Tal como em Tuy, existiam duas camaratas mas com uma passagem larga e sem portadas de uma para a outra, junto ao balneário. Entre afazeres logísticos, camas, banhos e passadas, Marie e Sete Pés reavistavam-se de vez em quando, podiam ver-se compelidos a uma troca de sorriso mas a timidez natural de solitários, a barreira da língua ou o simples desinteresse não proporcionavam aproximação. Antes de saírem para procurar alimento, ambos precisaram de se estender na cama para aliviar o cansaço. Sete Pés topou que ela escrevia um diário e pôs-se a pensar nela e a alimentar suposições:
- Quem seria, do onde viria, porque estava ali?... Por acaso registaria no seu diário alguma coisa acerca do seu companheiro de viagem? Que mundo, que pessoas teria deixado para estar ali?… Por certo não faria a si mesma perguntas destas e ele não passaria, para ela, de um peão que só não se ignora completamente porque se nos atravessa no caminho.
Por pensar nisso, alguém teria dado pela falta do Filho da Puta na aldeia? Julgá-lo-iam migrado, emigrado ou morto? Perderiam tempo com o seu súbito desaparecimento após a morte da mãe? Teriam comunicado à polícia? Nem sequer ao taberneiro tinha anunciado a sua partida!...
Não sabia nada da francesa que observava discretamente entre beliches. De si próprio sabia alguma coisa: que tinha séptula personalidade, que vinha da terra que o ignorava, que estava ali para realizar Caminho.
Talvez o Caminho levasse a uma amizade!... Ao menos que ela lhe pudesse dar uma olhadela nas bolhas dos pés!...
Sentiu os passos leves aproximarem-se da sua cama e percebeu, com dificuldade, que estava aberta a possibilidade de irem jantar juntos. Sete Pés apontou a sua ida aos lavabos e, quando regressou, já não a viu. Desceu as escadas e encontrou-a a mirar a exposição do hall do edifício. Entre as parcas palavras possíveis, fecharam a porta, indagaram entre si a guarda da chave e, pelas ruas afestoadas, procuraram um dos restaurantes que as senhoras do albergue lhes haviam sugerido.
Sentaram-se como um par, comeram como um par. Só na escolha da comida é que foi difícil fazerem par, ou não fosse difícil a qualquer estrangeiro fazer escolha do prato em terra alheia. Entenderam-se no vinho e isso foi o mais importante. Sete Pés conseguiu desenterrar um pouco do seu francês de escola e entender que era bombeira reformada, que era duma vila dos Alpes franceses, Chamonix, que praticava alpinismo, que não partira de Valença mas de Fátima, que já fizera o Caminho Francês também sozinha, que as suas botas já tinham cinco mil quilómetros, que não tinha filhos e que o marido passava o tempo a ver futebol na televisão, facto que a chateava e, por isso, ela saía a dar estas voltitas a pé.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra
12 comentários:
Pois é, o amor pelo futebol dá nisso. Cinco mil quilómetros!!! Que se veja o que um marido indiferente obriga à sua senhora...
Só um homem trocaria um momento romântico por algo mais prático como uma olhadela às bolhas dos pés... brilhante.
Bem contado, sim senhor!
E isto do futebol, com as ligas internas, as europeias e os mundiais, ainda por cima com empates e prolongamentos e penalties que podem demorar muito tempo, dá mesmo para voltinhas até Santiago com passagem por Fátima e encontro a sete pés.
Cá estarei 2ª feira. Inté.
Abraço
A indiferença do marido será castigada?
Abraço cusco do Zé
Mais uma preterida pelo futebol...Depois não querem ser veados...
Ah! grande 7 pés! Aproveita!...
Abraço
Compadre Alentejano
coitada da srª que tem que esfarrapar o corpo para gastar as energias...
aguarda-se o próximo capítulo.
abraço
O marido está a pedi-las... :-)))
Abraço.
Dum excelente texto, como são sempre os que Rei aqui ´posta`, aos anteriores intervenientes só interessa especular se o comportamento do marido da Marie é merecedor que esta lhe ponha os palitos. Aposto que esta malta toda anda a seguir apaixonadamente as telenovelas da TVI. Que tristeza…
JFrade
Ó amigo Frade,
Toda a gente tem noção da maravilha que são quase todos os textos que o Rei aqui publica. Descanse que não está sozinho.
Já vi pelourinhos exibir mais sentido de humor! :-)))
Desconfio que só há aqui um que, afinal, sabe do que tratam as telenovelas da TVI. :-)))
Alfinetada, com alfinetada se paga! :-)))
Abraço.
Fiquei a saber que o amigo Samuel é o porta voz de `Toda a gente`que que lê os textos do Rei. E que `Toda a gente´tem um sentido de humor que só a mim escapa. Defeito meu, presumo. Mas das telenovelas da TVI não é. Só sei que existem por ouvir falar...
Abraços para toda a gente.
JFrade
Majestade, não tarda muito está o 7pés a embrulhar os pés pelas mãos...
Uma bombeira... oh Majestade...
Não nos venha continuar a narrativa dizendo-nos que a bombeira ateou fogo a alguma coisa ...
Seria anti pedagógico para a imagem das Forças da Paz. :)
Uma delícia de estória, cá se aguarda a continuação, pé, ante pé ...
:)
Um beijinho amigo
Maria
J Frade...
Porta voz de toda a gente?
Tomaria eu ser capaz de "portar" a minha!... :-)
Não se amofine... que era uma brincadeira, apenas.
Saudações.
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