As considerações a propósito do diário secreto de Marie foram florindo e fizeram dele fruto apetecido, fruto proibido, aguçando a curiosidade, a ousadia, a fraqueza ou ciúme de Sete Pés. Foi Pé Ante Pé que, numa manhã em que Marie foi a Cee sozinha tratar de assuntos de banco e de compras para o dia a dia, primeiro avançou sobre a encadernação que compunha o manuscrito! Foi Pé Chato que se pôs a ler aos outros pés, em assento e acento de professora, de avó, de avô, de pai ou tia – pronto! de quem lê histórias! - num tom de desvendo, revelação, historieta, história, romance, diário, de conto… e contou…
Não seria surpresa que ali se relatassem coisas do Caminho e de coisas outras e outras pessoais e/ou banais, que se escrevem em diários de senhoras que vivem ou caminham com os seus devaneios. E até se aceitavam coisas em que os pés entravam e saíam porque da presença e companhia deles seria justo o registo.
Agora que Marie registasse a mística dos Pés, que fizesse referências a cada um e ao seu desempenho sexual e que, pelas confidências do namoro, tivesse escarrapachada esta história, que aqui se conta, até aqui, pareceu a muito!
(Sim porque esta história que andais a ler há trinta e cinco semanas é o diário adulterado, a história que Marie, apropriada das confidências do Pé Descalço, foi escrevendo e usando.
Nesta situação, a partir deste parágrafo, já não se sabe quem escreve ou conta. Por isso, o melhor é deixar tudo como anteriormente e fazer de conta que a narradora não se chama Marie e que isto não é o seu diário.)
Quando ao fim do dia Marie regressou de Cee, Pé Ante Pé, primeiro de pé atrás, depois de rodapé, pôs o pé na fossa e de pé para a mão – melhor, para a boca! - largou:
- Mas que merda é esta?!
O diário de Marie nas mãos de Sete Pés!... Marie artilhando a boca, estremecendo os lábios em pé de guerra! Os sete pés embrulhados em pose de “sempre em pé”…
Água Pé, que tinha passado a tarde a abrir e fechar o frigorífico, precipitou o questionário e meteu o pé na argola, a mão na ferida e Marie ficou ferida de ir embora.
- Violada! - nas palavras dela.
Das palavras dessa noite fez-se o caldo que azedou o lirismo do romance. Nos três dias seguintes a este episódio choveu muito, a aldeia tornou-se num enorme lamaçal, a vida forçada em casa gerou tédio e cansaço mútuo. Ouvia-se nas notícias que um petroleiro havia feito das suas nos mares altos e vivos da Galiza. Dia após notícia, o nome Prestige entrou no vocabulário quotidiano.
Mesmo assim, apesar da tempestade que se estabelecera entre os dois e na Cuesta da Morte, durante uma acalmia, encontraram espaço para se sentarem de mãos dadas, no banco corrido da varanda corrida das traseiras da casa, a olhar o mar.
- Vês uma mancha negra além no oceano?
__________________________________________________ Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.
12 comentários:
Também eu vou fingir que não andei a espreitar o diário de Marie... adorei a dança dos pés e o climax que deles extraíste.
Mas pé ante pé afasta-te dos diários alheios...
Majestade, essa Marie é uma mulher pouco comum, muito pouco comum.
As mulheres quando amam e são bem amadas não fazem diários. Farão, quando o amor acaba, quando algo insatisfaz, quando... olhe, quando não têm outra coisa para fazer :)
As mulheres bem amadas também não falam do desempenho sexual dos companheiros. As mulheres que falam com as amigas( p ex ) do desempenho sexual dos companheiros, ou assinalam um problema para o qual pretendem ajuda, ou banalizam o acto sexual que até pode ser prazeiroso, mas não terá paixão.
Em estado de paixão só "ele" serve de confidente, só no corpo dele se escrevem todos os segredos e descrevem todas as fantasias sobre as maravilhas da Terra e para além dele não há nem o espaço de um caderno para escrever :)
Essa relação, Majestade, está morta. Pode pedir cangalheiro para todos os pés :)
Um beijinho amigo.
*_*
Maria
...nao acho que o mal seja o diário em si, ate acho o contratio quem nunca teve historias bonitas dignas de registo (principalmente em determinadas idades) é que nunca sentiu essa necessidade...Mas claro que ate aí as cofidencias têm limites...
...quanto ao romance,...como quase todos os que nascem ja tortos...sera muito dificil de vir a ter um desfecho feliz, sao pes a mais para uma Marie Só!!!
Sete pés portou-se muito mal. Não devia ter sido curioso...
Abraço
Compadre Alentejano
O "Dos Pés" vai perceber que na vida nem tudo são rosas e nem o mar é sempre limpo, quer dizer, sem manhas de crude...
abraço
Metidos os pés pelas mãos a coisa começa a ficar manchada e não é só de crude.
Abraço do Zé
Esta Terra não tem fim. Não estarão já no mar?
Já agora Majestade, cresce em mim um formigueiro de curiosidade :
- que dizia Marie no seu diário ?
Ela apaixonou-se por algum dos pés do 7 pés, caíu de pés, bateu com a cabeça, ou tudo isso foi só passeio e peregrinação ?
:)
Do desempenho do 7 pés, por favor, não conte nada, não vá o pobre dar por aqui uma passada ....
Depois eu estou mesmo a ver que esse Diário está para a Marie como o livro amarelo para uma repartição de finanças...
hum...
talvez menos ...
um bocadito menos... finanças ... é mais braços e mãos, mas também se sentem pés , por vezes :)
Bom Majestade, revele um bocadinho do diário. :)
um beijinho amigo
Maria
Na verdade só ficção
porque o barco vai de saída
desanda folha ante folha
Abraço
Rei Pata Negra, Querido Amigo
Tinha saudades de passar por aqui. De te ler. De sentir esta autenticidade que cada vez é mais escassa. O Diário de Marie tem aquele toque que só tu sabes dar. Não sei porquê mas lembrei-me ao ler da "Construção" do Chico Buarque. O Caminho do Fim da Terra é um título muito sugestivo. Vou ler mais coisas.
Um abraço apertado.
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