Não era de cá. Terá vindo uma
primeira vez para uma jorna, uma segunda vez para duas e terá pernoitado. A
pouco e pouco fez desta a sua terra e aqui morreu, talvez de frio, talvez do
coração, talvez do vinho, talvez de doença, em gente da sua condição a razão
também interessa pouco. Fez-se o que se podia, chamou-se uma ambulância - talvez
ainda estivesse vivo - na morgue ninguém reclamou o morto, enterrou-se na
mesma.
O Tabaréu, à falta de jeito para
outras coisas, era de ofício cavador. Chamava-se o seu serviço para um talho de
terra onde não entrava o charrueco, para uma casa onde ele não existia ou onde
faltavam homens. O almoço a meio da manhã e o jantar ao meio dia, também estavam
incluídos, a ceia já não era necessária porque, a essa hora, já o cavador caíra
de bêbado e cansaço num palheiro de família amiga que lhe dispensava mais
atenção e alimento nos dias em que o trabalho escasseava.
Como quem lhe falava também não
tinha muita comida, mas tinha vinho e o vinho dava força, o Tabaréu acabou por
se tornar um alcoólico. Com o passar dos anos foi perdendo forças e humor, as
cavas foram ficando cada vez mais aldrabadas e, ainda para mais, mijava em
qualquer lado sem se importar que lhe vissem a picha.
Havia quem não desejasse a sua presença,
havia quem lhe desse sopa, havia quem lhe desse vinho, havia quem se divertisse
aparecendo-lhe no caminho, noite escura, envolto num lençol para se fazer
passar por santa, com cúmplices com lanternas para provocar encadeamento e simular
luzes do alto, com vozes doces como as do céu, com ditos assustadores para parecerem
coisas do outro mundo. Crédulo como um pastorinho, ébrio que nem um cacho, o
pobre desgraçado ajoelhava-se, pedia perdões aos seus falecidos, dava graças à
Senhora e prometia para o dia seguinte nunca mais pegar no vinho.
Deixemos estas encenações rudes e
blasfémicas e vamos ao motivo da prosa que foi no tempo em que eu ainda não era
grande.´
- Vai à nossa almuinha levar esta
bucha e esta pinga ao Tabaréu, fica por lá e, quando me ouvires gritar daqui,
venham que é para jantar.
O homem pôs o pão à boca e foi um
quarto, pôs a garrafa aos queixos e foi metade, enquanto eu olhei para um melro
já me estava a passá-la e a dizer:
- Toma, o resto é para ti!
Não era muito, mas deu para ficar
tonto e adormecer debaixo da oliveira grande. Quando deu por ela acordou-me aflito,
foi buscar água à fontanheira, deu-me a bebê-la, molhou-me a cara, aconchegou-me,
não saiu de ao pé de mim, com os seus cuidados dedicados por volta do meio dia já
me senti fino - ficou estes anos todos entre nós. Parece que ainda sinto o
sabor do segredo ao escutar o tom da minha mãe para a ti Etelvina:
- Aquele Tabaréu está cada vez
pior, então em meio dia não conseguiu cavar metade da minha almuinha! Para a
próxima que andar pra mim não lhe dou vinho!
7 comentários:
Muito bom como sempre.
Por uma tarde na almuinha, o Tabaréu foi o teu outro eu.
Um abraço
Acho que o Tabaréu
foi de sede que morreu
(bonito, isto!)
Gosto muito da forma como escreve e das histórias que conta, é como se fossem palavras vindas de um outro tempo.
Havia muitos desses e arrisco em dizer que ainda conheço um tal de Geadas, como o conhecemos, que anda lá por perto, e que ainda a ele recorremos quando estamos longe e precisamos do terreno amanhado. A garrafa terá que ser ele a comprar porque já se sabe que a tarde fica desperdiçada se dada pelo almoço.
Cumps
que bem que me soube este naco de prosa!
sequioso fico por mais...
Por aqui, por estas bandas um tal de Pera Laru,que devia ser irmão gémeo do teu Tabaréu. Creio mesmo que essa família é uma família enorme tantos os irmãos gémeos plantados terra-a-terra, aldeia-a-aldeia. E é quase comovente que haja irmãos deles, como tu, que os contem e no contar, assim tão bem contado, os mostrem seres humanos e com coisas dentro. Boas e más. Como todos nós.
Forte abraço
Quase um serviço público o teu espaço
Excelente
Abraço
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