- Os gajos explicaram-me, isto é o Ponto de Encontro 736. Se algum gajo se aleijar tem de ser trazido para aqui porque é aqui que vem ter a ambulância!
Tó Zé, o esclarecedor, nasceu aqui, cresceu aqui, aqui aprendeu a tratar do gado, do pasto, da vinha e do vinho. Nunca desenvolveu sonhos de sair daqui, nem mesmo quando, há quinze anos, a asfaltagem da estrada permitiu que aqui chegasse o primeiro automóvel. Com a estrada asfaltada um tipo adoutorado, amante do sossego, comprou aqui um terreno e fez uma casa. Tó Zé e a mãe viúva aprenderam a ter vizinhança e cuidam dela como uma horta. Não há muros entre os dois lares que se completam harmoniosamente com conhecimentos, haveres, gatos, galinhas e copos.
Tó Zé, amante do gado, da terra dura e do sítio com vista para um pedaço de Portugal, herdou uma parcela e comprou outra. Nelas estabeleceu a sua criação de gado bovino e caprino. A coisa não dava para muito mas dava para viver intensamente as alegrias e chatices da sua vocação de pequenino.
E não é que o raio do traçado da estrada lhe acertou ao comprido na propriedade, atirando uma borda de nada para a metade que vai ficar do lado de lá e quatro metros quadrados - quatro metros quadrados, reza a escritura já lavrada - na metade que fica do lado da casa da mãe?!
- Antes queria que tivessem feito aqui um rio! Pelo menos podia comprar um barco para atravessar com a tratorinha para o outro lado! Já viste? Fiquei sem nada! Para que porra quero eu o cheque? Nem dá para ir ao Brasil buscar uma brasileira! Vamos mas é beber um copo que este ano ainda há vinho! Para o ano, nem isso!
Chegaram hoje as máquinas, começaram a tombar árvores quase tão impiedosamente como os homens que riscaram no mapa a estrada a passar por aqui. São dias trágicos. Dizem que a IC vem desenvolver não sei quê em nome de não sei que progresso, que vem de não sei onde e vai sei lá para onde, que custa não sei quanto, pago por não sei quem e que tem de estar pronta antes que chova!
- Já viste a minha vida!? Eu já tinha ouvido falar de icês mas nem sequer sabia que eram estradas! Traçado de IC!? Pensei que era alguma marca de gasosa! Como não gosto de estragar o vinho, gosto dele simples, pensei que não era nada comigo! Afinal traçaram-me foi do mapa a mim! E já me disseram que são estradas tão boas que nem podem andar nelas as tratorinhas!... É assim a vida do "home" pobre!
13 comentários:
Gosto muito do seu texto. Gosto da vida simples do protagonista. Pena ele não gostar de portuguesas, mas ainda assim todo o seu perfil me inspira grande ternura.
O máximo dos máximos é a sua ironia no final do texto: no lugar da terra a estrada que ele nem poderia sequer usar já que não podia nela transitar com a sua tratorinha...
"É assim a vida do home pobre" - Delícia!!!
É como me sinto hoje : "um pobre home"
Um beijinho amigo
Maria
Confesso-me completamente rendido a este texto. É de escritor!
E tenho uma grande satisfação por conhecer e sentir amizade por quem assim vê e conta a vida à volta.
E se junto as minhas palavras às da comentadora anterior, excluo dessa junção solidária a última frase (não a do beijinho amigo...): é que o Tó Zé tão bem retratado não é "um pobre home"... é um "home" pobre!
Um grande abraço
Felizes os leittões que têm tal rei... :-)))
Grande texto!
Abraço.
Parabéns gostei muito do texto .É um reflexo da nossa vida cotidiana - nunca sabemos o que nos vão levar amanhã ou como de um dia para o outro nos podem transformar a vida de um modo radical.
Abraço
Olha, antes fosse o Bin-Laden, os estragos seriam bem menores.
Abraço
Bem me parecia que te tinham marcado. Aposto que traçaram a IC por aí, só por seres candidato. Estão a tentar desmoralizar-te. Resiste!
Quando o desenvolvimento serve de pretexto para alienar propriedades dos pobres, também a construção de uma qualquer IC, sem portagem, qualquer dia (brevemente) vira estrada a portajar, garantindo assim lucros a mais um "amigo-de-alguém-bem-cololocado-no-governo.
Bfds
Cumps
Se desse para andar nela com a tratorinha estava tramado na mesma. Alguém se lembraria de pôr uma cancela e obrigá-lo a pagar portagem...
Rei republicano Pata
já tenho pensado nesses traçados e chego a pensar que o traçador risca ou de olhos vendados ou, pelo contrário, fazendo pontaria... é que neste país não se pode confiar...
abraço
Pata Negra
É assim a vida de "home pobre" e é esta a voz do meu irmão Pata Negra que eu quero ver na Presidência para que não roubem aos pobres para dar aos ricos.
Quanta saudade mano!... Mas podia lá deixar-te!... Nós temos que caminhar juntos. Quanta luta!... Mas no Facebook também faço a minha parte!
Abraço apertado
Eu cuinho, porque sim senhor!
Cuinho porque tens razão...
Propunha, fora de contexto, sabão de alfazema, liga-nos aos espíritos.
Voltando ao material, e olha, que fala, quem se lava com sabonete de alfazema, não sei porquê mas elas adoram, daí algumas situações...
Estas histórias fazem-me lembrar as imensas expropriações de terrenos do falecido Xavier de Lima, na Marateca e por todo o Alentejo na construção da auto-estrada para o Algarve.
Com uma boa equipa de advogados, as expropriações são altamente rentáveis.
Tratei, na parte financeira de alguns... Foram muitos euros, eu sei, porque passaram por mim.
Abraço,
Zorze
não me digas que já deram cabo das minhas caminhadas?
Трогательная статья, как долго ожидать поступление нового материала и вообще стоит ожидать ?
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