Quando Egídio virou urbano, assentou praça numa grande esplanada da base de um prédio médio, num bairro com pequenas moradias. Foi lá que ganhou o hábito do galão e da torrada, do café com cheiro, da imperial com tremoços e do jornal diário. A princípio a mesa era só sua mas, com o andar do tempo, das conversas triviais, do futebol , da esquerda, da direita, dos livros, dos poetas, das histórias, dos filmes, dos discos, dos espectáculos, a mesa encheu e fez outras ao lado. Egídio fez amigos, grandes amigos que com ele na esplanada planeavam frentes de salvação nacional, negócios, sonhos mas sobretudo saídas e noitadas e, às vezes, também se estudava.
Egídio estava a crescer. O pai, agricultor, pagava-lhe a vida ali para ele ser doutor. Não poderia advinhar ou entender que já era muito mais do que isso, um homem pensador.
Com o andar dos anos os amigos começaram a partir e a casar e Egídio começou a ficar só com o Casimiro que fazia acrobacias com a bandeja. A namorada de Casimiro ganhou caminho para o quarto arrendado do Egídio e acabaram ambos por levar um enxerto de porrada.
Para evitar Casimiro e esconder os hematomas dos outros clientes da esplanada, planearam ambos arrendar um T2 num bairro do outro lado da cidade mas Egídio, pensador, não adivinhou novos amigos nem uma esplanada como aquela em que a bandeja vazia caía umas vezes pelo falhanço de uma acrobacia outras vezes porque Casimiro gostava de chamar a atenção. Dados os factos, acabaram-se as brincadeiras e se, a Casimiro não faria mossa ter uma namorada que fumava muito, que teve um deslize e que tinha muito horror aos bois e ao campo, já o pai de Egídio, camponês, nunca suportaria mulheres que fumassem e em segunda mão. Mas mais dia, menos dia, exigiria de tanta mesada, ao menos, a ponta dum canudo!
Sem curso, sem amigos e sem namorada, Egídio voltou ao pai – isto na cara?! foi um professor que me bateu! - e à terra demonstrando os seus conhecimentos de Coimbra. Ainda tentou a lavoura adquirindo um tractor em troca dos bois mais uns fundo cee. Ainda foi três meses professor de português. Ainda quase casou com uma professora de Francês.
Mas, com o andar dos anos, Egídio habitou-se à pequena esplanada de um café, que fica no largo grande da pequena aldeia e voltou a falar de coisas triviais, de futebol, da esquerda e da direita, de livros, de poetas, de histórias, de filmes, de discos e espectáculos e, se alguém lhe prolonga a atenção, saca dos grandes amigos do passado - alguns grandes senhores agora! - diz que vai fazer vida com uma brasileira, que vai montar negócio de fartura, que isto vai dar fome, que o português matou a agricultura - não amanhou, agora que se amanhe!
Enfim, um pensador!
PS: Todos nós temos uma esplanada e conhecemos um Egídio. Porque todas as vidas são grandes, só se pode falar delas em síntese, como me aconteceu agora neste texto pequeno e trivial. Hoje fui ao funeral do pai do Egídio, estive na esplanada do café da terra e diziam as bocas, que falam com espuma de cerveja, que o filho não quer é trabalhar, que tem uma grande vida e que acabará por morrer não se sabe como. Ora! Nem eu!
Pensemos: Desde quando é que pensar não é trabalho!? Desde quando é que viver não é mais do que pensar!
8 comentários:
Sua Magestade,
o povo é mesquinho e estúpido como um pedregulho, todavia a maior parte das vezes só vai dizendo o que pensa que o vizinho deseja ouvir. Nem assim toda a culpa de um idiota é dele, compete a maior parte à sociedade que o moldou.
Pela minha experiência digo que quanto mais pequeno um meio mais mesquinhas as pessoas. Todos se conhecem e "parece mal".
A visão da sociedade sobre si própria está tão invertida que pessoas já se habituaram à triste ideia que tudo deve ser feito pelo dinheiro e nada para o indivíduo e
isto vai ser o fim deste ciclo civilizacional.
Quanto mais embrutalhado estiver um povo, mais capacidade de sofrer em nome de coisa alguma e portanto só quando tudo estiver perdido a maioria dirá:
"Eh pá, isto se calhar não devia ser assim..."
Quando todos perderem tanto que se sintam sufocar e morrer na miséria poderemos mudar de modelo.
Enfim, já fugi do âmbito inicial do teu post.
Ou se calhar não, porque o que está por detrás é a mesma cegueira provocada por essa estupidez que a moda passou, convenientemente, a chamar "brandos costumes".
Um abraço.
Pensar dá muitos amargos de boca por isso há muitos que preferem que outros pensem por eles. Não estão para ter tamanha trabalheira...
Abraço do Zé
Não pensamos e acreditamos ser esse um mal menor. Veio a troika e acreditámos ser um mal menor. Assinaram o acordo de consertação social e acreditámos ser um mal menor.
Precisamos de quem pense, e nos ensine a termos coragem.
Um texto muito bonito e que... faz pensar.
Filosofia pura e dura, ou pensar não fosse trabalhar e viver, viver não fosse pensar e trabalhar e a trabalhar não se pudesse também pensar e viver.
No fundo há um Egídio em cada um de nós e nós todos em cada Egídio.
Saudações!
Saudade do tempo em que havia tempo para pensar.
Nada há como a "boa vida", o tédio de nada fazer.
Juro ! não tenho orgulho nenhum em trabalhar, nem em ser responsável, trocava tudo pelo imprevisto, por um relógio de sol
Infelizmente, como o Egídio, conheço muitos...
No meu Alentejo profundo diz-se que:"Não querem vergar a mola!..."
Abraço
Compadre Alentejano
Pata
gostei muito deste post porque ela levou porrada até cheirar a alho...
abraço
Enviar um comentário