segunda-feira, 16 de maio de 2011

38- O Caminho do Fim da Terra


Falaram até fartar, de coisas que não interessam à história. Comeram e beberam como abades, partilharam naturalmente dos arrumos, sem oportunidade, dos dois de que reza a história, privarem para um ajuste de contas do passado. Ao menos uma frase a dois, uma palavra, reconstruir ou completar um beijo que não fora bem dado há seis meses atrás. Nada. Muito pelo contrário, a pretexto dum dia cansativo, a mulher presente propôs cama e descaradamente decidiu, sem ouvir aquele que, nos termos presentes, era o dono da casa:
- Se não te importas, trazes as tuas coisas para a sala e dormes no sofá! Como eu e o Patapouf somos dois, justifica-se o quarto para nós!...

Desilusão, portanto, na libido de todos os Pés. Entre marido e mulher, não há lugar para mais de quatro pés!

Com todos os haveres junto ao sofá, assumiu obedientemente o seu papel. Deitou-se. Ouvia o mar, ouvia sussurros de francês, não dormia, não conseguia imaginar o amanhã, parecia ter chegado a um dia sem saída. A pouco e pouco só o mar se ouvia. A longa insónia despertou com o cantar do galo dos Agrelos. Naquela madrugada o galo cantou diferente, cantou como um clarim!
E foi assim que, silenciosamente para não dar de si, se pôs a preparar a sua mochila. Partiria, agora mesmo, para Finisterra! Chegara a hora de terminar o seu Caminho.

Quando chegou ao farol do cabo de Finisterra o mar reflectia os primeiros raios da manhã. Sete Pés, fitando o oceano, não apreciou saber e sentir que a Terra não acabava ali e invejou não ter vivido no tempo em que se acreditava nesse fim.
De qualquer modo, era conveniente aceitar que não poderia caminhar para mais além. Olhou então para trás, para terra, e sentiu vontade de fazer o Caminho de Finisterra a Oliveiroa – que não tinha conhecido - voltar até Santiago, fazer o Caminho do Norte até aos Pirinéus – não o francês que sabia pelos relatos que estava massificado - atravessar a Europa, ir por Jerusalém para o Tibete, Novosibirsk, estreito de Bering, Alasca, Califórnia, México, Andes, Terra do Fogo… Mas para quê?! Se aí chegado teria de concluir que os Caminhos da Terra não têm fim!?

De costas para o mar, os Sete Pés distribuíam entre si estes pensamentos. Remataram com uma visão panorâmica sobre todo o Continente que começava naquele promontório. O caminho que ali chegava, também dali partia e dava ligação a todos os caminhos que existiam. O melhor era dar uma volta ao farol para dar um nó na estrada.
Ia na meia volta quando avistou um jipe da guardia civil rodando na sua direcção. Ficou parado a observá-lo. O carro parou a seus pés. Apearam-se quatro militares e algemaram-no. Sem oferecer resistência e em silêncio de fim, sentiu os seus pés libertarem-se e correrem em pelotão para o abismo do cabo. Um casal de franceses havia aparecido morto em Padrís.
- O senhor está preso, acusado de homicídio!
- Ainda bem que não comi cogumelos!
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Todas as segundas feiras.
Pode(s) ler toda a história em O Caminho do Fim da Terra.

12 comentários:

Cristina Torrão disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Cristina Torrão disse...

Cum catróga (como dizem os nossos amigos lá do 2711), agora é que ele está feito!

P.S. O meu comentário ao outro episódio deve ter ido à vida na sequência do "apagão" do blogger. Dizia eu lá que me lembro bem do Patapouf cãozinho, dos livros do ciclo preparatório. E, se fosse o cãozinho, bem se tinha safado, pois os cães não comem cogumelos...

Zé Povinho disse...

Mas afinal os cogumelos fizeram mal ao casal? Quem é que os colheu? Tenho que voltar ao texto anterior porque fiquei curioso.
Abraço do Zé

Zé Povinho disse...

Afinal foram comprados...
Abraço do Zé

MARIA disse...

Mas o casal de franceses eram Marie e Patapouf ?
Não nos disse ainda ...
A lógica da óbvia coincidência : parece... logo, há indício ...
Isso é muito português, as vítimas é que não.
A minha solidariedade a todos os pés desamparados de 7 pés ...
:)
Beijinho amigo.Maria

Maria

MARIA disse...

Já agora... os polícias certificaram-se de que estavam mesmo mortos chamando a competente autoridade de saúde pública para declarar as mortes?....
:)))
Já vi que há coisas que se assemelham muito na Península Ibérica ...

Beijinhos

JFrade disse...

Cá para mim foi a ETA que ´apagou` o casal e é o pobre do Sete Pés quem paga as favas.
(Essa Marie nunca me enganou. Teve, desde o início, um comportamento suspeito e o Sete Pés terá sido um mero instrumento para ela atingir os seus propósitos. Quais? Esperem pelos próximos episódios e logo verão...).
JFrade

antonio ganhão disse...

Tanto pé excluído das intimidades e sabiamente evitando cogumelos...

opolidor disse...

Pata
o dos pés estava a magicar uma de ménage a trois, meteu os pés pelas mãos...
agora tem que aguentar em preventiva 8 dias.
abraço

Compadre Alentejano disse...

Trabalhos para o Sete Pés, só por não ter comido os cogumelos...
Abraço
Compadre Alentejano

Mar Arável disse...

Fez-me lembrar o meu neto a perguntar à avó o que aconteceria se engolisse um caroço de azeitona

-Não faças isso - podes morrer

- Então avó - já morri

É sempre um prazer viajar nos seus textos

José Lopes disse...

Ainda bem que eles não comeram os cogumelos, os 7 pés, claro. Isto ainda não é definitivo...
Cumps