segunda-feira, 25 de abril de 2011

35 - O Caminho do Fim da Terra

- Estás convencida que um dia serás famosa por isso? Para que raio escreverá uma pessoa se não for para outros lerem? Para ler só ela, só se tiver um problema grave de memória ou se gostar de se masturbar literariamente?

As considerações a propósito do diário secreto de Marie foram florindo e fizeram dele fruto apetecido, fruto proibido, aguçando a curiosidade, a ousadia, a fraqueza ou ciúme de Sete Pés. Foi Pé Ante Pé que, numa manhã em que Marie foi a Cee sozinha tratar de assuntos de banco e de compras para o dia a dia, primeiro avançou sobre a encadernação que compunha o manuscrito! Foi Pé Chato que se pôs a ler aos outros pés, em assento e acento de professora, de avó, de avô, de pai ou tia – pronto! de quem lê histórias! - num tom de desvendo, revelação, historieta, história, romance, diário, de conto… e contou…

Não seria surpresa que ali se relatassem coisas do Caminho e de coisas outras e outras pessoais e/ou banais, que se escrevem em diários de senhoras que vivem ou caminham com os seus devaneios. E até se aceitavam coisas em que os pés entravam e saíam porque da presença e companhia deles seria justo o registo.
Agora que Marie registasse a mística dos Pés, que fizesse referências a cada um e ao seu desempenho sexual e que, pelas confidências do namoro, tivesse escarrapachada esta história, que aqui se conta, até aqui, pareceu a muito!

(Sim porque esta história que andais a ler há trinta e cinco semanas é o diário adulterado, a história que Marie, apropriada das confidências do Pé Descalço, foi escrevendo e usando.
Nesta situação, a partir deste parágrafo, já não se sabe quem escreve ou conta. Por isso, o melhor é deixar tudo como anteriormente e fazer de conta que a narradora não se chama Marie e que isto não é o seu diário.)

Quando ao fim do dia Marie regressou de Cee, Pé Ante Pé, primeiro de pé atrás, depois de rodapé, pôs o pé na fossa e de pé para a mão – melhor, para a boca! - largou:
- Mas que merda é esta?!
O diário de Marie nas mãos de Sete Pés!... Marie artilhando a boca, estremecendo os lábios em pé de guerra! Os sete pés embrulhados em pose de “sempre em pé”…
Água Pé, que tinha passado a tarde a abrir e fechar o frigorífico, precipitou o questionário e meteu o pé na argola, a mão na ferida e Marie ficou ferida de ir embora.
- Violada! - nas palavras dela.

Das palavras dessa noite fez-se o caldo que azedou o lirismo do romance. Nos três dias seguintes a este episódio choveu muito, a aldeia tornou-se num enorme lamaçal, a vida forçada em casa gerou tédio e cansaço mútuo. Ouvia-se nas notícias que um petroleiro havia feito das suas nos mares altos e vivos da Galiza. Dia após notícia, o nome Prestige entrou no vocabulário quotidiano.

Mesmo assim, apesar da tempestade que se estabelecera entre os dois e na Cuesta da Morte, durante uma acalmia, encontraram espaço para se sentarem de mãos dadas, no banco corrido da varanda corrida das traseiras da casa, a olhar o mar.
- Vês uma mancha negra além no oceano?
__________________________________________________
Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.

12 comentários:

antonio ganhão disse...

Também eu vou fingir que não andei a espreitar o diário de Marie... adorei a dança dos pés e o climax que deles extraíste.

Mas pé ante pé afasta-te dos diários alheios...

MARIA disse...

Majestade, essa Marie é uma mulher pouco comum, muito pouco comum.
As mulheres quando amam e são bem amadas não fazem diários. Farão, quando o amor acaba, quando algo insatisfaz, quando... olhe, quando não têm outra coisa para fazer :)
As mulheres bem amadas também não falam do desempenho sexual dos companheiros. As mulheres que falam com as amigas( p ex ) do desempenho sexual dos companheiros, ou assinalam um problema para o qual pretendem ajuda, ou banalizam o acto sexual que até pode ser prazeiroso, mas não terá paixão.
Em estado de paixão só "ele" serve de confidente, só no corpo dele se escrevem todos os segredos e descrevem todas as fantasias sobre as maravilhas da Terra e para além dele não há nem o espaço de um caderno para escrever :)
Essa relação, Majestade, está morta. Pode pedir cangalheiro para todos os pés :)

Um beijinho amigo.
*_*
Maria

MRPP disse...

...nao acho que o mal seja o diário em si, ate acho o contratio quem nunca teve historias bonitas dignas de registo (principalmente em determinadas idades) é que nunca sentiu essa necessidade...Mas claro que ate aí as cofidencias têm limites...
...quanto ao romance,...como quase todos os que nascem ja tortos...sera muito dificil de vir a ter um desfecho feliz, sao pes a mais para uma Marie Só!!!

Compadre Alentejano disse...

Sete pés portou-se muito mal. Não devia ter sido curioso...
Abraço
Compadre Alentejano

opolidor disse...

O "Dos Pés" vai perceber que na vida nem tudo são rosas e nem o mar é sempre limpo, quer dizer, sem manhas de crude...

abraço

Zé Povinho disse...

Metidos os pés pelas mãos a coisa começa a ficar manchada e não é só de crude.
Abraço do Zé

Anónimo disse...

Esta Terra não tem fim. Não estarão já no mar?

MARIA disse...

Já agora Majestade, cresce em mim um formigueiro de curiosidade :
- que dizia Marie no seu diário ?
Ela apaixonou-se por algum dos pés do 7 pés, caíu de pés, bateu com a cabeça, ou tudo isso foi só passeio e peregrinação ?
:)
Do desempenho do 7 pés, por favor, não conte nada, não vá o pobre dar por aqui uma passada ....

Depois eu estou mesmo a ver que esse Diário está para a Marie como o livro amarelo para uma repartição de finanças...
hum...
talvez menos ...
um bocadito menos... finanças ... é mais braços e mãos, mas também se sentem pés , por vezes :)

Bom Majestade, revele um bocadinho do diário. :)

um beijinho amigo

Maria

Mar Arável disse...

Na verdade só ficção

porque o barco vai de saída

desanda folha ante folha

Abraço

SILÊNCIO CULPADO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
SILÊNCIO CULPADO disse...

Rei Pata Negra, Querido Amigo

Tinha saudades de passar por aqui. De te ler. De sentir esta autenticidade que cada vez é mais escassa. O Diário de Marie tem aquele toque que só tu sabes dar. Não sei porquê mas lembrei-me ao ler da "Construção" do Chico Buarque. O Caminho do Fim da Terra é um título muito sugestivo. Vou ler mais coisas.
Um abraço apertado.

SILÊNCIO CULPADO disse...
Este comentário foi removido pelo autor.