadre
Alentejo com Algarve?! Que grande caldeirada!
Um abraço beirão

Silêncio
Isto não é para ficar triste nem para ficar alegre. Todos podemos ser amigos do Cossa, basta que falemos com ele tu cá tu lá.
Um abraço inbejoso

Pata Negra disse...

MFM
Quem reconhece a majestade passa a ser membro da corte - sem perplexidades, sem admirações e sem ternura - o Rei é duro de toucinho!
Um abraço à nova fidalga

Guardião
Engenheiros?!...

Marreta disse...

Desculpa lá ó imperador dos suínos, mas desta vez até aqui o velho Marreta deixou escorrer uma lagrimazinha.
Este post diz-me qualquer coisa, muita coisa.

Saudações nostálgicas do Marreta.

Milu disse...

F-se tanta asneira! Apesar dos "carvalhos" "cozidos" está engraçado. Maluco! :D

do Zambujal disse...

Estou de acordo! Com quê? Não sei...
Gosto de te ler e de passar pelos comentários de quem te lê.
A escrita vernácula pode ser a realidade em prosa. Tu fá-los (falos?!...) muito bem.
Mas o que é que estou p'ráqui a escrever a modos de crítica literária?! Paro já com o que estava a parir...

Um abraço ao Cossas (tenho por aqui vizinhos e amigos bem parecidos com ele)


Até logo

Maria disse...

Majestade, a fábrica é a mesma delícia, o forno ardente, o pão bem amassado. Vai um pedacinho
?
Tem sempre guardado Vossa Majestade o seu pedaço.


Um beijinho muito amigo e viva bem o Natal. Em menina sonhava a liberdade como o Natal : boa e difícil de construir . BOAS FESTAS PARA SI E TODOS OS SEUS.

Beijinhos

da sua sempre amiga

Maria