Marie regressou e voltou a dizer, agora apenas com um movimento de inclinação de cabeça: - Allons y?!
Puseram as mochilas às costas e deram-se ao passo sem falar. Sete Pés continuou a pensar de coisas banais. A natureza da relação com a sua companheira de Caminho era enriquecida pelo facto da barreira linguística não permitir a banalização da palavra.
Uma Igreja. Marie tira uma fotografia ao pórtico. Sete Pés, fazendo a ponte com os pensamentos das imagens, pensa nas palavras que tornaram banais, inconsequentes e sedativas as homílias dos padres seculares.
À saída da cidade, numa rotunda, sinais de trânsito, painéis publicitários. A poluição visual! Palavras gráficas?! Oh! Imagens gráficas!! É demais! No Caminho devemos libertar-nos dessas coisas!
Atravessada a Ponte del Burgo sobre o rio Lerez, Pé Chato começou a repetir aos seus íntimos que não teriam pés para acompanhar a experiente caminheira, levando sempre ricochete do Pé de Atleta que reafirmava a sua determinação para acertar o passo na dura prova que os esperava até Caldas de Reis. Numa coisa todos os pés estariam de acordo: “como seria bom cumprirem aquela etapa com aquela companhia!”.
O discurso continuou escasso, talvez por conveniência, diferença de língua ou simplesmente porque nenhum de ambos era de feitio de se dar à banalização das palavras. Almoçaram juntos a omnipresente sandes de xamón mas, durante a tarde, os ritmos de andamento, o aparente, conveniente ou natural desprendimento entre ambos, a independência ou os diferentes modos de construir o Caminho separaram-nos. Ou então aceite-se que, por vezes, os chatos têm razão!
Sete Pés atravessou a ponte sobre o rio Umia que marca a entrada em Caldas de Reis – a antiga Aquae Celenae, um balneário romano de águas termais afamadas - com os sete pés zaragateando nas habituais discussões, desoxigenados, fora de si, obcecados pelo fim da etapa, por um assento de paragem.
Questionando a realidade ou a alucinação, avistaram na margem do outro lado, no rés-do-chão dos prédios de quarto andar, uma enorme esplanada com gente a chupar sorvetes, a sorver bivalves e a bebericar cervejas. Nas margens do quadro, uma mulher só, numa mesa de duas cadeiras e com a mochila ao lado. Era esse o destino. A cada passo exausto, a realidade vencia a alucinação.
- Olá!
- Oito cervejas!
Pediu a francesa como se já tivesse pressentido a multiplicidade do esperado Sete Pés. Ajeitaram explicações para o caminho do dia, para o desencontro e para o encontro e bebeu-se até o prazer de beber por sede dar lugar ao prazer de beber por prazer.
Marie já tinha investigado que naquela terra não havia albergue e que teriam de procurar um hostal. O “teriam”, dito na forma “teremos”, primeira pessoa do plural, embebedou Água Pé de autoestima e satisfação. A foto dos dois em Pontevedra não seria a última, “habemos” par!
Tanto assim foi que na recepção do hostal Cruceiro, o funcionário os entendeu como um casal e assim fez preço e, entre os dois companheiros, não houve hesitações ou indagar de expressões à circunstância de uma única chave lhes ter sido entregue.
Recepção Hostal Cruceiro
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra
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7 comentários:
Já estava a ver que o receio "de se darem à banalização das palavras" ia estragar tudo. Mas, bendito hostal, agora, ou vai, ou racha...
(é que há momentos em que não são precisas palavras... Espero que eles saibam isso).
A Marie gostará mesmo de Água Pé? A deste ano estava ainda um pouco turva no dia 11, mas agora já está limpinha, que o frio deu uma ajudinha.
Abraço do Zé a dar no pé
Convenço-me de que fizeste esta peregrinação... e agora deixaste-me curioso, que histórias nos guarda o hostal? Já sabemos que não serão de palavras banais.
Majestade, simpatizando eu tanto com o nº 13, não poderia deixar passar o momento sem deixar-lhe aqui uma impressão sobre este texto.
Efectivamente, revela conhecer muitíssimo bem o percurso dessa peregrinação.
E para além disso a sua escrita é sempre irrepreensível e encantadora.
Desculpará Vª Majestade, mas há umas pequenas coisas que não compreendo : aonde permanece o marido dessa Marie enquanto ela se refastela de pés ?...
Não me diga que depois vai invadir o Hostal Cruceiro e tirar ao Sete pés qualquer coisa que lhe faça mais falta independentemente do caminho ?...
Pronto.
Não tento adivinhar.
É escusado. Já sei que nos surpreenderá mais uma vez.
Um beijinho sempre amigo da
Maria
ça ira!
Que tudo corra bem... até a viagem de regresso que pode ter de ser feita um pouco apressadamente com tantos pés às costas.
Olha, continuo a gostar do contar.
Abraço
Sinceramente... votos de "boa viagem"!
Abraço.
e o mais interessante é tambem o poder descritivo dos lugares...
abraço
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