segunda-feira, 2 de maio de 2011

36- O Caminho do Fim da Terra

- Vês uma mancha negra além no oceano?
Marie iniciou então o longo discurso do momento que ambos esperavam. Tudo muito bem explicado: tinha família e vida em França, era muito mais velha que ele que ainda tinha uma vida pela frente. Viver ali, assim por muito mais tempo não era vida, as verdadeiras paixões têm um tempo de duração limitado e etc... Além disso?! Sim! Teria de admitir ser tão pragmática quanto amante da boa vida: aquela mancha negra!...
- Talvez a mancha seja um sinal a dar-me a ordem de ir embora!...
- E a mim de ficar!...
- Tens muito para caminhar rapaz! Amanhã de manhã partirei para Finisterra para acabar finalmente com este Caminho! Suplico-te que, em caso algum, me sigas. Deixarei a renda paga para mais seis meses!
- Não é necessário, o trabalho que faço com Xésus Agrelo compensa bem a renda! Além disso, tenho uns bons cobres no banco em Portugal, herança da putez da minha rica mãe!
- São só seis meses! O tempo que eu poderia continuar aqui contigo!

Marie retirou-se para dentro de casa e todo o resto do dia movimentou-se tacticamente de modo a evitar o tema ou qualquer despedida. Arrumou as suas coisas num silêncio apenas quebrado com curtos diálogos sobre questões práticas: onde é que está isto? isto fica aqui! não te esqueças que isto funciona assado! Diz ao Xésus Agrelo que… e pede-lhe desculpa por não me despedir!... Se não te importas vou dormir no sofá para não te acordar quando partir!
Os pés estavam demasiado calejados para que o acontecimento lhes fizesse mossa!
- Finalmente livre!
Dissera para si quando morreu sua mãe e agora voltava a dizer a mesma coisa:
- Finalmente livre para cultivar os seus pés!

Três dias depois da partida de Marie a praia ficou negra de morte! Sete Pés foi dos primeiros a ir para o areal sofrer e fazer parte da primeira equipa de voluntários que começou ali a trabalhar. Ao fim de algum tempo foi integrado numa equipa remunerada pela Junta e aí trabalhou durante seis meses, impondo sempre uma condição: limparia crude em todo o lado desde que de lá não se avistasse o cabo de Finisterra.

- O português tem uma pancada! O home é tolo!... - Diziam os colegas.

Já a costa estava quase limpa, ou pelo menos na situação em que já não é possível limpar mais, Sete Pés experimentava o prazer de, do banco corrido, da varanda corrida das traseiras da casa, olhar o mar como se ele fosse um pouco de obra sua. Já não era o mar negro, nem a Costa da Morte, era o mar salgado e a costa da vida.

Pensou que para a sua, esta história, a continuação do diário de Marie, ter enredo para dar livro, deveria ter encontrado nas equipas de limpeza uma irmã de que a mãe nunca lhe havia falado. Ou talvez, quem sabe, a neta “vinte e teen” de Xésus Agrelo, que chegaria nestes dias do Canadá para passar umas férias com o avô, não lhe traria pés para um romance e o romance se arrastasse como um novela da tvi; e o amor se viesse a estabilizar numa vida normal que apenas interessasse a quem a vivesse!?...

Voltou a olhar o mar e falou-lhe alto como um louco:
- Não penses que esta história vai acabar aqui! Esta casa é um barco que não se dá à água mas quem aqui entrou tem de aguentar, enjoar, tresandar a sal, vomitar azul até, à falta de porto, desejar a tempestade para poder naufragar!

(pois, meu fiel leitor, se está farto atire-se à água, porque há ainda muito oceano que não passou a Padrís! – hei-de chegar ao fim, só com um leitor!)
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.

8 comentários:

antonio ganhão disse...

Na foto o sete-pés está curto de pés... olha que prometeste levar isto até ao fim.

Zé Povinho disse...

Caro Pata Negra
Há muitas Maries nesta terra e muito quem tenha levado com os pés, já Pés que tenham algo para contar, não conheço mais nenhuns.
Abraço do Zé

Alberto Cardoso disse...

Olá Majestade
Agora que a história vai, pelos vistos (ou lidos), começar espero que não desmereça a introdução que tantos e merecidos elogios tem tido. Fique ciente, Majestade, que não serei eu a deixar de acompanhar os muitos episódios que se adivinham. Não me atirarei à água, prometo. E julgo poder afirmar que muitos fieis leitores me acompanharão. Que não lhe doa o dedo para nos dar o gozo que é ler o que bloga aqui, semana após semana!
Alberto Cardoso

opolidor disse...

essa imaginação ainda vai produzir mais uns capítulos para ler com gosto.

abraço

MARIA disse...

É uma maravilha lê-lo, Majestade.
Sinceramente, sempre gostei de ler os teus textos, sempre segui os seus contos, gostando de todos. Este maravilha-me de tão bem escrito, pelos pormenores fotográficos literários das cenas de tempo e lugar, enfim, espero mesmo que não acabe aqui, porque podia aproveitar e fazer em livro a estória de vida de 7 pés.Eu compraria.
*
Essa Marie sai assim à francesa...
Olha que criatura insensível essa mulher. Podia debulhar-se em lágrimas, fazer cena, fazer birra, ao menos o 7 pés não ficava com a sensação que não chegara para ela, ou seja,que não chegara a abala-la afectivamente.
Moral da coisa : nunca se envolva com francesas que façam diário :)
*
Verdade seja dita que 7 pés pouco se ralou, ou teria ele com algum par de pés ido atrás dela. Não foi, pois quem sabe está a reservar-se para a tal sobrinha do dono da casa :)
Eu espero que a história não acabe aqui !


Um beijinho amigo

Maria

Anónimo disse...

Pois permitam-me uma interpretação diferente: acho que a Marie (alias as mtas Maries, do nosso país), esta a ser duramente criticada, desde qdo é que o nao kerer despedidas é algo de uma pessoa insensivel? Sera que ela nao quis evitar o prolongamento do sofrimento? e porque todos lhe atiram pedras? porque sendo uma mulher casada optou por ir pa perto da familia? Nao consigo compreender portanto, a grande revolta de 7 pés! Teria ele uma solução melhor, saberia ele geri-la e vive-la em paz? Nao me parece! E ha ainda a hipotese ja k isto nao passa de 1 historia, de ela ate o estar a pôr à prova, e sabe-se la quem ficou a sofrer mais...ele pelos vistos deu bem a volta e nem se ralou mto com a situação,só o seu orgulho ferido importou ,ja ela secalhar teve de ir cumprir obrigações e deveres familiares e nem tera mtas mais oportunidades de voltar a ser feliz, como esta. E parace-me ate que ela SOFREU MAIS EM SILENCIO (so uma suspeita) nao teve necessidade de dar contas a toda a comunidade e amigos do que se passou...daí achar mto estranha akela historia de ela ter devastado a intimidade que tinha tido com 7 pés (aí haverá certamente um gravissimo erro de interpretação, só pode...).
Para terminar e em morral da historia nunca devemos generalizar, nem qdo falamos dos pretos, nem dos espanhois, nem das mtas Maries que andam por aí...é que somos todos seres humanos, E como tal todos nós estamos longe da perfeição e cada ser é difernte do outro, logo em todos os lugares, raças e meios, existem pessoas boas e más e podemos sempre cair no erro de estarmos a julgar mal.

P.S:As pessoas podem viver uma vida durante muito tempo banal, normal sem grandes agitações mas se um dia por variadissimos motivos decidem: a partir de agora vou pensar mais em MIM...ui ui...algumas mentes nao entendem e isso ate consigo compreender ...pronto nao vale a pena aprofundar mais, acho que ja deu para me fazer entender (caso contrario paciencia, la terão de se atirar ao mar e vamos la ver onde é que ele é mais azul...)

samuel disse...

Grande reviravolta...
Muito bom!

Abraço.

Compadre Alentejano disse...

Espero ansioso pelas cenas dos próximos capítulos...
Abraço
Compadre Alentejano