Não me recordo de ter visto mais de duas linhas escritas pelo meu pai. Um recado na mesa da cozinha, umas contas de bicas de pinheiros e nada mais. Via-o escrever, de mãos trémulas como as que tenho, quando parávamos ali para os lados da Venda das Raparigas e ele preenchia um folha de um livro de impressos, qualquer prática obrigatória que mais tarde viria a evoluir para os actuais discos tacográficos dos camionistas.
Quando eu tirava Bom a Matemática dizia-se lá em casa, ou o próprio ou a mãe:
- Sais ao teu pai! Também era bom nos problemas!
Pelo que vi e pelo que me fizeram acreditar, vivi sempre convencido que quem escrevia as coisas bem era a mãe e que quem fazia bem as contas era o pai.
Quando o tempo de chuva e a idade de brincar me reduziam à pequena casa que era a nossa, eu vasculhava os armários e as gavetas, com esperança que a curiosidade me oferecesse alguma coisa para me entreter. Afinal de contas a casa também era minha, eu tinha o direito de saber tudo o que ela guardava.
Confesso-te agora pai que, quando a mãe propôs a compra de um fogão com forno para substituir o de dois bicos e tu disseste que não tínhamos dinheiro, eu tinha contado nesse dia as notas que estavam na caixa de sapatos e fiz as contas: aquilo dava para um fogão e para mais de meia dúzia de garrafas de gás e ainda sobrava para uma garrafa de aguardente para as constipações!
Só não entendo porque é que tu e a mãe guardaram, ainda melhor do que o dinheiro, o maço de cartas do vosso namoro que só agora, pelas sortes, encontrámos. Não chorámos, não rimos, dissemos satisfeitos um a um, talvez em coro:
- Olha que o pai escrevia mesmo bem!
- Olha pai, sabes? Eu, se não houver ondas, não me afogo!
(estou à vontade para dizer estas coisas ao meu pai porque além de peixe, ele era fish|)
(estou à vontade para dizer estas coisas ao meu pai porque além de peixe, ele era fish|)
10 comentários:
Que bom ter vivido num "aquário" como o teu.
Abraço
Ai tu também eras bom nos problemas? Eu também! Arranjei cada um ao longo da vida que nem te conto, o pior foi em terra de Macuas, agora arranjei outro em Janeiro quando me aliviaram de um mês de salário, não há peixe nem caixa de sapatos que me valha e tu não te fies, com ou sem ondas há sempre alguém que puxa para o fundo, o melhor mesmo é teres uma moca atada ao pulso como fazem no surf.
O mar tem estado calmo. Mas vem por aí tempestade. Um dia destes.
Aprende a nadar, companheiro!!!
Abraço.
Munta fish!
Lindo texto.
Quando for pai (estou quase... já sou avô!) gostaria de ler coisas dessas a mim endereçadas.
Grande abraço
Linda escrita dedicada ao pai! Meu pai também era peixe, nasceu a 9 de Março.Deixo um beijinho
Bom texto para este dia.
Abraço do Zé
Pata
tu, quando queres, tocas o cume...
abraço
Abraços tantos
Bela homenagem, belo texto, rico pai !
Um beijinho amigo
Maria
Bonito!
Pelos vistos, algumas heranças valem mais do que outras...
Abraço.
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