segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Sete Pés Quatro


Albergue de Tuy
Era Sexta-Feira Santa e em Tuy havia festa.
- Estranho, festejarem o dia do calvário!...
Entrou na catedral românico-gótica e procurou informações acerca do albergue. Era logo ali nas traseiras. A porta secular estava entreaberta. Entrou. Chamou por gente até aparecer do alto da escadaria que subia do hall para o primeiro andar, uma mulher a responder em francês. Sete Pés dizia pouco mais do que “oui”, “non”, “bonjour” e “mademoiselle”. Recordava com saudade a Violeta, a professora da preparatória que apresentara as personagens da família Dupont e seu cão Patapouf. Tirara o quinto ano! Na altura foi um grande feito para um filha da puta como ele mas era frustrante ter de admitir que não conseguia construir uma frase com meia dúzia de vocábulos e relembrar a superioridade de sua mãe no domínio do francês, ela cuja aprendizagem se deve ter iniciado na cama com turistas e emigrantes, no meio de simulações de satisfação sexual a dizer Oh Non! Oh Non! Oh Non! Oh Oui! Oh Oui! Oh Oui!

A francesa era também peregrina e fez entender que já estava instalada desde a tarde e que não vira sinais de existirem funcionários no alojamento. Esclarecido, subiu as escadas percebendo que a mulher desaparecera para a camarata feminina e que ele teria de tomar lugar na dos homens. Os dois espaços estavam separados por uma divisória que não chegava ao tecto sendo possível escutar, de um para o outro lado, os movimentos que se passavam em ambos. Não existiam sinais de outros peregrinos e as instalações respiravam austeridade, asseio, bom gosto e hospitalidade. Um duche de água quente animou o caminhante. Se encontrasse sempre aquelas condições pelo caminho seriam excedidas as suas expectativas.

Quando saiu para jantar não viu a tal senhora. Veio a encontrá-la nas ruas da cidade velha, atoladas de povo em festa. Trocaram apenas um breve e deferente cumprimento. Jantou bem, deu uma volta digestiva e regressou ao albergue.

No dia seguinte a sua forma seria posta à prova e era aconselhável deitar cedo. Caminharia triste e fechado? Caminharia alegre e aberto? Andaria devagar e pesado? Andaria depressa e ligeiro? Concluíra, em tempos, da observação das pessoas, que a forma como cada um anda em determinada andança é função da vida com que se dá a primeira passada do dia. No seu caso, possesso de sete vidas, esse espírito variava consoante o pé que andava e só se manteria constante se algum dos sete se impusesse aos restantes e tomasse o comando, o que era raro na democracia interior que cultivava. O Caminho era de todos os pés e, como tal, seria de esperar variações de humor continuadas.

Quando chegou ao albergue percebeu que a nova companheira já estava deitada. Enrolou-se no saco cama preocupado com o facto de poder ressonar e incomodar. Não viria a pregar olho, os ruídos da festa e a ansiedade da caminhada não o permitiram.
 
No seguimento do Sete Pés Três e para continuar no Sete Pés Cinco.

10 comentários:

opolidor disse...

aguardamos os pés tamanho 5 com curiosidade...

abraço

Compadre Alentejano disse...

Afinal, o 7Pés tinha sentimentos!
Vamos ver como secomporta no futuro!...
Abraço
Compadre Alentejano

Zé Povinho disse...

Com o pé que tenho mais à mão aqui vai um chuto na bola até ao número cinco.
Abraço do Zé

Marreta disse...

Esperemos pelo Sete Pés 69, que vai lá chegar. Ai vai vai, com albergues e tudo a coisa vai lá.

Saudações peregrinas do Marreta.

samuel disse...

Já tinha "soidades" destas pérolas.
Venham os que se seguem...

Abraço.

antonio ganhão disse...

Insónia promissora...

Cristina Torrão disse...

E esta? Foi preciso entrar nesta coisa dos blogues para tornar a ouvir falar no Patapouf!!! E a família chamava-se Dupont? Já não me lembrava, só da menina que se chamava Nicole.

"Que mais poderá um homem desejar na vida além de caminhar?"

Nem mais!

Continue! Adorei o albergue!

do Zambujal disse...

... e aqui ficamos nós, à espera de 2ª feira para saber se ele ressona e ela vem ter com ele, ou é ele que não consegue adormecer e vai ter com ela, n'est-ce pas, ó pá?!

Abraço

Milu disse...

Já estou a ver no que isto vai dar!:D

MARIA disse...

Pois... realmente...a beata e os pés...
Não se esqueça que ao que indica a narração até agora os setes pés ainda são todos virgens, apenas se iniciaram nos caminhos de quem busca o Sagrado em sua vida ...

:)