sábado, 4 de fevereiro de 2017

Trump chega a Portugal numa manhã de nevoeiro


Trata-se de uma festa familiar de classe média cuja razão agora não interessa nada.

Os dois que estão em idade escolar divertem-se com um videojogo de guerra onde "vestem a farda" Delta Force num cenário nova-iorquino. 
Os dois que estão na idade liceal, um vê no tablet uma série policial passada em Los Angels e o outro delicia-se com um reality show da TV Las Vegas.
Os dois que são universitários entretêm-se mostrando um ao outro os telemóveis, com umas novas aplicações made in USA e que, estão convencidos, vão revolucionar a revolução digital.

Estes jovens são filhos de três casais, em cada um dos quais há um dos três filhos dos avós, dois homens e uma mulher e, dentro da normalidade, as duas noras e o genro. 
Porque se trata de novas gerações, os seis jovens não se separam por sexo, o mesmo não se dirá dos adultos.
As mulheres estão na cozinha, a ver na TV um talk show americano que, segundo uma, chegará rapidamente a Portugal. Excepto a avó que anda de volta dos netos a perguntar se querem coca cola e se gostaram do almoço - se não gostaram da próxima vez leva-os ao Mac Donald´s.

Os homens estão a partilhar um whiskey Jim Beam pós refeição. Excepto o avô que está sem poiso certo vagueando pela casa, parando junto das crianças a procurar atenção e tentando convencê-los para o pião, junto dos adolescentes para procurar carinho e desafiando-os para um dominó, junto dos universitários para tentar entender e recomendando-lhes uma leitura. Passa pela cozinha e mostra falsa curiosidade pelo que vêem. Vai à varanda e pergunta se não querem antes um tinto alentejano e manifesta claro desprezo pela conversa.

O genro é oficial de infantaria - ela casou bem - e fala da sua aventura no Afeganistão dando razões à intervenção americana e à NATO e elogios às armas e ao treino que eles têm. Ninguém o contradiz. Muda a conversa e o filho mais velho, que é bancário, explica a crise financeira e a inevitabilidade de adoptarmos o modelo capitalista americano. Ninguém o contradiz. Muda-se o disco e o mais novo, que é pequeno empresário, dá vivas às leis laborais da América e assegura que ficaremos na cepa torta enquanto não se acabar com os sindicatos. Ninguém o contradiz. Fechada a conversa, dirigem-se à sala e perguntam aos filhos se não querem antes ver um filme de índios e cowboys como nos bons velhos tempos. 

Todos dão pela falta do avô, procuram-no, encontram-no. Está na casa de banho a limpar o rabo a um boné que tem a bandeira americana estampada e as iniciais USA. Pergunta-se, de quem é o boné? Pode ser de todos, dele é que não é!
A avó invoca o Santo Nome de Deus em vão tal como os americanos fazem continuamente.

Poder-se-ia dizer, o velho enlouqueceu de vez. Provou-se que não quando ele disse para a família que se juntou atrás da avó, à porta da retrete:
- Ainda terei lucidez quando um dias destes assistir à eleição, com o vosso voto, dum Trump à portuguesa! Infelizmente ainda lúcido e felizmente mais que vós. 


7 comentários:

Manuel Veiga disse...

um Trump à portuguesa? é bem capaz!
oriundo de Massamá ou algo parecido.

ou algum popular "betinho" da linha, sabe-se lá...

(Santa Comba é que não tem nada de "modernaço")

boa patada, Rei

Maria disse...

Com o meu voto, não!
Abraço.

Rogério G.V. Pereira disse...

Teu descritivo é tão impressivo, que resolvi pintar um triplico: ao centro os dois jovens, os três casais e mais os demais que tens descrito, todos ao molhe sem fé sem deus.
Do lado esquerdo, a cozinha com as mulheres em cima do tal programa com a avó em rodapé a desafiar para o pião.
Do lado direito, compondo o ramalhete, consta a cena do avô a fazer cócó mas já todo cagado e com o tal barrete enfiado e com o pessoal todo a espiá-lo


Acabo de pintar aquele ar enevoado
em torno do candidato
Ficou pronto o outdoor, venha agora a eleição
Estão prontos, ou não?

Maria disse...

Pois, o avô é que a sabe toda.
Um retrato do quotidiano tão real e bem escrito.
Raros mesmo são patriarcas desses.
Esse é um Homem Português com certeza.

Um abraço a sua Majestade.

do Zambujal disse...

Tão novo e já avô?!

Zé Povinho disse...

Infelizmente está mais próximo do que eu desejaria...
Abraço preocupado do Zé

O Puma disse...

O que mais preocupa não é Trump
mas quem na sombra lhe mexe os cordelinhos
Por cá?
Já nos basta a memória da latrina