segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

Enquanto houver estrada

Era a última coisa que esperava que me acontecesse. Um tipo encontra um sítio bonito para viver e um puto engenheiro decide que é por aí que irá passar a estrada. Decidem então que o vale será cortado e cheio numa altura de dezoito metros. É muita terra, é muita pedra que tem de vir da serra para fazer a altura de um prédio de seis andares. Os primeiros andaram um ano, eram lá de cima de Viana. Ganhámos amizade com o do cilindro, com o da giratória, com o do catrapilo e com mais dois ou três dos camions. Quem anda perto da casa do Zé Luis tem de vir à adega dele e eles até levavam algum porque nas terras do verde, maduro é coisa rara e então palhete!... Faziam turnos para assegurar 24 horas de barulho. Dizia-me o Zé Luis:
- Isto é bom porque dá emprego à malta e negócio ao país. Já contabilizei: de dois em dois minutos descarrega um!...
De tanto trabalharem a empresa foi à falência e depois veio outra e outra e todas se enterraram no buraco do amaldiçoado vale. Mas há quinze dias a coisa mudou de cor. Todas as máquinas e camions são de cor laranja. Outra forma de trabalhar. Noites?! Está quieto! Hora de almoço com espaço para sesta.
- Que é isto? - Perguntei ao meu vizinho Zé Luis, criador de gado, apreciador de vinho e serrador.
- Ainda não reparaste?! São tudo matrículas espanholas, falam espanhol, dizem que onde eles se metem resolvem tudo num instante! Só vão trabalhar nos nossos trezentos metros. Os outros nunca mais daqui saíam! Agora é que isto vai! Pró verão tem de estar pronta! Ainda não falei com eles porque não sei falar com eles!
- Vamos lá! Eu sei dizer Buenas Tardes! Enche o jarro! Eu levo os copos!
Soubemos: trazem comida de Espanha para comer durante a semana, dormem em contentores, têm um camion cisterna que vai a Espanha buscar gasóleo para as máquinas e não gostam do nosso vinho! E veio de lá o meu amigo Zé Luis a rogar pragas a todos os espanhóis, a dar-me conhecimento que os de Viana foram para Angola e a reconhecer que isto não mexe com a economia do país! Mas lá no seu íntimo, o que o revoltava mesmo era o facto de não terem gostado do nosso vinho!
- Deixa lá! No dia em que isto abrir vamos os dois meter gasóleo a Espanha e comer uma caldeirada à Nazaré. Se não for para isso, para que raio nos deram cabo do vale?

6 comentários:

Mar Arável disse...

Se fosse na Madeira

o Jardim arruinado
já tinha parado com a obra

Anónimo disse...

«O vale era verde», grande filme!

Ao nível da crónica!

zerui

antonio ganhão disse...

Pois para que queremos um vale, um país e uma estrada se estamos vaticinados a ser pobres? Vamos mas é para a China que eles são os próximos senhores.

Kruzes Kanhoto disse...

Máquinas cor de laranja?!Isto anda tudo ligado...

Zé Marreta disse...

Não sei se isto não acaba antes disso abrir.
Mas essa porra está atrasada como o caraças, ainda aí andam??!!

Saudações!

Anónimo disse...

Quersedizer que a terceira autoestrada Lisboa-Porto emperrou aí no vale?