quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Quem foi o idiota que me fez ir tirar um registo criminal?


É sempre assim, alguém telefona para uma tvi ou para um correio da manhã a revelar a existência dum crime, dum acidente ou dum homem que mordeu um cão, o correspondente da zona vai ao local, a notícia é repetida até cheirar mal, pede-se a opinião a um miguel sousa tavares, a um moita flores ou a um popular sobre este tipo de casos, organiza-se um prós e prós sobre o tema ou um debate com especialistas de programa da manhã, a classe política é atraída e entra no jogo, é preciso responder com programas e fundos, é preciso tomar medidas, um  deputado tem uma ideia, a assembleia vota a favor e o sindicato cala-se, porque no assunto em causa pôr em causa alguma coisa pode ser mal entendido, a lei nasce para todos, o cidadão tem de cumpri-la, dirige-se ao balcão onde se trata da papelada, paga e não bufa, desabafa durante uns tempos "só neste país!", "para que é que isto serve?", "é só para sacar dinheiro ao desgraçado!", "só burocracia!", "perdi um dia para tratar da papelada!", "filhos da puta!".

E assim surgem certificados de aplicador de produtos fitofarmacêuticos ou licenças de galinheiros válidas por apenas dois anos, licenças de condução ou inspeções automóveis caducadas, certidões de idoneidade, de nascimento ou provas de vida. Quase sempre exigências inconsequentes que arrastam papéis que dão vida aos eucaliptos, que originam faltas ao trabalho que atingem a produtividade, meios arrastados para uma ideia pobre dum fim nobre de que raramente se estudam os efeitos, que na leitura popular são só para sacar dinheiro ao desgraçado.

A Lei nº103/2015 de 24/8 exige a todos os trabalhadores que têm contactos com menores a entrega anual dum Certificado de Registo Criminal à entidade empregadora. Não li a lei, pela mesma razão que não leio as memórias da irmã Lúcia ou do Mário Soares, mas pressuponho que é dirigida a professores e funcionários de escolas públicas e privadas, motoristas de carreiras escolares, trabalhadores de lares de menores, treinadores e animadores culturais e desportivos, polícias que prestam serviços à saída das escolas, vendedores de algodão doce,etc. Diria mais, considerando certos perfis associados aos casos mais frequentemente conhecidos, é natural que haja um artigo dedicado a catequistas, padres, tios e padrastos. Diria mesmo que a lei deveria ser estendida a todos os cidadãos, já que do seu espírito se pode deduzir que em cada homem ou mulher há afinal um potencial pedófilo. 

Se isto envolver um milhão de pessoas,  a cinco euros, serão só cinco milhões de euros por ano. Nessa linha, não compreendo porque é que a medida não é de aplicação trimestral? Em três meses pode haver sempre uma tentação!

Está certo, em vez de ser a pessoa a entregar o seu registo limpo, também podia ser o tribunal a comunicar à entidade patronal o seu cadastro sujo ou o próprio pedófilo a acusar os seus desvios, mas para isso era necessário termos outro Estado e outros cidadãos. 

As televisões vão dando notícias, os "especialistas" entretêm-se com os assuntos, os deputados têm ideias, os cidadãos lamentam-se e as leis, tal como os problemas, continuam a acumular-se.

Gostaria apenas que fosse tornado público, dos milhares de certificado emitidos, em quantos constam informações que contribuam para o sucesso da finalidade pretendida.


4 comentários:

Zé Povinho disse...

Papel para limpar o dito, exactamente porque não atesta coisa nenhuma que não se saiba à partida.
Abraço do Zé

Caceteiro disse...

O que interessa no meio de tudo isto sãoos tais 5 milhões o resto é conversa.

Manuel Veiga disse...

e se a TV e o Correio da Manhã ou o Atestado não bastarem ainda temos o "chanfalho" da Polícia para calar os recalcitrantes...

claro que sempre ficam uns tipos como tu a "morder nas canelas" e curtir a úlcera...

abraço

cid simoes disse...

O que me interessa mesmo, é a prosa do cronista.