Almeida tem um monumento que vale uma boa parte da fortaleza, chama-se João e auto-denomina-se Guia Turístico da Fortaleza.
Procuro, dentro das muralhas, lugar para o carro. Um jovem de mitra preta aconchegada à "pára", óculos de sol, calça e colete de domingueira tradição, indicou-me um lugar.
- Até aqui?! Arrumadores?! - pensei.
Que não e que não vinha à moeda mas tão só para nos pôr à vontade; se conhecia a Igreja da Santíssima "qualquer coisa"? se conhecia o hospital do sangue? se conhecia isto e aquilo? e que se não conhecia que não perdesse! Disse-lhe que, antes demais nada, iria comer a bucha e que depois daria a volta curta porque era longo o itinerário para o dia. Convenceu-me a dar com ele dois passos ao templo "louvado" para aprender como abriria a porta para a visita a não perder. Aí chegados, repetiu professoralmente o gesto de puxar o cordel que desarmava o trinco interior e, já no interior, empurrou demonstrativamente a moderna porta de vidro guarda-vento. Dei dois olhares no espaço arquitectónico e respondi-lhe com educada admiração que "pois claro, voltaria com a família depois das sandes de atum!". Na saída João repetiu, demonstrativamente, o processo de abertura e fecho de portas e eu fui ter com a família para comer as sandes de atum.
Depois do mata-bicho fomos todos à Igreja da Santíssima "qualquer coisa" e eu abri as portas tal qual aprendi. Enquanto visitávamos os altares, João entrou, nave acima, no silêncio a que a religiosidade obriga e nos acenos que o nosso curto conhecimento exigia, terminando a sua marcha junto a um púlpito em devoto afazer de preparação de uma leitura de missal. Quando se apercebeu da nossa retirada, veio educadamente abrir as portas, saiu connosco à rua e perguntou-nos se conhecíamos o hospital de sangue.
- Não conhecem? Eu mostro-lhes!
E daí para a frente mostrou-nos Almeida inteira, entre pormenores arquitectónicos, lições de história, dados da actualidade, remantando os episódios, entre passos ou locais sempre com:
- ... não sabe porquê?! eu já lhe conto!
ou
- ... não conhece?! eu já lhe mostro!
A certa altura, a figura e a simpatia de João, eram o nosso maior entusiasmo e foi assim que andámos quase duas horas de sol com ele e atrás dele.
A certa altura alguém lhe deu vontade do chi-chi e João conduziu-nos aos modernos lavabos:
- Quer ver? Ora abra a porta e pare! Veja!... Acendeu-se a luz!... Avance mais um pouco! Vê acendeu outra luz!... Não sabe porquê?! Eu conto-lhe: vê ali aquela coisa branca no tecto?!...
Se forem a Almeida, perguntem pelo João, conheçam um monumento de autenticidade, de simplicidade, de conhecimento histórico, de amor à terra e paguem-lhe, pois não fazem mais que a vossa obrigação.
Obrigado amigo João
Nota: vim a saber mais histórias do João no Blogue do Castelo.
5 comentários:
A junta também lhe devia pagar. O João já está na lista.
há pesssoas que surpreendem, julgamos nós que já não existem bondades...
abraço
- Lá estarei em Outubro, ainda por cima Almeida, que eu gosto tanto.
Gracias!!
Esta autenticidade não será substituida por nenhum profissionalismo autêntico, nem algo com semelhante designação, porque nós (portueses) não sabemos "vender" o que é nosso: a nossa História e o nosso Património, muito menos cuidar dele.
Ainda vivemos à sombra de um Hermano Saraiva, e de uns livros do tempo do Alexandre Herculano, mas a verdade é que por razões várias a História e o Património cristalizaram-se no tempo, e quase nada de novo foi divulgado, a nível académico ou simplesmente turístico.
Abraço do Zé
A próxima vez que for a Almeida, vou à procura do João. É destes indivíduos que procuro para conhecer uma localidade.
Um abraço
Compadre Alentejano
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