segunda-feira, 1 de maio de 2017

Mais um milagre de Fátima

A minha tia foi menina, rapariga, solteirinha, solteirona e agora é beata demais para poder vir a ser santa. Porque respeito muita a sua devoção à Virgem, na preparação da viagem do passado fim-de-semana à Terrinha, passei por Fátima e comprei-lhe uma santa.

Entrei na loja e senti-me intimidado pelo olhar multiplicado das santas multiplicadas, intimidação essa, reforçada pela abordagem da lojista que, ao dirigir-me a palavra num tom angelical, recebeu a minha seca amabilidade:
- Que virgem desejais senhor?!
- Com menos de meio metro e luminosa! É para a minha tia que já está de pés para o Céu e vê muito mal!
- Escolha daqui!
- Mas são todas iguais!?
- Nesse caso tem a escolha facilitada!
- Já estão benzidas?!
Sorriu por me ter descoberto o grau de prática religiosa; é obvio que ninguém vende objectos religiosos já benzidos! Essa operação fica ao cuidado de cada um e foi coisa que, pela pressa, não consumei mas que fiz questão de ocultar à minha tia que também me tem ocultado, com esperteza de sacristia, as contas bancárias e outros bens que aguardo para um dia.

- Tia! Trago-lhe uma prenda! Olhe só para este olhar!... Benzida pelo cardeal de Cracóvia que esteve esta semana em Fátima!

Quando no domingo voltei à casa para engraxar a despedida, estava a velha com a velha vizinhança, debitando o terço à volta da imagem colocada em cima de uma mesa na varanda virada ao sol. A minha chegada interrompeu o mistério e disse a minha tia:
- Filho, a santa chora!
- Nesse caso devolvê-la-ei! Ainda está na garantia!
- Cala-te homem do diabo! Olha! Vê!...
Para meu espanto era verdade demais mas não suficiente para erguer a minha Fé - relembre-se o segredo de que não tinha havido tempo para ser benzida!

E cá regressei deixando em paz a Fé dos que a cultivam mas assaltado por um combate interior que me teria de levar ao fundo da verdade.
- Minha senhora! Venho reclamar dum produto que adquiri aqui na passada sexta-feira!
- Lembro-me de si, levou uma Nossa Senhora luminosa! Não me diga que é daqueles que julgam que é preciso lâmpada!?
- Não, a imagem chora e está a perturbar emocionalmente a pessoa a quem a ofereci!

Relatei-lhe os factos e recebi a explicação:
- Como as imagens são arrefecidas em água quando saem da máquina de intrusão, como só depois de cravados os olhos em cera se fecha a cabeça, é natural que com o calor alguma cera se derreta e deixe verter eventuais gotas de água que não tenham escorrido durante o processo de fabrico.

Eis a razão porque há santas que choram. É claro que seria difícil eu convencer a minha tia e as suas vizinhas! Fiquem então elas com mais um milagre.

1 comentário:

Judite Castro disse...

Estou mesmo grata pela informação.
De vez em quando ouvia falar das santas que choram.
Nunca me preocupei muito - eu também choro e não dou santa.
Agora já vou entrar na conversa das santas que chiram.
Abraço
Bem haja.