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A concorrência, no dia 13 de Outubro, foi inferior à de 13 de Maio do mesmo ano. Houve missa campal, mas não se realizou a procissão. Em 13 de Maio de 1923, a aglomeração foi superior à de 13 de Outubro de 1917, mas isto devido à grande propaganda e à circunstância de o referido dia ser domingo. A força enviada não chegou a intervir, apesar de na Cova de Iria se efectuarem procissões sem a permissão da autoridade.
A concorrência, no dia 13 de Outubro, foi inferior à de 13 de Maio do mesmo ano. Houve missa campal, mas não se realizou a procissão. Em 13 de Maio de 1923, a aglomeração foi superior à de 13 de Outubro de 1917, mas isto devido à grande propaganda e à circunstância de o referido dia ser domingo. A força enviada não chegou a intervir, apesar de na Cova de Iria se efectuarem procissões sem a permissão da autoridade.
A este tempo já estava quase concluído um enorme poço, que o bispo
de Leiria mandara fazer, para recolher as águas pluviais, pois a Cova de Iria
que, como disse, tem a designação de depressão de terreno, deve comportar 500
pipas de água, não que ali brote, como falsamente tem sido propagado, mas que
ali armazenam, para vender ao público, o que constitui larga receita. Começaram
já a murar o terreno adquirido, que deve ter, aproximadamente, 250 metros de
comprimento por 150 de largura. A compra do terreno deve ter custado 80 contos.
São muitos os promotores ou interessados desta peregrinação, mas o
principal é o bispo de Leiria. É quem tudo orienta e dirige. Na procissão, a
que já me referi, nomeou uma comissão para averiguar da “veracidade do milagre”
e organizar o processo segundo as leis canónicas. Conheço alguns dos nomeados –
autênticos inimigos do regime republicano e criaturas vulgares, que
antecipadamente o bispo muito bem sabe que implicitamente lhe aprovarão por
unanimidade o grande milagre. Constituem a referida comissão os padres João
Quaresma, vigário geral da diocese; Manuel Marques dos Santos, director da Voz de Fátima; Joaquim Coelho Pereira,
prior da Batalha; Joaquim Ferreira Gonçalves Neves, prior de Santa Catarina da
Serra; Agostinho Marques Ferreira, pároco de Fátima; Manuel Pereira da Silva,
professor do Seminário; Manuel Nunes Formigão, professor do liceu de Santarém,
e Faustino G. Jacinto Ferreira, vigário da Vara de Ourém. Pelo falecimento
deste, foi nomeado o sobrinho, Faustino Ferreira, também vigário da vara. Como
as obras da cerca estão a concluir-se, deve estar também a concluir-se o processo
canónico. Nenhum orçamento ou estatuto até hoje passou pela Administração do
Concelho, nem se sabe verdadeiramente onde o dinheiro é aplicado.
Pelo artigo 57 da Lei da Separação, só serão permitidas manifestações
de culto externo, onde e quando constituírem um costume inveterado. Ora, na via
pública, na estrada 121 (ramal), tal não acontece e por isso não poderão ser
permitidos actos de culto externo. Na Cova de Iria foi feita da capela uma
casa, espécie de chalé, onde os padres têm a santa, pregam sermões e dizem
missa. Foi-lhes retirada autorização para qualquer acto de culto fora daquele
local.
A multidão que vem à Cova de Iria é composta de diferentes
classes. Vão os crentes ingénuos e simples, arrastados pela crendice; vão os
negociantes de comes-e-bebes e vendilhões de rosários, das estampas, etc.; vão
os petisqueiros com os seus farnéis; vão os curiosos, os descrentes,
politiqueiros, etc., uns sozinhos, outros com a família ou os amigos, mas a
grande maioria é decerto constituída por gente rude, de longes terras, onde
predomina o fanático e o reaccionário. Os concelhos que fornecem maior número de
pessoas são: Torres Novas, Vila de Rei, Mação, Proença-a-Nova, Oleiros, Idanha-a-Nova,
Fundão, Sardoal, Ferreira do Zêzere, Sabugal, Vila Velha de Ródão, Pedrogão
Grande, Figueiró dos Vinhos, Ponte de Sor, Alter do Chão, Fronteira, Pombal,
Alvaiázere, Porto de Mós, Batalha, etc.
Fátima é hoje, no país, uma etapa da Reacção, que procura ponto de
apoio para base da sua resistência. O facto de se não ter impedido eficazmente
a peregrinação deveu-se simplesmente a terem as forças armadas chegado tarde. É
certo que foram postas à minha disposição forças das unidades mais próximas porque
aquelas que chegaram no dia 12, à tarde, eram insuficientíssimas, mas,
requisitando mais, tinha dois caminhos que trariam para o Regime inconvenientes
novos.
As forças que eu requisitasse das unidades mais próximas, só aqui
chegariam no dia 13. Ora no dia 12, já estavam em Fátima, seguramente, 25000
pessoas. Com o auxílio de novas forças poderia eu ter ido a Fátima dispersar
50000 a 60000 pessoas? O sangue que fatalmente correria não seria uma arma
terrível contra o governo e contra o Regime? Por outro lado, não me utilizando
a força, cairia, pelo menos, no ridículo, e não querendo, por princípio algum,
desobedecer a V. Ex.ª, preferi não requisitar mais a tropa e mandar a pequena
força para onde fora requisitada, fora do local da Cova de Iria, tanto mais que
a mesma força seria suficiente para impedir a saída da procissão de Fátima, caso teimassem em realizá-la, o
que, todavia, não era preciso, pois que eu já tinha conseguido impedir a sua
realização por outros meios mais suazórios, embora não deixassem de causar
receio ao pároco da freguesia e a outras pessoas.
Às 22 horas da noite de 12, veio o Dr. Andrade e Silva (a pedido
da Sr.ª D. Madalena Serrão Machado, que tem feito a perigosa propaganda da cura
do cancro pelas águas pluviais da Cova de Iria) pedir a realização da
procissão. Neguei-lhe terminantemente permissão para esta e fiz-lhe saber que
no dia 13, prenderia o pároco da freguesia. Pediu-me então aquele cidadão que
tal não fizesse, tão convencido estava o Dr. Andrade e Silva de que eu tinha
esse intuito.
Na comunicação enviada a V. Ex.ª, julgo que em 10 do corrente mês,
frisava eu que havia duas maneiras de intervir.
1ª) O Governo mobilizaria os meios de transporte em diversos
distritos; 2ª) ou, então, a Guarda Republicana impediria que se realizassem actos de culto externo. Embora, como V. Ex.ª
sabe, me prejudique materialmente continuar por muito tempo neste lugar, que V.
Ex.ª se dignou confiar-me, eu não terei essa dúvida, se assim for preciso, de
nele me conservar, porque nunca hesitei no cumprimento dos deveres de
republicano, que me prezo de ser, desde há longos anos.
A Reacção vai triunfando, hipocritamente, e a Liberdade perde
terreno, fazendo-lhe concessões. Aquela está fora da lei e é necessário metê-la
na ordem. Julgo que há maneira de jugular a Reacção da Cova de Iria. Quando o
Governo não possa, ou, para melhor dizer, não queira mobilizar os meios de
transporte em diversos distritos, tomar-se-iam, a pouca distância da Cova de
Iria, as embocaduras das estradas que conduzem a Fátima, anunciando-se
devidamente o caso com certa antecedência. Fazendo isto, durante meses consecutivos
estou certo que a Reacção sofreria um grande golpe, deixando a pretensão de ter
um Estado dentro do Estado.
Junto vários documentos.
Saúde e fraternidade!
Vila Nova de Ourém, 31 de Outubro de 1924.
O Delegado do Governo encarregado do inquérito,
ARTUR DE OLIVEIRA SANTOS.
2 comentários:
Um trabalho muito útil!
Obrigado por ele. Documentação existe. Mas uma máquina poderosíssima, criadora e divulgadora de "factos alternativos" (essa "invenção" de Trump!...) foi muito eficaz.
Há que sublinhar que estes relatórios antecedem o 28 de Maio de 1926 (o livro de Rodrigues Miguéis O Milagre segundo Salomé é um excelente enquadrador destes relatórios.
Forte abraço
"É muito próprio do vulgo desconfiar de quem o estima e confiar nos que o enganam."
la boétie
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