sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Peditórios de todo o país, uni-vos!

Já pedi coisas ao meu país que ele me deu. Eu também já dei coisas mas foi à pátria. Nem sempre dou quando me pedem mas não é por razões de coração, é por razões políticas. Não sou de dar por dar. 

Eu nunca tive brinquedos senão os que eu fazia ou os que o tio tocha da carpintaria, que morava ao fundo da ladeira onde eu vivia, me oferecia. Um dia, andei toda a feira agarrado à minha mãe a pedir-lhe aquela camioneta de lata que vira numa tenda, a mulher não aguentou a insistência, perdeu o amor à carteira - carvalho do chato do cachopo que nunca mais se cala! toma lá e não me chateies mais que é o primeiro e último que te dou!
Eu não emprestava a camioneta a ninguém. Se os outros cachopos se apanhassem com ela na mão era certo e sabido que a primeira coisa que lhe faziam era tirar-lhe as rodas. Nas minhas mãos aquela camioneta durou anos porque foi o primeiro e último brinquedo de compra que tive e só lhe tirava uma roda em caso de furo que fizesse parte da brincadeira.

Aquela camioneta foi conseguida com muita luta e outros meninos conhecedores da minha história conseguiram com o exemplo outras camionetas, tratores, bolas, bonecas e até trotinetes.

Quando participo em marchas de luta, levo sempre comigo uma razão de fundo de  justiça social e dou sempre pela falta de pessoas que conheço, sempre ativas em tudo o que é angariação de fundos para isto ou para aquilo. Constato depois que essa gente não está na mesma frente de combate, que o seu entendimento das razões da pobreza e das suas soluções é muito diferente da minha. 

E estou aqui eu com paninhos de azeite, a enrolar o texto para não ferir voluntariosos cidadãos que pedem para causas maiores, quando a minha vontade é registar que eu para dar não preciso de mãos de terceiros e que, acima de tudo, estou farto de Peditórios, porra!

É à entrada e à saída do emprego e lá dentro a colega irresistível, é à entrada e saída do supermercado e lá dentro o produto com a esmola incluída no preço, é na feira, é na rua, é nos semáforos, é o filho que traz umas rifas da professora de cidadania, é a funcionária da escola a vender broches/crachás para uma turma que quer ir a roma, é o cunhado que é sócio da associação columbófila, é a sogra da conferência de são vicente paulo, a vizinha bombeira, é campanha, é sorteio, é a santa de fátima, é o relógio para a igreja, é contra a fome, o cancro e a cegueira, é pelas crianças, pelas mães solteiras e pelos idosos e, sobretudo, por aqueles que não têm condições económicas para passar um natal feliz porque o natal é economia, é dinheiro, é consumo, é uma porra, o natal é uma porra!

Vamos lá então fazer um natal em que o povo vem à rua e reclama por um natal em que nunca mais seja necessário pedir! Vamos lá, porra!
Ah não! Não pode ser! O natal é de paz! Temos de nos dar bem com todos não é? O jesus é que diz!... porque o natal, mais do que uma ocasião dos mais necessitados receberem alguma coisinha, é a época em que se dá aos mais ricos a oportunidade de se redimirem, organizando peditórios e quem sabe até largarem uns cobres.

Façam como os capitalistas, concentrem a atividade, façam um império do ramo, cotem-no em bolsa - olhem a santa casa da misericórdia! - façam  um único e grande peditório porque já não há paciência para tanta caridade natalícia.

  

3 comentários:

Manuel Veiga disse...

lá dizia o outro (quem?), "se queres mama, chora"...
e a lágrima é fácil.

essa ideia da "central da pedinchice" é bem caçada, sim!

abraço

zambujal disse...

Deus lhe pague, S.A.? Boa ideia!

cid simoes disse...

Para não ter que pedir, roubei... roubei o post!