terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

8- Que se lixe o título


No dia seguinte Cipriano confirmou-me:
- Chama-se Teresa!...
Por volta das quatro da tarde saiu da roulote e entrou no café sem olhar os presentes. Nada do que se lhe via poderia identificá-la como rapariga de circo. Trazia um casaco de fato de homem, umas calças de ganga, uns ténis e o cabelo desgrenhado. Sentou-se ao balcão, pediu um café e acendeu um cigarro. Eu estava numa mesa sozinho a folhear uma revista em posição de lhe poder mirar o perfil.
Ouvi-lhe o “até logo” de despedida a quem a servira e eu procurei-lhe o olhar quando passou junto a mim. Atrevido, atirei:
- Olá Teresa!
- Conhecemo-nos?!
- Gri!Gri!
- Deves ser o Joaõzito!?
Uma timidez infantil invadiu-nos a ambos e faltou-nos a inocência que tínhamos em crianças. Não conseguimos prolongar o discurso para que o encontro fosse satisfatório, nem sequer um beijo de cumprimento, apenas o “vemo-nos por aí!”

Como o espaço era público os ensaios da banda tinham sempre gente a assistir. Nesse dia à noite, estávamos nós a preparar o “Something” para o repertório, Teresa entrou no salão com um familiar do circo e ficaram por ali a observar-nos. Cipriano chegou com umas cervejas, mandou-nos parar e apontou algumas passagens da música que não estavam correctas. Teresa e o acompanhante deram-se à conversa e foi-se alargando a confiança. Às duas por três, ela tomou o lugar do Tarolas que se fora embora, e pôs-se na bateria a brincar connosco ao improviso. A noite alongou-se e no fim já era só eu e ela. A partir daí, procurei em cada minuto, em cada gesto, em cada palavra, um pretexto para avançar, estava a precisar muito de ter uma namorada.
- Tu fumas?!
Que raio de pergunta a dela! Pois se eu tinha estado toda a noite a fumar!... Trazia o charro já feito, acendeu-o e passou-mo. Demos mais uns toques inspirados pela erva mas a certa altura as teclas começaram a entrelaçar-se nos pensamentos e …
- Estou a ficar tonto! Vou lá fora!
Ela seguiu-me até ao pinhal, que era ali mesmo, com “seguir” preocupado.
- Queres vomitar?!
Agarrou-me de lado e encostou-me a cabeça.
- Isto já passa!...
Surgiu um beijo oco.
- Estou a ficar melhor!
Um pinheiro ajudou-nos a um beijo terapêutico e volta e meia senti-me curado. Envolvemo-nos até ao ponto de se tornar difícil parar. A certa altura a minha namorada ofegou-me baixinho:
- Estou a sentir uma pasta viscosa na mão!...
Tinha posto a mão num púcaro de resina.
- Como é que eu tiro isto da mão?! Isto sai com água?!

8 comentários:

antonio ganhão disse...

Bolas! Enfiar a mão no púcaro da resina quando se toma um pinheiro como apoio para uns resfolgantes momentos a dois... é mesmo azar!

A tua vida amorosa não tem sido fácil meu caro!

Alberto Cardoso disse...

Oh Majestade! Mas que raio de azar! Logo agora que as coisas estavam tão bem encaminhadas. Mas ali ao lado, na Fábrica, não havia aguarrás para limpar a mão da menina? Eu sei que, depois, já não era a mesma coisa… Bem, vou aguardar pelo próximo capítulo.
Alberto Cardoso

do Zambujal disse...

E saíu com água?

G'anda estória. Contas bem e quase me convences.

Um abraço

salvoconduto disse...

Tiveste uma sorte do caraças! Olha se ela te punha a mão na coisa... Qual aguarrás, qual carago, ainda hoje estavas aqui a gritar...

opolidor disse...

essa de ires para o pinhal... indigno de um monarca...
abraço com diluente

MARIA disse...

Olá Majestade, que texto bonito, leve, cheio de imagens sugestivas, de extremo bom gosto.
Sabe, esse seu namorinho fez-me lembrar o meu primeiro encantamento por um rapazito provavelmente com idade similar à que Vª Majestade então teria.
Coincidência maior foi meu pai querer baptizar-me Teresinha em homenagem a santa Teresinha por cuja imagem se apaixonou como se fora uma Madona de seus tempos. :)
Claro que minha mãe não permitiu que me colocasse o nome da santinha que ele venerava. Coisas de mulher ...Deve ter achado que eu não teria vocação para santinha.
:)
É bom recordar momentos que nos fizeram sorrir, momentos de esperança, época de fé nas relações humanas...
Gostei de recordar consigo, embora esteja em condições de assegurar-lhe que, no meu caso, não coloquei a mão na resina.
O ambiente era outro :)

Um beijinho amigo, Maria

Zé Povinho disse...

Onde é que colocou a mão?
Pois...
Abraço do Zé

Milu disse...

Eheheh. Este texto é sobretudo engraçado, porque ele está imbuído de espírito muito próprios da idade da juventude. Pata Negra, que juventude venturosa e saudável essa. Se não foi, então, engana muito bem!