Faz cem anos sobre as chamadas aparições de Fátima. Tenciono assinalar aqui o centenário com o que me ocorrer à pena.
Começo por transcrever este texto, primeiro porque não o consegui encontrar na internet o que, se não é inabilidade minha, considero uma grande falta; segundo porque se trata dum documento único relativamente à versão oficial dos factos; terceiro porque entendo que há que recuperar a imagem do seu autor enquanto vítima duma história tão mal contada.
Artur de Oliveira Santos escreveu este relatório em 31 de Outubro de 1924.
Extraído de Tomás da Fonseca, Fátima: Cartas ao Patriarca de Lisboa, Rio de Janeiro, Editorial Germinal, 1955,pp.365-377.
Relatório do Administrador do Concelho de Ourém
Ex.mo Sr. Governador Civil do Distrito de Santarém
Encarregado por V. Ex.ª de elaborar com a máxima urgência,
um relatório circunstanciado sobre a peregrinação de Fátima e seus
antecedentes, “se os promotores estão ao abrigo das leis, motivo porque não se
proibiu a peregrinação, em face das ordens transmitidas, e qual a corporação
encarregada do culto”, vou desempenhar-me dessa missão, em bora não possa, como
era meu desejo, apresentar um trabalho completo, pois que assunto de tal
magnitude levam muito tempo a tratar e faltam diversos elementos que é difícil,
neste momento conseguir, tanto mais que o chamado milagre de Fátima tem ramificação
em muitos concelhos, onde principalmente impera o espírito fanático e reaccionário,
sobretudo em Leiria. Esforçar-me-ei, contudo por corresponder, com honestidade
e zelo, à prova de confiança que me é dada por V. Ex.ª.
Em 13 de Maio de 1917, Lúcia de Jesus, filha de António dos
Santos, o Abóbora, e de Maria dos Santos Porvilheira, que ao tempo tinha 11
anos de idade, e Francisco e Jacinta, de 9 e 7, respectivamente, filhos de
Manuel Pedro Marto e Olímpia de Jesus, todos residentes em Aljustrel, freguesia
de Fátima, foram como era de costume, apascentar, de manhã, umas ovelhas, para
a Cova de Iria, que fica a dois quilómetros da sede de freguesia e a 12 da sede
do concelho. A Lúcia, que estava fixando o Sol, disse para o Francisco e
Jacinta, que lhe tinha aparecido uma Senhora muito bonita em cima duma
azinheira, vinda do lado do Sol, e que a convidara a aparecer no dia 13 de cada
mês, à uma hora da tarde, durante o tempo de seis meses, porque tinha um
segredo a dizer-lhe no mesmo sítio. Os dois parentes (de Lúcia) nada
presenciaram; só mais tarde, a instâncias de interessados, se lembraram de
dizer que também tinham visto a senhora. Convém aqui esclarecer que a Lúcia é,
na opinião de muitas pessoas, uma doente mental, certamente devido à
hereditariedade que sobre ela pesa, pois o pai morreu vitimado pelo alcoolismo,
sendo considerado o homem mais ébrio da freguesia. Regressando a casa, a Lúcia
repetiu aos pais e aos vizinhos o que dissera aos dois parentes.
Em 13 de Junho do mesmo ano, por ocasião da tradicional
festa de Stº António, na sede de freguesia, foram à Cova de Iria umas 60
pessoas, movidas por curiosidade, e a Lúcia lá compareceu com os dois parentes
a fitar o Sol e dizendo ver uma santa com um manto branco, bordado a oiro e um
resplendor na cabeça. A 13 de Julho, repetiu-se a cena, tendo comparecido umas
2500 pessoas. Era o bastante para a exploração clerical. Os Boletins Paroquiais
e o Mensageiro de Leiria tocaram a rebate. O milagre realizava-se! A Virgem
Maria honrava Fátima com a sua divina presença – diziam eles (aqueles orgãos do
clero). Era necessário – acrescentavam – comparecer ali, para ver o milagre, em
13 de Agosto. Padres e seminaristas lá foram, arrastando consigo 12 a 15000
pessoas, tendo o concelho de Torres Novas dado o maior contingente. O que não
deixa de ser interessante (como ainda hoje) é que o povo da freguesia de
Fátima, sendo profundamente religioso, é quase indiferente (à parte o interesse
mercantil) à realização destas manifestações.
Exercia eu então o cargo de Administrador do Concelho e na
madrugada do referido dia 13, tendo deixado de prevenção uma força da Guarda
Nacional Republicana na sede do concelho, dirigi-me, em companhia do oficial da
Administração, Cândido Jorge Alho, à povoação de Aljustrel, no intuito de
trazer os três protagonistas (as crianças) para esta vila, a fim de evitar a
continuação da especulação clerical, que em torno delas se estava fazendo.
Junto da casa de habitação dos pais de Francisco e Jacinta, já se encontrava o
padre João, pároco em Porto de Mós, falando com a mãe daqueles, e, junto a um
pequeno largo, bastantes seminaristas. A Lúcia, interrogada, a meu pedido, pelo
padre, reeditou o que anteriormente, havia dito. Convenci os pais de Lúcia, de
Francisco e de Jacinta e os padres a consentirem que as crianças fossem
interrogadas pelo pároco da freguesia de Fátima, a fim de se apurar alguma
coisa de concreto, e, uma vez em Fátima, em lugar das crianças seguirem para a
Cova de Iria, como esperava mais duma dúzia de padres, consegui trazê-las para
minha casa, junto da minha família, num carro previamente alugado. Não faltaram
ameaças de morte. Chegaram mesmo dois grupos, para tal preparados, a seguirem
em automóveis, em perseguição do nosso carro, desistindo do seu intento apenas
quando souberam que o carro que me conduzia e às crianças, se encontrava já
nesta vila, protegido por força militar.
Quando na Cova de Iria tiveram conhecimento do caso, grupos
de populares, à mistura com padres, clamaram ser preciso ir à Aldeia (Vila Nova
de Ourém), matar os republicanos e os pedreiros-livres. Não tendo comparecido
na Cova de Iria as crianças naquele dia, o milagre não se realizou e tudo debandou
sem incidente de maior. Eram então governadores civis efectivo e substituto os
srs. Drs. Manuel Alegre e Manuel Branco, respectivamente, e era minha opinião
que as crianças fossem inspeccionadas por uma junta médica e internadas numa
casa de educação, subtraindo-as, deste modo, aos clericais, de maneira firme e
precisa, para que lhes não servissem de instrumentos de exploração.
Compartilhava desta opinião o segundo daqueles cidadãos, sendo de parecer
contrário o primeiro, convencido de que, deixando-se os clericais à vontade, a
mistificação, com todos os seus elementos, cairia pelo ridículo.
Em 13 de Setembro de 1917, nova manifestação se realizou,
tendo comparecido umas 20 000 pessoas. Os jornais monárquicos e católicos
fizeram uma propaganda tenaz por todo o país, com estrondoso reclame,
anunciando para o dia 13 de Outubro, na Cova de Iria, o aparecimento da Virgem,
que revelaria nessa ocasião a Lúcia o “grande segredo” que lhe tinha sido
confiado. Um dos concelhos onde mais propaganda se fez neste sentido foi o de
Torres Novas, chegando os padres, nas igrejas, a anunciarem, como coisa certa,
o milagre. Resultado de toda esta bem urdida publicidade: 30 a 40 000 pessoas
dos mais diversos pontos do país, e até de Espanha, se juntaram ali, para
assistirem ao famoso milagre.
Este devia observar-se das 12 para as 13 horas, mas a chuva
foi torrencial, e só das 14 e meia para as 15 é que o Sol, liberto das nuvens,
começou a aparecer. Foi o momento Solene em que a Lúcia gritou: Já lá está a
Senhora! Fechem os chapéus e rezem! Uma
parte do povo fechou os chapéus, ajoelhou, fitou o Sol, fixamente, e declarou
que o astro andava à volta (“o Sol bailou”,
como disse Avelino Almeida em o Século
de 15 de Outubro de 1917); a outra parte, apesar de ser também religiosa, que
não via senão o Sol a brilhar.
É muito elucidativo e importante o artigo do Dr. Pinto
Coelho, conhecido católico, no nº507 de 16 de Outubro de 1917, do jornal A Ordem que classifica de “fantasmagoria”
o chamado milagre, dizendo ter ido a Fátima, não como peregrino, mas como
curioso, o que lhe valeu dos próprios correligionários as maiores censuras. A
Lúcia, que andou nos braços de um homem, de grupo em grupo, teatralmente,
revelou o que a Virgem misteriosamente lhe dissera: “ a guerra terminou; os soldados
vêm já a caminho de casa!”. A chamada “aparição” errou lamentavelmente, pois a
guerra terminou em 11 de Novembro de 1918.
8 comentários:
Não sou crente e nunca acreditei nestas e noutras aparições, mas nada como reproduzir os factos escritos por quem os viveu e soube analisar sem medo dos poderes da altura.
Abraço do Zé
Obrigado por este texto
Vou usá-lo a 13 de Maio
http://loja.antigona.pt/product/na-cova-dos-leoes-fatima-cartas-ao-cardeal-cerejeira
Bom trabalho!
Agradeço em nome da verdade... e da família do Artur!
Apesar de não me ligar nenhuma, li e vou ROUBAR este texto para juntar a uns livrinhos que tenho cá em casa. Um abraço recalcitrante.
Meg ahahaha!!!
A versão de Artur de Oliveira Santos vale o mesmo que zero, é lixo. O mesmo era anti-católico, maçonico, defensor do republicanismo e anticlericalismo, o mesmo chegou a levar e prender em sua casa as crianças por 3 dias para as obrigar a negar as aparições, o que não conseguiu. É, como felizmente o texto deixa claro, apenas alguém com ódio à Igreja.
Mas não quero ser mal entendido: digo que "vale o mesmo que zero" apenas no sentido em que é alguém imparcial pelos motivos citados acima, de ter interesse politico em tentar descredibilizar Fátima, e isso na minha opinião reflete-se na confiança que se pode ter no seu relato, mas não no sentido de documento histórico, porque nesse sentido claro que não, pois dá para perceber o seu pensamento e a sua postura perante a situação, o que claro é valioso e importante saber para todos os lados, tanto quem acredita como não acredita em Fátima. Obrigado pela partilha.
Uma coisa que é interessante ver no texto é que o mesmo tem uma visão muito politica, de militância, quanto à situação e que despreza os fiéis que chama de "rudes", "ingénuos", "fanáticos", "simples", "reacionários", etc. É muito interessante e nesse sentido e noutros, está longe de "valer zero" e muito menos de ser ""lixo"" do primeiro sentido que falei (que foi apenas em termos de imparcialidade, reafirmo novamente, porque da forma como escrevi, e infelizmente não dá para editar, pode ser mal interpretado). Mais uma vez obrigado pela interessante partilha!
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