domingo, 16 de agosto de 2009

Fátima segundo Pessoa


A arca pessoana continua a surpreender. Entre versos e fragmentos, os especialistas têm encontrado uma míriade de escritos que revelam um poeta atento à sua época. Muito desses textos eram projecto de livros e de artigos que, no entanto, ficaram por publicar.


O volume "Fernando Pessoa: O Guardador de Papéis" organizado por Jerónimo Pizarro e editado pela Texto Editora, nas livrarias a 24 de Junho, revela algumas dessas facetas desconhecidas, reunindo as intervenções do colóquio homónimo organizado pela Casa Fernando Pessoa. Entre as mais surpreendentes está a posição do poeta em relação às aparições de Fátima. O historiador José Barreto recolheu vários textos, alguns deles inéditos, como este que aqui antecipamos, pensado para o Diário de Lisboa. É um olhar irónico sobre uma realidade que já na altura arrastava multidões e, nas palavras de Fernando Pessoa, vários negócios.
Fátima é o nome de uma taberna de Lisboa onde às vezes... eu bebia aguardente. Um momento... Não é nada disso... fui levado pela emoção mais que pelo pensamento, e é com o pensamento que desejo escrever. Fátima é o nome de um lugar da província, não sei onde ao certo, perto de um outro lugar do qual tenho a mesma ignorância geográfica mas que se chama Cova de qualquer santa. Nesse lugar -- em um ou no outro-- ou perto de qualquer deles, ou de ambos, viram um dia umas crianças aparecer Nossa Senhora, o que é, como toda a gente sabe, um dos privilégios infinitos a que se não parte a corda.
(...) e assim como passou a haver "liberdades" em vez de "liberdade", assim também passou a haver crenças em vez de crença, fés em vez de fé, e vários outros plurais ainda mais singulares.
(...) Seja como for, o facto é que há em Portugal um lugar que pode concorrer e vantajosamente com Lourdes. Há curas maravilhosas, a preços muito em conta; há peregrinações que dispensam o combóio (criação do estúpido etc!).
(...) O negócio da religião a retalho, no que diz respeito à Loja de Fátima, tem tomado grande incremento, com manifesto extase místico da parte dos hoteis, estalagens e outro comércio desses jeitos--o que, aliás,está plenamente de acordo com o Evangelho, cuidando-se de bens materiais,"Buscai-vos o Reino de Deus e todas essas coisas vos serão acrescentadas".


Fernando Pessoa Jornal de Letras nº 1010 de 17-30 de Junho de 2009

11 comentários:

Zé Povinho disse...

Aqui o Zé está ainda de férias, que se interrompem geralmente ao fim-de-semana, que o sossego é perturbado por outros que também estão de férias e aparecem cá pelo pedaço. Estas férias vão durar, em contraste com as de outros anos em que dez dias eram um luxo. Vingança!
Li o post anterior, o do regresso, e não comentei, porque penso que também eu sou um dos que ando aqui porque me dá na real gana, e porque sou desalinhado, o que não é de todo um defeito (penso eu...).
Abraço do Zé

Compadre Alentejano disse...

Para mim, Fátima não passa de uma Meca, em ponto pequeno, para os católicos, com um grande pendor comercial... O Santuário é uma máquina de fazer dinheiro...
Um abraço
Compadre Alentejano

polidor disse...

na época ( e hoje tambem seria) grande o poder de observação e de análise do homem... sem "zigzags" e a dizer direitinho...

abraço

Zorze disse...

Pata Negra,

Pessoa seria uma belíssima companhia num final de tarde.
E eu humildemente também seria.
Um e outro, mais outros que viriam formaria-se uma tertúlia.
No Martinho da Arcada da época sem a poluição de hoje e com as prostitutas da época.
Enviaria um SMS ao Bocage - "Bora lá, pá. Que hoje a borga vai ser das grossas."
E de certeza que o amigo Pata Negra estaria lá a desgustar um queijinho fresco acompanhado de um Porto ou Moscatel.
Licor Beirão, também.

Abraço,
Zorze

salvo disse...

Há Pessoas que nunca me enganaram.

joshua disse...

Fátima faz-me feliz. Fernando Pessoa também. Vejo que o baú também tinha mofo e mofava.

Camolas disse...

- Vindo de Pessoa, ganha uma outra importância , o nosso Poeta tinha por grande estima os estudos metafísicos , transcendentais , espiritualistas, seja lá o que isso fôr.

Calor forte do alentejo

Maria Isabel Pedrosa Branco Pires disse...

Olá Magestade

Eu qualquer dia vou a Fátima a pé, mas 1º mudo-me para muito, muito mais perto!

As férias foram retemperadoras?

Um Abraço

Milu disse...

Majestade, muito folgo em vê-lo novamente por cá, nestas lides.

Na verdade, quem a Fátima for, se souber olhar com olhos de ver, bem depressa chega à conclusão, que por entre muitos dos que lá habitam não grassa a fé. Se não como me explicam todo aquele comércio apoiado nas figuras da Virgem e dos pastorinhos? É quase imoral, se bem pensado! Tanta coisa sem graça e sem qualquer utilidade, que só serve para arrebanhar mais uns trocos a quem tem fé, ou pensa que tem.

Estou a falar mas também já fui cliente. Uma dia, quando era miúda, eu e as minhas colegas da catequese fomos a Fátima, acompanhadas pela nossa catequista. Comprei um terço para meninas, penso eu, porque não consigo imaginar os rapazes com aquela artefacto tão delicado nas "mãoszorras". Era um terço muito bonito, parecia um colar, guardava-se numa caixinha que fazia lembrar um pequenino livro. Fomos para um qualquer campo por ali, para fazermos uma espécie de piquenique. A certa altura lembrei-me do terço e procurei-o onde julguei que o tinha. Nunca mais o encontrei. Procurei naquele espaço por entre as ervas milímetro a milímetro e olhe que sou muito persistente, mas o belo terço parecia que tinha sido tragado pelas entranhas da terra. Quando nos viemos embora vim sem ele. E vinha triste, muito triste! Foi uma frustração que me acompanhou durante bastante tempo. Só mais tarde, já bem crescida e conhecedora das misérias humanas, pude perceber que uma das minhas colegas desse dia, pecou. Porque o terço me foi roubado!
Um abraço.
Milu

do zambujal disse...

Também eu cuínho! De desfrute, gozo ou como queiram chamar ao meu cuínhar.
E não haverá mais uns heterónimos por descobrir?
Grande abraço

samuel disse...

Majestade!

Gaita... que assim dá gosto!...
O que eu dava para ser capaz de escrever uma porra assim... mas não é Pessoa quem quer...

Abraço.