quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

15- A Fábrica noite dentro

- Vou ali ao carro, já venho!...
Por acaso até não me tinha esquecido, tinha no carro três garrafas da adega cooperativa para lhe oferecer. Para completar os seus desejos dei uma volta passando pela padaria e pelo talho. Quando regressei, o Cossa fez-me as perguntas esperadas, disse-me onde havia sal e deu-me ordens de preparação da brasa. Ele mesmo virou e revirou a assadura não sem que antes tivéssemos provado do famoso tinto que muito o entusiasmou.


Do petisco prolongado surgiu-nos a ideia de telefonarmos para nossas casas inventando a desculpa de termos de chegar muito tarde por motivos de trabalho. Para que a mentira não o fosse realmente e para que a festa continuasse com todos os ingredientes era conveniente que também a fábrica não parasse. Não seria a primeira vez que o patrão, que nutria completa confiança pelo seu único operário, receberia um telefonema do mesmo informando-o de que seria preferível trabalhar noite adentro para queimar toda a resina das cubas de pré-aquecimento do que parar para, na manhã seguinte, repor em funcionamento toda a maquinaria e a caldeira central.
Da minha parte, além do convívio e do divertimento da aventura de voltar a sujar-me nestes trabalhos – obviamente que teria de colaborar nos serviços para os quais fosse solicitado pelo chefe Cossa – estava ali à mão da noite, a solução de desenterrar recordações que me servissem para continuar por mais duas ou três semanas as Fábricas da Quarta de que este blogue tanto precisa para se manter em laboração.
Estávamos ainda na fase da mastigação quando me lembrei que o melhor mesmo seria começar pelas “mamas da patroa”.
- Oh Cossa! Que história é essa que falaste há pouco (na Fábrica 14) de eu não poder contar “daquela vez em que apalpaste as mamas à patroa”?! Embora não me recorde nem da história nem dos mamilos, com a proibição, despertaste-me as vontades de contar e recordar!

Andariam meia dúzia de homens a carregar um camião com barris. A mulher do Senhor António, a patroa, apareceria por ali muito raramente e sempre à procura do marido. Naquela ocasião, ele não estava e ela decidiu aguardá-lo, entretendo-se junto dos trabalhadores com perguntas e observações diversificadas acerca disto e daquilo, próprias de mulher poderosa, curiosa, chata e carraça. O Cossa estaria a rebolar um barril quando, ao passar por ela tropeçou, deu três passos cambaleantes acabando por suster a queda meio agarrado à senhora. Meio agarrado, porque as mãos lhe pararam nos seios avantajados e, agarrar-se por inteiro seria abraçá-la toda o que não aconteceu. Caiu apenas ele, não por insuficiência do amparo mas porque foi repelido violentamente vindo a ficar deitado, de cabeça, virado para cima mesmo entre os dois artelhos da patroa.
- Ai este cabrão que me apalpou as mamas e me viu as cuecas!
E zás, um pontapé na cabeça do prostado e a promessa que “o meu António vai saber de tudo e dar-te-á o merecido castigo e o devido destino ao teu emprego”.
O Cossa levantou-se, com o rosto ensanguentado e as roupas decompostas, qual moço forcado que desiste da pega. Seguem-se os sururus e os movimentos esperados dos presentes.
Entretanto eis que chega o marido, um homem alto, trancudo e sagaz que lhe exclama à bruta:
- Então meu filho da puta! Isto é a da Joana!? Isto é o que se quer?! Eu estou ausente e fazes-me isto à mulher?!
O Torneiras sai em socorro do companheiro de trabalho:
- Este pobre diabo já anda bêbado desde manhã! Mal se tem em pé! Não foi por acaso que tropeçou mas também não foi de propósito!
As explicações do Torneiras, aqui abreviadas, terão contido a ira do Senhor António que partiu com a senhora sua esposa em direcção ao escritório.
O Cossa nunca foi homem de beber até cair e, na minha opinião, tudo não deve ter passado de um acidente de trabalho. Acontece que, passados estes anos, a vítima se gaba de que se tratou de uma aposta de cem mil réis que fez com o Torneiras em como era capaz de apalpar as mamas da patroa. Mais, que nunca exigiu o referido pagamento porque, se não tivesse sido a intervenção do outro apostador, teria passado por muito maus lençóis.
- Não vi cuecas!...
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15 comentários:

Anónimo disse...

Belo texto com imagens literárias muito interessantes e sugestivas.
Aposto que o Senhor António nesse momento em que o Cossa cumpria a aposta estava de visita a uma Laurinda...
E o Cossa, após esse contacto sangrento, chegou a alguma conclusão ? O Senhor António não utilizava o material porque ele não prestava, porque era homem para muito alimento e não bastava, ou já estava fora de prazo de validade ...
Grande lição a do Cossa, quando se larga uma coisa ou se prescinde dela sem qualquer cuidado, achá-la mesmo manualmente não deve ser crime ...
Parabéns pela estrutura do texto, pelo humorismo e sentido crítico de que o carrega, pleno de imagens reais. Muito bem conseguido , mesmo, Majestade !

Hélio Madruga

MARIA disse...

Viva Majestade,

Vou estar algum tempo ausente por imperiosa necessidade, mas não resisti a este texto delicioso, como o são todos os que escreve.
Grande Cossa . Depois de ganha uma aposta dessas nunca mais voltará a ser o mesmo homem !

Um beijinho amigo e até um dia.

Maria

José Lopes disse...

O Cossa não terá perdido grande coisa, a não ser o valor da aposta que não cobrou, eheheh.
Cumps

antonio ganhão disse...

Finalmente se serve vinho nesta casa!

Quanto ao amparo das mamas da patroa ficou a história, ou a lenda e entre uma ou outra, publique-se a lenda!

alberto cardoso disse...

Olá Majestade!
Não fora o Torneiras e o Cossa podia levar uma coça do Senhor António e dos seus servis empregados que, por certo, os havia.
Mais um pedaço da vida de Sua Majestade aqui contada com a arte a que nos habituou. Hoje, até, com uma fotografia da famosa Fábrica que todos imaginávamos ser, mais ou menos assim, graças à forma fiel como foi descrita. Eu, que não imagino sequer onde fica a Terrinha (que nome amoroso!) onde Sua Majestade nasceu e cresceu, quase podia jurar que já vi em algum lado aqueles barris amolgados arrimados àquelas paredes. Será que fica para os lados de Gaia de Cima, povoação que, por motivos profissionais, conheço razoavelmente bem? Se for um dia destes bato ao portão do Palácio Real para lhe prestar, Majestade, as minhas homenagens.
Alberto Cardoso

P.S. Estou triste, Majestade. Parece que a «nossa» diáfana e bela Maria se vai ausentar e daí perdermos o prazer dos seus comentários. Por mim, desejo-lhe as maiores felicidades e que regresse tão rapidamente quanto possível.
A.C.

MARIA disse...

Majestade,
Tenho ponderado sobre a sua deliciosa fábrica de hoje e ocorreu-me que essa história que o Cossa lhe contou pode ser sido efeito das 3 garrafas de vinho que Vª Majestade lhe ofertou, não ?!...
Cá para nós, mesmo tratando-se do Cossa, pelo que me recordo das fábricas anteriores, a mulher do Senhor António não era fácil de lidar ...
Acha mesmo que o Cossa era Homem com peito para tanto ?!...
:-)
Se me permite deixo um beijinho especialmente amigo para o nobre Alberto.
É provável que não tenha muitas possibilidades de publicar regularmente algum tempo.
Esse é o significado da ausência.
De resto mesmo que me falte a inspiração muitas vezes, nunca me ausento dos amigos.

Com que então Vª Majestade, a avisar que trabalhava até tarde para poder usufruir da febra...
Assim grelhadinha e regada pelo discurso animado do Cossa, aposto que não deu trabalho a digerir.

:-)

Obrigada pela força.
Para vós também desejo tudo de muitooooo booooom.

Beijinhos.

Maria

Nocturna disse...

Majestade,
Neste momentos difíceis que atravessei, a leitura é uma boa forma de pensar noutras coisas, que não ,as que nos estão a afligir.
Deu-me para ler (reler), todas as «Fábricas» de seguida. Uma vez mais reitero a minha admiração pela sua escrita e a grande admiração por essa grande figura que é o Cossa .
Seja personagem ou realidade, tanto faz , ele tem tanta espessura que vive connosco e esperamos por ele cada semana .
Para quando o livro ? Temos que fazer uma grande patuscada para celebrar.
Eu sei que os tempos estão ásperos mas ...
Um afectuoso abraço
Nocturna

Marreta disse...

Cá para mim a aposta era mais puxada: verificar se a cor do cabelo de cima correspondia com o de baixo!
E se não viu cuecas, comprovou, ou não...

Saudações do Marreta.

polidor disse...

porra! esta patroa não perdoa, bem podia ter pregado um pontapé nos tomates do Cossa...
abraço

Meg disse...

Pata Negra,

Mas este Cossa é um bocado azarado... ou o azar é outro?
Caramba!


Um abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...

Pata Negra

Sã convivência esta em que existia uma cultura operária que aproximava as pessoas.
Hoje as pessoas não têm solidariedades. Quando o gaijo está em maus lençóis só pode haver quem o enterre mais.
A "tua fábrica" daria muitas lições a empresas sacanas criadas num mundo sem ética em que os exemplos da falta de ética são ensinados na escola, na TV e em tudo o que é sítio.

Abraço ético e operário

Compadre Alentejano disse...

O importante é que a esposa do senhor António não usava cuecas!
O Cossa e o Torneiras organizaram toda esta cena, para verificar se era verdade...
Um abraço
Compadre Alentejano

Milu disse...

Eheheh! Fartei-me de rir! E se eu estava a precisar, de me rir! :)))

jrd disse...

Ganhou a aposta e agarrou-se às mamas da patroa para não cair da bebedeira.
Abraço

do Zambujal disse...

Boa prenda de natal.
E que tal? Fio dental?

Foas Bestas
Neliz Ano Fovo
Piva o Vovo

Abraços para todos/as (de uma mais um a duas mais dois)

esbaralhado tou!