A manhã do Dia de Páscoa cresceu de sol ameno. Passada uma hora de caminho, subida uma encosta, o ar e a vista da baía de Vigo contribuiram para que cada pé tomasse os seus próprios passos.
O Caminho começava a revelar o seu lado milenar. Pé de Vento pegava com o olhar pedaços de paisagem, ramos verdes das bermas ou pedras polidas dos trilhos polidos.
Por vezes o Pé Descalço recuava à Idade Média procurando reencarnar espíritos antigos, tentando encontrar a Fé do temor dos Céus. Insistentemente, Pé de Atleta dava a volta ao facto, e ao olfacto, de Marie France por ali ter passado há poucas horas, entretinha-se procurando vestígios do seu rasto, sentia-se levado por certo magnetismo que tinha de admitir, reconfortava-se com o facto de poder gozar a solidão sem se sentir só na caminhada.
Marie era uma peregrina, entre muitas, que os galegos viam passar, que deixava efémeros “buenos dias” aqui, atrás e mais adiante, uma entre tantos os que caminham e os que caminharam para Compostela. No que a ela respeitava, Pé de Atleta quis assumir o papel de comandante de esquadrão, ela não era uma mulher que atravessava a parada dum quartel, ela, ele e os outros dele, eram, naqueles dias, os únicos donos do Caminho.
Para um caminhante crente, o encontro com Marie seria uma aparição, uma dádiva, uma provação, um sinal dos Céus, um anel de casamento. Acontece que nenhum dos pés se movia por Fé mas basicamente pela essência da função de qualquer pé: locomover os corpos que suportam.
Marie, não o escondia, escrevia um diário. Sete Pés cumpria apenas a sua condição de realizar caminho, e fazer caminho é dar passos e, contar os seus passos, ele nunca o faria, nem por interposto narrador, como aquele que no presente caso em leitura está para aqui a divagar sem rumo e sem caminho. Mas continuemos, antes que "os porquês" respondam mal e nem sequer cheguemos a Santiago.
Neste segundo dia, todos os pés se sentiam completamente peregrinos, peregrinos especiais porque incluíam na sua espiritualidade o facto de serem sete em um.
Grandes e acalorados debates fizeram os pés de fantasia, uns saudáveis, outros nem por isso. É normal que o esgotamento físico traga à flor da pele a fraqueza do espírito sobre a forma de roupa suja para lavar, as frustrações pessoais, ou os defeitos do próximo para se lhes atirarem. Num pico de cansaço, veio aos peitos dos pés a tal fraqueza e a discussão acabou a pontapé:
- Só pensas em ser primeiro! Estás com pressa ou comichão nas partes?!! Descansa que não vais morrer hoje!
- Poupadinho, só pensas em dinheiro! Olha que o Caminho não é remunerado! Hás-de morrer rico!
- Ora andas a pisar uvas e a cantar, ora andas a sopas de cavalo cansado e a variar! Ainda te perdes ou te ficas no Caminho!
- Ora andas a pisar uvas e a cantar, ora andas a sopas de cavalo cansado e a variar! Ainda te perdes ou te ficas no Caminho!
- Irra que é chato! Que é que te dói agora? Desistir é morrer!
- Cala-te medricas! Vê lá se pisas merda!... Ainda morres de cuidados!
- Estás sempre a armar chinfrim! Arma mas é as velas e deixa de inventar tempestades porque podes morrer em alguma delas!...
- Pendura bolhento e mal cheiroso! Pobre nu! Hás-de morrer calçado com as meias do Pé de Meia!
E esta é apenas uma recolha feita a granel, de cada um, uma amostra, das bocas com que se mimavam entre si os pés juntos pelo destino. Valia que nos pontos de descanso vinha ao cimo a concórdia e o entendimento e os sete somados completavam o uno e indiviso, o indivíduo peregrino.
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Todas as segundas feiras. Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra
8 comentários:
Era mesmo até Vigo o mais longe que os pés me levavam, deixavam-me ficar no El Corte Inglés e à volta ainda paravam no El Campo para comprar os caramelos.
Já tínhamos o mistério trinitário e agora temos o de sete pés... as tuas visitas ao baú têm-te amadurecido a escrita.
"Valia que nos pontos de descanso vinha ao cimo a concórdia e o entendimento" - ainda bem. Já agora, gostaria de chegar a Santiago, espero que a empresa não fique por Vigo.
Se a Marie lá chega, os Sete Pés também hão-de chegar!
7 pés que se entendem quando o cansasso faz mossa? Pondo os mandantes a trabalhar até se cansarem, será que eles também se entendiam?
Cumps
ATENÇÃO
HOJE na TVI24 às 23h
Especial Informação
SÉRGIO RIBEIRO
Presidenciais 2011 -
Espaço especial de debate
Dia 26 de Outubro, às 23h00 no TVI24, com a moderação de Constança Cunha e Sá, com SÉRGIO RIBEIRO - economista representante do PCP, entre outros, irão debater as Eleições Presidenciais 2011.
(ver também às 22h o telejornal)
Parabéns Sérgio, não vamos perder este grande momento.
Bjs,
GR
Este GR é um ponto! Que raio anda ele aqui a cheirar? Este blog não é para todos.
7 Pés está a fazer a viagem dos meus sonhos, oxalá a termine.
Abraço
Compadre Alentejano
a verdade é continuo a saborear o caminho...
abraço
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